França

Henry deu importantes declarações sobre o debate de saúde mental no futebol

Atual treinador da França Sub-21, Thierry Henry abordou a importância do tema ao falar sobre Alexis Beka Beka, jogador das seleções de base que tentou tirar a própria vida

Alexis Beka Beka comoveu o futebol francês há pouco mais de uma semana. O meio-campista de 22 anos tentou tirar sua própria vida em 29 de setembro. Felizmente, o jogador do Nice teve apoio do psicólogo do clube e também dos serviços de emergência locais, que puderam salvá-lo. A situação limítrofe gerou um importante debate sobre a saúde mental dos futebolistas profissionais na França, em especial dos mais jovens. E o tema contou com grande contribuição de Thierry Henry, com uma pertinente reflexão sobre a maneira como as conversas precisam ser mais abertas – não apenas no esporte.

Beka Beka passou pelas seleções de base da França. O meio-campista defendeu as equipes sub-17, sub-18 e sub-19, assim como esteve presente nos Jogos Olímpicos de 2020. Com dificuldades para se firmar no nível profissional, o meio-campista recebeu apoio de diferentes companheiros nos últimos dias. E também de Henry, que atualmente dirige a seleção sub-21 da França. Perguntado sobre o tema em coletiva de imprensa, o craque afirmou que o cenário melhorou, mas passa longe do ideal.

A necessidade de se abrir

“Gosto muito dessa pergunta porque é algo muito importante. Estamos falando de jovens, claro, mas penso que todos temos os nossos problemas. Estamos aqui, você faz o seu trabalho, eu faço o meu, todo mundo acha que está tudo bem. Mas todos temos problemas. Às vezes você tem dificuldade em digeri-los, às vezes você os esconde. Mostra um pouco de confiança, quando não é bem assim. O cérebro tem um poder enorme sobre o ser humano”, analisou Henry.

“É verdade que agora não é tabu dizer que você está com medo. Também não é tabu dizer ‘não estou me sentindo bem, acho que não deveria jogar porque mentalmente não estou me sentindo bem, deveria fazer uma pausa’. Mas, se você mostra vulnerabilidade e na sua frente não encontra empatia, você se fecha. Não fala sobre isso, não sabe para onde ir, fica com vergonha. E quando isso não é uma vergonha, mas sim o primeiro instinto que você tem”, complementou.

Henry ressaltou a necessidade de oferecer uma assistência maior também para os jogadores próximos do fim da carreira. Além disso, salientou como o ambiente de pressão nos esportes passa distante de uma compreensão com a saúde mental.

“É como quando você chora. A primeira coisa que dizemos é ‘com licença’. Mas é uma emoção. Por que você pede desculpas se chora? Você vai se esconder ou vai pedir desculpas porque está com vergonha. Hoje estamos numa situação em que a saúde mental precisa de ser melhor gerida. Para jogadores jovens e para atletas de alto nível que estão encerrando a carreira. E não é só o futebol que sofre com isso. Qualquer que seja o esporte e o nível. Muita gente sofre e o esporte não te ensina a fracassar”, pontuou o ex-atacante.

Henry se lesionou pelas exigências

Henry afirmou que, em seus tempos de jogador, o ambiente nos vestiários era bem mais fechado. Os jogadores não relatavam os problemas aos colegas, mesmo os mais triviais. Era uma pressão que não contribuía ao rendimento geral.

“Na minha época, se você dissesse para alguém ‘estou com medo’, não caía bem. Tudo era mais difícil, era tabu. Você chegava ao vestiário e, se te perguntassem se você estava bem, você dizia que sim, mesmo que não estivesse. Se perguntassem se dormiu bem, dizia que sim, mesmo se não fosse o caso. Se perguntassem se tinha dor, dizia que não, mesmo que tivesse. Hoje um jogador pode se abrir mais”, declarou.

Segundo o veterano, tais dificuldades para conversar trouxeram inclusive prejuízos físicos: “Em 1996, disputei a Euro Sub-18. Em 1997, o Mundial Sub-20. Em 1998, a Copa do Mundo. Não tive férias dos 17 aos 20 anos. Resultado: uma hérnia de disco. Sempre me lembrarei, me mandaram de volta à seleção sub-21 porque supostamente eu não estava me esforçando. Chorar era impossível. Não podia mostrar suas debilidades”.

Mais empatia

Por mais que Henry veja um cenário mais favorável para se discutir saúde mental atualmente, há também outros ônus. Nem sempre a situação dos jogadores é correspondia com empatia, ainda mais diante da exposição causada pelas redes sociais. É preciso mais ponderação.

“Quando vi essa cena de Beka Beka, todos olhamos para os nossos problemas. Isso me fez pensar também sobre os meus problemas. Nós os escondemos, nós os mascaramos. De tempos em tempos, algumas pessoas chegam ao limite. É uma pena que cheguemos a esse ponto para perceber. Precisamos de aberturas e portas. Precisamos de compreensão para que as pessoas possam se expressar sem medo ou vergonha”, refletiu Henry.

“Eu poderia falar sobre isso o dia todo. Há muitas pessoas que sofrem com isso. Não tenho todas as respostas, mas é verdade que vivemos agora num mundo em que é mais fácil de se expressar, porque isso é um pouco mais aceito. Mas existe empatia, existe compaixão? Nem sempre, e isso pode ajudar a tornar alguém bem mais vulnerável”, finalizou.

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Não hesite em pedir ajuda

Caso você sofra de depressão ou possui algum entrave ligado à saúde mental, procure ajuda. Também o faça se você se sentir depreciado, com a autoestima baixa, desesperançoso com a vida e/ou se isolar das relações sociais. Não hesite em buscar auxílio ou atendimento com um profissional – por exemplo, no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de sua cidade ou região, ligado ao SUS, ou mesmo na Unidade Básica de Saúde mais próxima. Você também pode procurar o CVV, o Centro de Valorização da Vida. O canal realiza apoio emocional e prevenção ao suicídio. Através do número 188, atende gratuitamente pessoas que desejam conversar, sob total sigilo. O contato também pode ser feito pelo site oficial, por e-mail ou mesmo por Skype. Quando você pede ajuda, você: “é respeitado e levado a sério; tem o seu sofrimento levado em consideração; fala em privacidade com as pessoas sobre você mesmo e sua situação; é escutado; é encorajado a se recuperar”.

E se você conhece alguém em uma situação de risco, não deixe de procurar essa pessoa e de oferecer ajuda. Reconheça os sinais, conforme as indicações da Superinteressante e do Ministério da Saúde: “frases ou publicações nas redes sociais que falem de solidão, culpa, apatia, autodepreciação, desejo de vingança ou hostilidade fora do comum; isolamento, não atendendo a telefonemas, interagindo menos nas redes sociais, ficando em casa ou fechadas em seus quartos, reduzindo ou cancelando todas as atividades sociais, principalmente aquelas que costumavam e gostavam de fazer; preocupação com sua própria morte ou falta de esperança, com sentimento de culpa, falta de autoestima e visão negativa de sua vida e futuro; diminuição ou ausência de autocuidado; aumentar o uso de álcool ou drogas, mudanças drásticas de peso, dirigir perigosamente; perguntas sobre métodos letais, como facas, armas ou pílulas; enaltecer e glamorizar a morte; desfazer-se de objetos pessoais e dar adeus”.

Vale ressaltar que, embora não seja a maioria das pessoas doentes que cogita ceifar a própria vida, os transtornos mentais são um fator de risco ao suicídio. Em compensação, há sempre uma saída. O avanço da medicina ligada à saúde mental é significativo e a atenção dada pelo sistema público de saúde ao tema cresceu nos últimos anos.

Diante da possibilidade de ajuda, o Ministério da Saúde orienta “a encontrar um momento apropriado e um lugar calmo para falar sobre suicídio com essa pessoa. Deixe-a saber que você está lá para ouvir, ouça-a com a mente aberta e ofereça seu apoio. Incentive a pessoa a procurar ajuda de profissionais de serviços de saúde, de saúde mental, de emergência ou apoio em algum serviço público. Ofereça-se para acompanhá-la a um atendimento. Se você acha que essa pessoa está em perigo imediato, não a deixe sozinha. Procure ajuda de profissionais de serviços de saúde, de emergência e entre em contato com alguém de confiança, indicado pela própria pessoa. Fique em contato para acompanhar como a pessoa está passando e o que está fazendo”.

Segundo dados da OMS, “mais de 800 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano em todo o mundo, o que equivale a uma morte a cada 40 segundos, sendo que a cada três segundos uma pessoa atenta contra a própria vida. No Brasil, foram 11.821 suicídios oficialmente registrados em 2012, o que representa, em média, 32 mortes por dia. Estima-se que o número de suicídios seja maior do que o registrado, devido ao estigma. Milhões de pessoas são afetadas pelo luto ao suicídio a cada ano. Estudos indicam que cada caso de suicídio tem sério impacto na vida de pelo menos outras seis pessoas de forma direta. Sentimentos ambivalentes são comuns em relação ao ente querido que faleceu de suicídio, como luto, raiva, culpa e outros. É importante aceitá-los como naturais, conversar com familiares e amigos, além de buscar atendimento médico e/ou psicológico, se necessário”. Não deixe de se abrir, se você enfrenta o luto por suicídio.

* Este texto foi escrito seguindo orientações da Associação Brasileira de Psiquiatria e do Ministério da Saúde à imprensa, apoiado também em reportagem da BBC.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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