Copa do Mundo Feminina

Sinclair viveu um duro adeus na Copa, mas não diminui o brilho de sua história

Maior artilheira da história do futebol de seleções, Christine Sinclair desta vez não conseguiu liderar o Canadá além da fase de grupos

Christine Sinclair é a maior futebolista da história do Canadá, entre mulheres e homens. Nenhum outro ser humano anotou mais gols por seleções nacionais, com 190 tentos no total. E a história vitoriosa, cheia de títulos por clubes, rendeu aos canadenses seu maior feito dentro das quatro linhas: o ouro olímpico nos Jogos de Tóquio, em 2021. O sucesso relativamente recente colocava as Canucks como candidatas a uma grande campanha na Copa do Mundo de 2023. Entretanto, a despedida acontece cedo demais, logo na fase de grupos. Aos 40 anos, Sinclair sai de cena naquele que deve ter sido seu último Mundial.

Não seria uma campanha empolgante para Sinclair. Na estreia da Copa, contra a Nigéria, a capitã do Canadá desperdiçou um pênalti e viu seu time perder pontos preciosos com o empate. Sinclair saiu do banco na segunda rodada e contribuiu para a virada diante da Irlanda. Porém, de volta ao comando de ataque na rodada final contra a Austrália, a camisa 12 foi impotente em campo. As australianas vinham pressionadas pela necessidade e golearam por 4 a 0. Na sexta Copa do Mundo de sua carreira, a artilheira passou em branco.

A despedida ainda não foi cravada por Sinclair, mas ela admite que deva ser sua última Copa. Talvez uma questão de respeito a quem representa tanto ao esporte, mas lida com um declínio natural. Se durante as Olimpíadas a atacante atuou de maneira mais recuada e serviu de armadora à conquista do ouro, desta vez seu papel mais à frente não deu resultados. Seu lugar como lenda ficará para sempre. Entretanto, talvez seja a hora de passar o bastão num Mundial que marcará também o adeus de Megan Rapinoe, enquanto Marta vê sua influência na seleção brasileira se reduzir. Há uma troca de guarda entre as protagonistas do futebol feminino.

A essência do futebol no Canadá

Sinclair simboliza o futebol do Canadá em sua essência. O esporte tem sua tradição no país numa camada limitada da população, quase sempre ligada a comunidades de imigrantes. Mesmo disperso, porém, possui raízes profundas. Sinclair veio de uma família de jogadores: seu pai chegou a ser campeão do Campeonato Canadense e atuou também no nível universitário, enquanto seus tios jogaram na antiga NASL. Assim, o incentivo para a atacante praticar esportes veio desde cedo. Sinclair jogou beisebol durante a juventude, até que o talento no futebol falasse mais alto. Com 16 anos, a craque estreava pela seleção principal do Canadá.

Sinclair possui uma carreira respeitável no futebol de clubes. A atacante teve sua maior projeção nas ligas profissionais dos Estados Unidos, depois de estourar como bicampeã na NCAA. A canadense conquistou a antiga WPS pelo Gold Pride e pelo Western New York Flash, antes de emplacar com três títulos da NWSL pelo Portland Thorns, sua equipe desde 2013. De qualquer maneira, sua maior contribuição veio mesmo pela seleção. As Canucks mudaram de status graças a Sinclair.

A concorrência dos Estados Unidos dificulta um pouco o reconhecimento do Canadá. Mesmo assim, Sinclair liderou as alvirrubras no título do Campeonato Feminino da Concacaf em 2010. Outro feito considerável aconteceu em 2011, com o ouro nos Jogos Panamericanos de Guadalajara. Já as maiores conquistas da atacante ocorreram nos Jogos Olímpicos. As canadenses subiram no pódio em 2012 e 2016, com o bronze em ambas as edições das Olimpíadas. A consagração se preparou para Tóquio, em 2021, com o ouro que marcou o maior reconhecimento à carreira de Sinclair.

As Olimpíadas de 2020 não proporcionaram a campanha mais efetiva de Sinclair, cabe dizer. A atacante marcou apenas um gol, na fase de grupos, e chegou a perder um pênalti na classificação contra o Brasil nas quartas de final. Entretanto, a craque assumiu uma função diferente na armação da equipe. Atuou de forma mais recuada e distribuiu passes às companheiras. Ao final, pôde colocar a medalha de ouro no peito como capitã – uma conquista que corresponde ao processo liderado pela artilheira.

A lenda de Copas

A relação de Sinclair com a Copa do Mundo não é tão gloriosa quanto o que viveu nas Olimpíadas. Apesar disso, a atacante possui uma história representativa dentro do torneio. Com seis aparições em Mundiais, a canadense só está abaixo das sete de Formiga. A artilheira ainda atuou em todos os seis Mundiais, com gols em cinco deles. Também foi capitã em cinco edições diferentes. É a quinta no total de partidas disputadas, com 24 jogos, e a segunda em partidas como titular, 23. Está na oitava colocação entre as maiores artilheiras do torneio, com dez tentos.

Sinclair estreou em Copas na edição de 2003, logo com ótimo destaque. A jovem atacante anotou três gols e auxiliou o Canadá a terminar na quarta colocação. Foram mais três gols em 2007, apesar da queda na fase de grupos. Em 2011, só mais um gol em outra eliminação precoce na primeira fase. Anfitrião em 2015, o Canadá alcançou as quartas de final com dois gols da capitã. Já em 2019, o décimo gol da artilheira ocorreu numa caminhada que levou as canadenses até as oitavas de final.

Dez gols podem não parecer muito para quem anotou 190 tentos em sua história pela seleção. Nenhuma outra mulher balançou as redes tantas vezes no futebol de seleções, assim como nenhum outro homem conseguiu fazer mais. O maior impacto de Sinclair aconteceu em amistosos e torneios amistosos. Nada que diminua quem foi a face principal da seleção do Canadá e colocou a equipe nacional num novo patamar. Mesmo que a possível despedida tenha sido agridoce.

Uma jornada curta demais

O Canadá vinha para a Copa do Mundo como atual campeão olímpico, mas também tinha seus poréns. As lesões desfalcavam sensivelmente as Canucks, ao passo que as jogadoras lideravam uma rebelião contra a federação, em relação a contratos e ao investimento na modalidade. Com as disputas internas, nem de longe foi a preparação que se esperava. Além disso, o sorteio do Grupo B guardava suas armadilhas. A Austrália vinha como a anfitriã, a Nigéria tem ampla tradição no futebol feminino, mesmo a Irlanda oferecia seus recursos. Não era uma classificação que dava para contar.

A estreia contra a Nigéria apresentou as primeiras dificuldades do Canadá, e de Sinclair. Se a derrota escapou para as Canucks, o pênalti perdido pela artilheira tinha um preço bastante alto. A vitória sobre a Irlanda mantinha uma situação aberta. Entretanto, enfrentar a Austrália se tornou um fardo pesado demais. A capitã ainda teve uma boa atuação de início contra as australianas, mas o domínio territorial das canadenses não se transformou em gols – diferentemente do que aconteceu com as Matildas, bem mais cirúrgicas. Sinclair saiu no intervalo, quando as anfitriãs haviam anotado metade de seus gols no triunfo por 4 a 0.

Na saída do estádio, Sinclair ainda encarou os microfones. Não fugiu das perguntas e admitiu a dor pela eliminação: “Obviamente é duro, mas estamos juntas na vitória ou na derrota. Do êxtase dois verões atrás, com o ouro, a perder nesta noite. Por mais duro que isso seja, é parte do esporte e você precisa aceitar as derrotas da mesma maneira que aceita as vitórias”. A artilheira lamentou com lágrimas nos olhos a aposentadoria de Sophie Schmidt, cinco anos mais nova e sua parceira em cinco Copas do Mundo. Entretanto, seu próprio destino continua em suspenso. Aos 40 anos, não confirmou o adeus, mas parece bem difícil acreditar no sétimo Mundial.

Sinclair terá tempo para decidir seu caminho. Certo é que a história das Copas do Mundo, e do próprio futebol feminino, seria outra sem a atacante. Ao longo de duas décadas, a artilheira guiou a seleção do Canadá e serviu de inspiração a várias mulheres. Foi parte importante do desenvolvimento da modalidade. Os atos finais raramente são apoteóticos. Melhor quando o penúltimo, ao menos, valeu o ouro que coroou toda uma trajetória em altíssimo nível.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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