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Quase nada muda na RFEF, e jogadoras da Espanha passam por novo constrangimento

Jogadoras da Espanha tentam boicotar a seleção, mas risco de punição obriga apresentação

Ser convocado para defender a seleção nacional costuma ser motivo de orgulho para atletas de qualquer esporte. Afinal, significa que você está entre os melhores de seu país e poderá representá-lo pelo mundo. Ser chamado após a conquista de um título mundial, então, geralmente é razão para muita festa e celebração com torcedores. Bem, este não é o caso da seleção feminina da Espanha. Após manifestarem publicamente sua recusa à equipe nacional após o caso Rubiales, jogadoras espanholas foram convocadas pela nova técnica Montse Tomé e foram obrigadas a se apresentar nesta terça-feira (19) sob muito constrangimento.

Na sexta-feira (15), 39 jogadoras assinaram um comunicado oficial boicotando a seleção até que mudanças estruturais, reais e significativas aconteçam na Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF). Para elas, poucas alterações significativas foram feitas na entidade, mesmo com a renúncia de Luis Rubiales à presidência semanas depois do beijo sem consentimento em Jenni Hermoso na premiação da Copa do Mundo.

Querendo ou não, a RFEF mostrou que as atletas estavam certas e ignorou o boicote. Numa prova de que a renúncia de Rubiales e a demissão do técnico campeão mundial Jorge Vilda foram mais pela imagem da entidade do que pelos valores morais, 19 das jogadoras que colocaram seus nomes no manifesto foram convocadas para dois da Liga das Nações e obrigadas se apresentarem para não sofrerem punições.

O boicote

A crise entre jogadoras e RFEF começa antes mesmo da Copa do Mundo deste ano. Em 2022, 15 atletas assinaram um comunicado pedindo a saída do técnico Jorge Vilda após a queda da Espanha nas quartas de final da Eurocopa. As reclamações foram motivadas pelos métodos de trabalho e comportamento do treinador, inclusive com denúncias sobre assédio moral. A entidade máxima do futebol espanhol, no entanto, bancou o comandante e ignorou o protesto.

Mesmo com os bastidores conturbados e desfalcada de alguns nomes, a Espanha conquistou o inédito título da Copa do Mundo Feminina, disputada na Austrália e Nova Zelândia. Quando parecia que a crise havia sido superada, o então presidente da RFEF, Luis Rubiales, forçou um beijo sem consentimento da meia Jennifer Hermoso na premiação do Mundial.

Nas três semanas seguintes, a briga entre jogadoras, apoiadas por diferentes figuras importantes do país, e Rubiales ofuscaram a conquista. Depois de denúncias, protestos, polêmicas e suspensão provisória imposta pela Fifa, o cartola renunciou ao cargo. Dias antes, a RFEF havia demitido Jorge Vilda, que perdeu qualquer respeito restante que tinha do elenco campeão mundial ao aplaudir um discurso misógino do então presidente da Federação Espanhola.

Rubiales surpreende Jennifer Hermoso com um beijo no pódio de premiação da Copa do Mundo, enquanto a meia fica sem reação (Foto: Reprodução/Sportv)

As mudanças, no entanto, foram mais para diminuir a repercussão catastrófica contra a entidade “consertar” a imagem diante do mundo. A escolha de Montse Tomé, que era assistente técnica adjunta de Jorge Vilda, como nova comandante deixou isso claro. Sendo assim, 21 das 23 campeãs mundiais recusaram representar a seleção

— Ao dia de hoje, como transmitidos à RFEF, as mudanças produzidas não são suficientes para que as jogadoras se sintam em um lugar seguro, onde se respeite as mulheres, se aposte no futebol feminino e possamos dar nosso rendimento máximo — escreverem em comunicado oficial divulgado na última sexta-feira.

A polêmica convocação e possibilidade de punição

O posicionamento atrasou a primeira convocação de Montse Tomé, que seria na sexta e passou para esta segunda-feira (18). No entanto, 19 das jogadoras que participaram do manifesto foram convocadas, gerando dúvidas quanto a apresentação das mesmas nesta terça-feira.

De acordo com a mídia espanhola, uma recusa ao chamado poderia acarretar em punições. Segundo o jornal Marca, algumas jogadoras consultaram profissionais do meio jurídico e sindical, que as orientaram a se apresentarem. Caso o contrário, poderiam receber multas ou até mesmo suspensões de até cinco anos.

Sob extremo e inaceitável constrangimento, as atletas começaram a se apresentar nesta terça-feira. A primeira a aparecer no hotel da concentração em Madri foi a goleira Misa Rodríguez, do Real Madrid. Ao chegar, foi perguntada se estava feliz pela convocação e respondeu com um sincero “não”.

Já as demais jogadoras que se apresentaram em Madrid e Valência, outro ponto de apresentação e local onde a seleção espanhola se reunirá para sessão de treinos, chegaram de cara fechada e preferiram não falar com a imprensa. No aeroporto de Barcelona, a renomada Alexia Putellas disse estar se sentindo “mal” com tudo isso.

A seleção espanhola feminina enfrenta a Suécia na sexta-feira (22), em Gotemburgo, e a Suíça na próxima terça (26), em Córdoba. Ambas as partidas são válidas pelo Grupo 4 da Liga das Nações.

Foto de Felipe Novis

Felipe Novis

Felipe Novis nasceu em São Paulo (SP) e cursa jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Antes de escrever para a Trivela, passou pela Gazeta Esportiva.
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