Superliga barra sanções aos clubes que ainda abraçam o projeto e ataca a Uefa, mas também dá show de cinismo e nega seu fracasso inicial
Tribunal de Madri define que Uefa não pode punir 12 clubes da Superliga, mas essa vitória legal pouco significa ao sucesso da empreitada
O plano de uma Superliga Europeia esmigalhou-se, depois da ampla reação negativa e do posicionamento contrário de vários atores do futebol, mas não está morto. Ainda ocorre uma queda de braço nos bastidores, com os três clubes que ainda encapam publicamente a ideia batendo o pé contra a Uefa. Pois Barcelona, Juventus e Real Madrid tiveram uma vitória nesta sexta, ao menos no âmbito jurídico. Um tribunal de Madri avaliou que as sanções disciplinares estudadas pela Uefa contra as três agremiações são ilegais. Conforme a decisão, a entidade continental não deveria atuar com o “monopólio do futebol europeu” e, por isso, não pode punir iniciativas contrárias a isso. As multas aplicadas aos outros nove clubes fundadores da Superliga também foram suspensas.
A Uefa tinha aplicado uma multa de £7 milhões totais nos nove clubes fundadores da Superliga que abriram mão do projeto – uma sanção não mais que simbólica. Além disso, eles foram penalizados com 5% da premiação por suas participações nas copas europeias. Paralelamente, a confederação estudava punições mais duras aos três signatários que permaneciam fiéis à Superliga. Todavia, com os trâmites nos tribunais de Madri, a Uefa suspendeu a ação disciplinar contra Barcelona, Real Madrid e Juventus ainda em junho, antes mesmo da decisão desta sexta.
Vale lembrar que o tribunal de Madri é que vem dando certas garantias legais para a ideia da Superliga desde o lançamento do projeto. Oferece certo resguardo aos clubes, mas esta parece ser apenas uma maneira de driblar punições imediatas, quando a recusa à competição não parte somente da Uefa. Com o parecer favorável desta sexta, os três signatários evitam por ora as promessas de sanções severas da confederação europeia. De qualquer maneira, a discussão é preliminar, quando apenas a Corte Europeia de Justiça deve tomar uma posição definitiva sobre o caso. E, mesmo que neste âmbito a Superliga vença, isso não impede que outras entidades do futebol ou mesmo governamentais também encontrem mecanismos para barrar a competição de clubes poderosos.
“Barcelona, Juventus e Real Madrid dão boas-vindas à decisão do tribunal que impõe, com efeito imediato, a obrigação de que a Uefa anule as medidas tomadas contra todos os clubes fundadores da Superliga Europeia, incluindo o encerramento do processo disciplinar contra os três clubes signatários e a remoção das restrições impostas aos demais nove clubes fundadores. O tribunal apoia o pedido feito pelos promotores da Superliga, rejeita o recurso da Uefa e confirma a advertência à Uefa de que o não cumprimento da decisão pode resultar em multas e responsabilização criminal. O caso será analisado pela Corte Europeia de Justiça em Luxemburgo, que analisará a posição monopolística da Uefa sobre o futebol europeu”, relata a carta.
Indo além do factual, o comunicado publicado por Barça, Juve e Real segue com um tom cínico que atribui à Superliga um papel de “salvadora do futebol europeu”. O trio de ferro aproveitou o comunicado para atacar a Uefa, garantindo que a gestão da confederação “prejudica o futebol e seu equilíbrio competitivo” – o que não é todo falso, mas perde razão com a solução dada por eles. A intenção dos clubes, desde o princípio, é tomar o controle para si – sob o discurso de potencializar as receitas e distribuir recursos a outras equipes que ficarem de fora da supercompetição continental, o que não convenceu quase ninguém. A eles, a solução para o monopólio seria outro tipo de monopólio, afinal.
“Temos o dever de abordar questões muito claras que o futebol enfrenta: a Uefa se estabeleceu como única reguladora, operadora exclusiva e única dona dos direitos das competições europeias. Essa posição de monopólio, em conflito de interesse, está prejudicando o futebol e seu equilíbrio competitivo. Conforme mostrado em ampla evidência, os controles financeiros são inadequados e eles têm sido aplicados de maneira imprópria. Clubes participando das competições europeias têm o direito de gerir seus próprios torneios”, afirmam.
“Estamos satisfeitos por não estarmos mais sujeitos às constantes ameaças da Uefa. O nosso objetivo é continuar a desenvolver o projeto da Superliga de forma construtiva e cooperativa, contando sempre com todos os atores do futebol: torcedores, jogadores, técnicos, clubes, ligas, federações nacionais e internacionais. Estamos cientes de que há elementos de nossa proposta que devem ser revistos e, é claro, podem ser aprimorados por meio do diálogo e do consenso. Continuamos confiantes no sucesso de um projeto que estará sempre em conformidade com as leis da União Europeia”, finaliza o comunicado.
A carta não dá indícios de que os clubes largarão mão da ideia. Entretanto, as palavras sugerem muito mais um jogo de cena contra a Uefa do que uma viabilidade prática da Superliga. Não é apenas a confederação europeia, colocada como vilã, que nega o projeto: são exatamente todos os outros atores do futebol com os quais o trio de signatários tenta “dialogar” – sem sucesso, já que não houve qualquer diálogo no lançamento da Superliga. Ainda que os clubes escapem das punições e busquem seus caminhos legais, uma cisão em prol da nova liga parece longe de se concretizar exatamente pela repulsa que gera. Somente os três presidentes de Barça, Juve e Real parecem comprar tal papo.