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UEC surge para ser um BRICS dos clubes europeus em oposição à poderosa ECA

União dos Clubes Europeus surge como rival da ECA, que representa os maiores clubes europeus, em uma tentativa de clubes médios e pequenos de serem ouvidos por Uefa, Fifa e União Europeia

Um novo movimento de clubes ganhou força e a voz de diversos clubes menores de ligas importantes ou grandes clubes de ligas menores. A União de Clubes Europeus, ou UEC (Union of European Clubs, do inglês, onde Union também é usado para designar sindicatos) surge como alternativa à Associação de Clubes Europeus, a ECA (European Clubs Association) e quer ser uma forma de clubes que não estão em competições europeias serem representados. A UEC foi lançada em evento nesta segunda, em Bruxelas, e a ideia é ser uma espécie de BRICS do futebol europeu, em oposição à ECA, que funciona como um G7 no continente.

BRICS é um acrônimo para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e foi um termo usado pelo economista Jim O’Neill, da Goldman Sachs, e cunhado por Roopa Purushothaman, então assistente de pesquisa do relatório “Building Better Global Economic BRICs” (Construindo BRICS Econômicos Globais Melhores”, em tradução livre). Foi criado como uma oposição ao G7, grupo dos países mais ricos, que têm representação para tratar de grandes questões entre si. Diversos países do mundo subdesenvolvido fazem parte do BRICS, que fazem parte do conceito de “Sul Global”, uma ideia econômica e geopolítica, e não geográfica. É uma união geopolítica e econômica para tentar fazer frente à força do G7.

No futebol, a situação é similar, ao menos do ponto de vista dos clubes e em um cenário muito menor, apenas na Europa, que é o principal mercado do futebol global. A Associação de Clubes Europeus, ECA, representa atualmente 220 clubes, incluindo todos os maiores clubes da Europa. A entidade tem força de negociação com organizações como a Uefa e a Fifa, a ponto de ter direito a indicar cadeiras na diretoria da Uefa, por exemplo. A entidade surgiu em 2008 como uma evolução do chamado G14, que reunia os maiores clubes europeus e existia desde 1998. Surge, portanto, do interesse dos grandes clubes. Por isso, clubes menores sentem que precisam de uma outra entidade que os represente.

“A UEC é uma iniciativa muito necessária para oferecer voz para ao menos 92% dos clubes profissionais de futebol que hoje não são ouvidos. A Europa tem mais de 1.500 clubes profissionais de futebol, a grande maioria sem uma plataforma internacional ou qualquer representação com as instituições chave, como a Uefa ou a União Europeia”, afirma o comunicado da UEC no seu lançamento.

“A União de Clubes Europeus preenche um enorme vazio e irá representar os interesses dos clubes que formam a fundação do futebol europeu. É crucial que clubes pequenos e médios ganhem voz. Nas últimas décadas, o futebol se tornou cada vez mais um jogo da elite e essa tendência tem que ser revertida, ou o jogo bonito irá sofrer danos irreparáveis”, afirmou o fundador do UEC, Dennis Gudasic, que é diretor-executivo do Zagreb Lokomotiva.

Superliga, ECA e um jogo fora dos gramados

A tentativa frustrada de criar a Superliga em 2021 deixou muitos clubes em alerta. A ECA se colocou contra, mesmo que, na época, o seu presidente, Andrea Agnelli, então presidente da ECA, fosse um dos grandes apoiadores da iniciativa. O dirigente se desligou do cargo, assim como Juventus, Barcelona e Real Madrid deixaram a ECA. O substituto de Agnelli na cadeira de presidente da ECA? Nasser Al-Khelaifi, presidente do PSG, um dos clubes que não aderiu à ideia de Superliga.

A ECA se tornou uma opositora da Superliga, até porque a maioria dos seus membros teria sido alijada da competição. O papel de Al-Khelaifi fez com que ele se aproximasse da Uefa e a ECA ganhou mais força, mais poder político, aumentando a sua representação na diretoria da entidade que dirige o futebol europeu. O dirigente catariano ganhou força política, algo que não foi bem visto por outras partes importantes do futebol.

Se, por um lado, a ECA foi importante na batalha contra a Superliga, ao mesmo tempo muitos clubes menores acham que ela também tem problemas, especialmente por representar o interesse dos mais ricos. Especialmente por ela ter como seu principal dirigente o presidente do PSG. Não por acaso, o presidente de La Liga, Javier Tebas, um contumaz crítico do PSG e dos clubes-Estado na Europa, foi articulador para que La Liga seja financiadora do almoço de lançamento da UEC.

Tebas articulou com as Ligas Europeias, uma associação que representa as ligas na Europa, como o nome diz, para fazer oposição à ECA e à ideia de Superliga. Sem os clubes, porém, a entidade não tem a mesma força. A ECA angaria os principais deles e o dirigente de La Liga viu na chance de muitos clubes insatisfeitos com a falta de espaço e representatividade na ECA uma forma de criar mais oposição.

A UEC teve a chance de apresentar a ao menos 40 clubes a sua plataforma, prometendo a eles uma voz igual em todas as decisões e uma chance de serem ouvidos pela Uefa e notados pelos clubes mais ricos. É do interesse de La Liga que a ECA tenha menor poder e mais clubes menores, como alguns que compõem La Liga e estiveram presentes na apresentação, possam também ser representados.

Esses clubes podem ser uma resistência importante a novas tentativas de um rompimento rumo à Superliga Europeia. Até porque essa ideia vem sendo gestada há décadas, ao menos desde os anos 1980, e é improvável que desapareça. Tanto que recentemente um executivo contratado pela Superliga revelou planos de uma competição europeia com 80 clubes, passando a ter acesso e descenso, não mais um clube fechado, como na ideia inicial.

Crystal Palace: “Qualquer aspiração é desprezada”

É o caso de Steve Parish, presidente do Crystal Palace, um clube da rica Premier League, mas que passa longe dos holofotes das competições europeias. Ele descreveu a ideia da Uefa de distribuir 30% do fundo total de premiação das suas competições de clubes para os participantes via um ranking baseado no desempenho histórico das últimas 10 temporadas “o verdadeiro garoto-propaganda da farsa da competição”.

Para Parish, os clubes devem se ver como “aspiracionais”, não pequenos, um rótulo que os grandes clubes usam para os colocar no que consideram ser o seu lugar. O dirigente disse que os grandes clubes só são grandes porque aconteceu de eles serem bem-sucedidos justo quando as competições de clubes europeias começaram a gerar imensas quantias de dinheiro, o que criou uma “permanência” no topo do jogo.

“Ainda vemos histórias bonitas no futebol. Vimos o Wrexham ser promovido de volta à Football League, financiado por algumas estrelas de Hollywood, mas se tornando parte da comunidade. Vimos o AZ Alkmaar e vimos o Union Saint-Gilloise competirem na Europa. Então vemos histórias bonitas o tempo todo, mas parece que há uma tentativa de esmagar essas histórias, que qualquer aspiração é desaprovada, desprezada”, afirmou Parish. “As pessoas se sentem tanto no direito de vitórias que não aceitam nenhum sistema que desafie o status quo – e é isso que temos de observar em toda Europa”.

O dirigente do Crystal Palace ainda falou sobre o fato de estarem na Premier League, uma liga que faz com que mesmo os clubes menores recebam muito dinheiro. “Todo mundo pensa que somos abençoados, mas o dinheiro é apenas relativo ao gasto das pessoas ao seu redor”, explicou o dirigente.

O executivo do Crystal Palace diz que as imensas receitas comerciais, apoio estatal e as receitas de competições europeias dos times do Big 7 (os seis maiores e mais o Newcastle, recentemente comprado pela Arábia Saudita) tornam quase impossível para clubes como o próprio Palace chegar a uma competição internacional, exceto, talvez, da Conference League, em uma temporada excepcional.

“Minha preocupação é que mais ligas serão dominadas por clubes que ganham direito da Uefa. Já vemos o Bayern na Alemanha e o PSG na França, mas está se espalhando”, afirmou Alex Muzio, presidente do Union Saint-Gilloise.

“Temos um clube na nossa liga (Club Brugge) que tem tido sucesso na Europa ano atrás de ano. E em termos de transferências e salários, eles são capazes de pagar em um patamar diferente de todos os outros. Se continuarmos deixando isso acontecer, será irreversível. Os clubes estão se tornando grandes demais para fracassarem”, continuou Muzio.

Shakhtar Donetsk: “Eles sempre apoiam apenas os grandes clubes”

Um dos clubes que apoiou a criação da UEC é o Shakhtar Donetsk, que teve o seu CEO Sergei Palkin discursando no lançamento. Outros clubes, como Crystal Palace, Aston Villa, Brentford, Brighton e Watford, da Inglaterra, também estiveram representados.

“Eu acredito que esta organização irá apoiar os clubes médicos e pequenos e os colocar juntos em uma mesa. Eu sinto que muita da atenção está nos 25 grandes clubes, quase todos eles são representados. Eles sempre apoiam apenas os grandes clubes e esse é o maior problema. Sem os clubes pequenos, não há futebol. Estaria completamente acabado”, afirmou Palkin, no evento realizado em Bruxelas.

Palkin dá um exemplo do que considera um processo decisório que excluiu o seu clube de uma questão crucial: a decisão de suspender os contratos de jogadores e técnicos em clubes ucranianos e russos após a invasão da Rússia na Ucrânia. O clube levou o caso à Comissão Europeia e à Corte Federal da Suíça, depois do seu recurso na Corte Arbitral do Esporte (CAS) contra a Fifa não teve sucesso.

“A ECA continua silenciosa para tudo que a Fifa faça. Quero que eles resolvam os problemas, não se escondam. Tenho medo desse memorando de entendimento (assinado entre ECA e Fifa). Se você nos pressionar a ficarmos calados para o que quer que a Fifa faça, não gosto da situação. Clubes médios e pequenos sentem que algo está errado. A ECA e a Fifa devem entender isso”, continua o CEO do Shakhtar Donetsk.

“Todo mundo deveria entender que algo está errado e reconhecer esta união. Estou dizendo que esta união será muito, muito maior que outras e, finalmente, mais influente, porque o dinheiro não é tudo na vida. Vemos grandes clubes querendo essa revolução apenas pelo propósito de dinheiro e não para criar algo bom para o esporte”, finaliza o dirigente.

Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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