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Ao lado dos chilenos e dos holandeses, o jogo da Copa foi mero detalhe

SÃO PAULO – Vermelho e laranja são cores quentes. Basta vê-las para sentir a agitação e a força que elas transmitem. E, em um jogo de Copa do Mundo, elas parecem tornar ainda mais calorosas as torcidas de Chile e Holanda. A massa Roja e a Oranje deram um novo colorido às ruas do Brasil. Assim como o vermelho e o laranja de suas camisas, elas te envolvem de uma maneira intensa. Hipnotizam, impregnam a visão com apenas duas cores. Em tons próximos, mas distintos, de jeitos diferentes.

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São Paulo teve sorte de receber o encontro de duas das torcidas mais empolgantes deste Mundial. Era impossível se cruzar a cidade na manhã desta segunda sem perceber a atmosfera diferente que a envolvia. Meu caminho até a Zona Leste começou no Butantã, Zona Oeste, do outro lado da capital. Logo na estação de metrô, os primeiros chilenos avistados. Davam mostras de que seriam, e muito, mais numerosos no Itaquerão. Talvez mais presentes até que os brasileiros que foram assistir ao duelo que definiria o adversário da Seleção.

A primeira impressão dos holandeses, no entanto, foi ainda mais impactante. Eles não precisaram nem entrar no metrô, enquanto já partia da Estação Pinheiros. Os vultos que passavam rápido pela janela se tornaram puramente laranjas. Mais do que isso, os gritos em uníssono. Sem letra, apenas na melodia, de um dos cânticos tradicionais da Oranje. Desde já, aquela partida prometia muito mais pelo ambiente do que pelos 90 minutos de bola rolando.

Quem tem medo do Chile? O pequeno coringa chileno estava no trem de São Paulo rumo a Itaquera (AP Photo/Dario Lopez-Mills)

A viagem pelos trilhos de São Paulo foi longa. E, à medida que as estações iam se aproximando de Itaquera, mais camisas vermelhas e laranjas. Os chilenos, quase sempre três ou quatro, falando sobre futebol e sonhando com o sucesso do time de Jorge Sampaoli. Os holandeses, geralmente em grupos maiores e organizados por seus trajes, chamando a atenção de quem pegava o metrô em um dia útil paulistano, solícitos a qualquer foto.

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No entorno do Itaquerão é que a festa ficou mais clara. A celebração entre holandeses e chilenos, rivais e ao mesmo tempo irmãos. Os abraços entre os europeus e sul-americanos eram muitos. O tom de provocação pelo jogo que viria era bem menor do que o de comunhão pelo momento único. E, naquele instante, também ficaram mais claras as diferenças entre La Roja e a Oranje.

Era impossível não se contagiar com os chilenos. A enorme massa vermelha, que tinha o comportamento das mais genuínas torcidas da Libertadores. Eram absolutamente homens, entre seus 20 e 40 anos de idade, quase sempre com a camisa da seleção. Alguns com perucas e os rostos pintados, adereços mais simples. Outros com a bandeira amarrada no pescoço, feita como capa de super-herói, como se pudessem ajudar de alguma maneira os seus próprios heróis dentro de campo.

Torcida chilena está confiante na seleção (AP Photo/Felipe Dana)

O tradicional “Chi-Chi-Chi Le-Le-Le, Viva Chile!” parecia um vírus que se pegava no ar e cujo principal sintoma era te fazer gritar junto. Os ambulantes o tornaram estratégia de venda, enquanto os voluntários do estádio também o berravam no megafone. A cada canto do lado de fora do estádio era possível ouvi-lo estourar, a cada minuto. Se os holandeses não o gritavam também, era por puro orgulho nacional.

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A turma da Holanda, aliás, era bem menos barulhenta. Entretanto, não menos perceptível. O laranja das roupas gritava aos olhos. Algumas camisas da seleção, poucas se comparadas aos chilenos. Afinal, a torcida holandesa parecia pronta para torcer na Copa. Ser percebida nessa grande festa que acontece a cada quatro anos e que, principalmente, torna seu pequeno país cultuado no mundo inteiro. As famílias vieram em peso para o Brasil. Eram muito mais crianças holandesas, e também mais mulheres, mais senhores de cabelos brancos.

O barato de ser holandês na Copa do Mundo é vestir roupas extravagantes naquele tom chamativo. E eles se organizavam justamente para isso. Vi homens de terno e gravata laranja. Reis com coroas laranjas. Macacões (que, pelo jeito, lá não estão mais fora de moda) laranjas e com o rabinho do leão, o mascote da seleção. Aliás, até mesmo um leão laranja, em uma roupa pesada, mas suportável para o sol de inverno da tarde paulistana.

Torcedoras holandesas na Arena Corinthians, em Itaquera (AP Photo/Thanassis Stavrakis)

Quando o jogo ia começar, as arquibancadas estavam completamente coloridas. Grandes setores vermelhos, mais comuns. Laranjas, menores, um pouco mais espalhados. E também os muitos pontinhos amarelos, de torcedores brasileiros que foram com o uniforme da Seleção, majoritariamente o desta Copa. Mais os multicoloridos, das muitas camisas de clube, em especial dos três grandes da cidade de São Paulo.

Entretanto, a bola nem precisou rolar para sentir um arrepio com o que a torcida chilena faria. O hino nacional à capela foi um momento inexplicável. E o apito inicial se seguiu com os vários gritos tradicionais de La Roja, trazidos diretamente do Estádio Nacional de Santiago. Ainda agora, ecoa na minha cabeça o “ole, ole, ola, a cada dia te quiero más”, impossível de não cantar. A ótima acústica do Itaquerão ajudou ainda mais que a voz dos chilenos fizesse estremecer as arquibancadas. A ponto de também dizerem “somos locales otra vez”.

Torcida chilena fez muito barulho em Itaquera  (AP Photo/Thanassis Stavrakis)

Como eu estava distante dos grupos holandeses, mesmo os mais próximos, precisava de algum esforço para ouvi-los – até porque não dava para silenciar os chilenos. No início do segundo tempo, os europeus eram mais audíveis. Assim como havia sido no metrô, seus cânticos eram dominados apenas pelas melodias. E os adereços também davam tons especiais em laranja ao jogo. Uma bola daquela cor viva ficava pulando sobre suas cabeças, jogada para o alto por quem a pegasse. Quando os gols saíram, chuvas de papel picado laranja.

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Boa parte dos brasileiros ficou do lado do Chile, graças à proximidade cultural e ao contágio evidente. Ainda assim, muitos vestiam e torciam pela Holanda. As grandes graças, de qualquer forma, eram outras. Para a maioria, era zoar com tudo e com todos, gritar o nome do próprio clube – o “Timão ê ô” foi o único capaz de competir com o “Chi-Chi-Chi Le-Le-Le”. Por vezes, exageraram na dose da brincadeira e faltaram com o respeito, esquentando um pouco os ânimos – infelizmente, acontece até com os melhores anfitriões. Também tinha lá quem achava que pagou caro pelo ingresso para consumir o futebol, não para ser torcedor e servir, reclamando de todo lance e de qualquer decisão. Já para alguns brasileiros, o barato era tirar muitas fotos para mostrar aos amigos no Facebook ou no Instagram, sem nem ligar para o jogo. O laranja e o vermelho serviam só de plano de fundo das selfies.

Brazil Soccer WCup Netherlands Chile

No caminho até o metrô, ao fim da partida, a empolgação diminuiu, mas ainda embalava os passos lentos e cansados da volta. Em tom de brincadeira, chilenos e brasileiros criavam músicas para o duelo iminente nas oitavas de final. Porém, no trem cheio (mas não lotado, longe daquilo que quem vai à Estação da Sé às 18 horas está acostumado a enfrentar), o respeito imperava. Chilenos cabisbaixos, amedrontados pelo pesadelo verde-amarelo que voltava. Holandeses satisfeitos, e também compreensivos com a dor dos outros.

Os jogos são parte essencial da Copa do Mundo. São eles que contam a história do torneio, que motivam toda essa festa. Mas são meros detalhes no ambiente onde ganhar ou perder é bem menos importante do que celebrar. De formas diferentes, chilenos e holandeses – vermelhos e laranjas – me ensinaram muito bem isso justo no meu primeiro jogo de Copa, a minha Disneylândia que esperei por 24 anos.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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