Aula tática foi a chave que facilitou a vitória holandesa

Segunda-feira, 23 de junho de 2014, 13 horas. O árbitro gambiano Bakary Gassama mal apita o início de Holanda x Chile, e Dirk Kuyt já se aproxima de Mauricio Isla. Não faz nada: não comete falta, não divide a bola duramente, talvez nem tenha xingado o camisa 4 da seleção chilena. Mas deixa claro: se a Roja queria fazer marcação por pressão e ter espaço para avançar ao longo do jogo na Arena Corinthians, que atacasse a seleção holandesa por outro lado. Ali na direita, Kuyt não deixaria.
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E escalar Kuyt na lateral esquerda, com o bom resultado que rendeu, foi apenas uma mostra do gigante acerto de Louis van Gaal na armação da equipe que enfrentou o Chile – logo, também uma mostra da grande responsabilidade do técnico na vitória por 2 a 0 que deixou a Oranje com 100 por cento de aproveitamento no grupo B da Copa do Mundo. Sem Van Persie, e tendo pela frente um Chile cuja pressão na saída de bola adversária preocupava, decidiu armar o time de modo bastante pragmático.
Mas de nada adianta o que o técnico decide sem que os jogadores tenham capacidade de colocar em prática. E a defesa holandesa teve essa capacidade: todos os cinco jogadores dela fizeram ótima partida. Como já indicado no parágrafo inicial, Kuyt mostrou porque é tão querido pelos técnicos da seleção holandesa, desde Marco van Basten. Sua aplicação evitou que a esquerda fosse muito utilizada pelos chilenos – e mesmo quando ele falhava, Daley Blind chegava na sobra, como zagueiro.
E aqui, cabe um parêntese: ainda que a possibilidade fosse cogitada desde o fim de semana, a escalação do atacante como lateral esquerdo foi muito estranhada por imprensa e torcida, na Holanda e fora dela. Pois bem, não era tão absurdo assim, se pensarmos que Kuyt foi sugerido como lateral já na Euro 2012, por ninguém menos que Johan Cruyff.
O JOGO: Pragmática, Oranje joga Chile para cima do Brasil
Então, JC recomendava que o jogador fosse para a direita: “Por que não? A maioria dos adversários não joga com ponta-esquerda. Acho Kuyt melhor do que pensamos. Não é que ele precise jogar totalmente diferente de como joga. Pode fazer o que sempre faz, mas jogando um pouco mais atrás”. Não foi na direita, como Cruyff sugeria. Mas Kuyt, afinal, foi experimentado na lateral. Fim do parêntese.
Só que de nada adiantaria a esquerda estar bem se o miolo de zaga fosse temerário, como normalmente é. Pois Vlaar e De Vrij repetiram a atuação segura do jogo contra a Austrália. Às vezes, sofriam um pouco com a rapidez dos atacantes – principalmente de Alexis Sánchez, de longe o melhor jogador chileno na partida. Mas sempre se antecipavam com correção, evitando que alguém saísse na cara de Cillessen.
De quebra, Janmaat também foi bastante concentrado, evitando muitas ousadias e preocupado em evitar o avanço dos chilenos pelo seu setor, o ponto fraco da defesa holandesa contra a Austrália. E juntos, todos esses cinco jogadores (Janmaat, De Vrij, Vlaar, Blind e Kuyt) formavam uma linha que raramente se desfazia. Nem mesmo quando a Holanda conseguia algum respiro e partia para o ataque.
O CRAQUE: Robben parece capaz de ser o protagonista que se espera dele na Holanda
Até porque, é bom que se diga, raras vezes a Holanda conseguiu partir para o ataque com perigo. Tanto porque a proposta de jogo era francamente defensiva, como porque o cidadão encarregado de armar as jogadas ofensivas falhou mais uma vez – claro, aqui fala-se de Sneijder, de atuação outra vez abaixo da crítica. Para piorar, Lens, substituto de Van Persie, também não jogou bem A coisa só não estourava constantemente na linha de cinco marcadores porque Nigel de Jong fez mais uma boa partida, incansável nos desarmes – e Wijnaldum também teve seu valor.
Sobraram, então, os contra-ataques de Arjen Robben, em fase esplendorosa técnica e fisicamente. Mas eles também não davam muito certo. Até que… bem, Van Gaal explicou melhor na entrevista à NOS, emissora holandesa de tevê: “Nós já notávamos que o Chile perdia fôlego e atacava menos nos quinze minutos finais. Quando se traz altura e criatividade, como com as entradas de Leroy [Fer] e Memphis [Depay], espera-se isso [a vitória]. E estamos em boa forma. Já no intervalo eu disse que conseguiríamos espaço nos últimos quinze minutos”.
É óbvio: com outra participação decisiva em campo, tendo trazido a velocidade que Robben precisava para ajudar nos contra-ataques e fazendo mais um gol (o segundo em apenas 68 minutos jogando em Copas), Depay se consolida como a principal opção de ataque da Oranje. Traz velocidade, ao contrário de Huntelaar; e aparece mais para o jogo do que Lens.
Pelo lado de Fer, sua entrada trouxe mais força ao meio-campo, tirando a carga de marcação dos ombros de De Jong. E a jogada de seu gol mostrou que Van Gaal, de fato, estudou o Chile à perfeição: foi idêntica ao gol de Tim Cahill, da Austrália, na estreia da Roja pela Copa. Defesa baixa, uma jogada que a pegue desprevenida, um jogador de boa impulsão que cabeceie bem, gol.
Claro, é inegável que a Oranje recupera um pragmatismo que pode desagradar, ainda mais tendo em vista o histórico do futebol do país. Desagradou, obviamente, a Jorge Sampaoli: “Queríamos vencer, mas não achamos solução contra um time que só queria se defender. A Holanda não contra-atacou, só deu chutões para a frente”. Como era de se esperar, Van Gaal deu de ombros: “Não estou interessado na opinião do técnico do Chile”. De mais a mais, nunca a Holanda marcou tantos gols numa fase de grupos da Copa do Mundo (10).
Então, duro jogo contra o Chile superado, é hora de abrir o time contra o México? Nem pensar. Trata-se de jogo mais traiçoeiro do que parece. Não bastasse ser partida eliminatória (logo, naturalmente tensa), El Tri pode não ter tanta qualidade no ataque quanto os chilenos, mas virou um time determinado, distante da desorganização das eliminatórias. Tem velocidade e habilidade em Giovani dos Santos e Oribe Peralta. E mais gente ajuda o ataque. Seja com chutes de fora da área, como Herrera. Seja avançando, como Guardado, Layún, Aguilar e até Rafa Márquez.
Mas a Holanda parece mais confiável. Se havia alguma dúvida da aplicação tática do time, ela não existe mais depois da atuação exemplar contra o Chile. Se a defesa continuar atenta, a disciplina tática estiver forte e se “Robben van Persie” (ou será “Arjen Robin”?) seguirem decisivos como foram na primeira fase, a seleção tem chances de passar pelo México e ir longe na Copa. Serão jogos tensos. Mas a Oranje aprendeu a sonhar.