Soou como demagogia, mas Uefa e associação de clubes refutaram a Superliga, reiterando sua cooperação
As revelações do Football Leaks mostraram quão frágeis são as relações da Uefa com os clubes mais poderosos da Europa. O Fifagate deixou um vácuo de poder também na Uefa e as potências passaram a buscar o protagonismo na negociação dos direitos. A Superliga nada mais é do que a representação dos gigantes tomando o papel que sempre esteve nas mãos das entidades nacionais e continentais. Além disso, os documentos também apontam como os dirigentes dos clubes foram costurando situações favoráveis dentro da própria confederação, com as mudanças recentes na Liga dos Campeões, enquanto tramavam nos bastidores o seu próprio campeonato. Nesta segunda, porém, duas vozes importantes vieram a público negar a Superliga. Em entrevista a Richard Conway, da BBC, Aleksander Ceferin (presidente da Uefa) e Andrea Agnelli (presidente da Associação Europeia de Clubes, além da Juventus) garantiram que tudo não passa de uma ficção e que ambas as partes visam fortalecer a Champions.
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“A Superliga não acontecerá. Agora ela é uma espécie de ficção ou um sonho”, declarou Ceferin. Ao que complementou Agnelli: “Posso confirmar que nunca vimos, nunca discutimos e nunca estivemos envolvidos na criação deste documento [apresentado pelo Football Leaks, firmando as bases da Superliga]. Estamos totalmente engajados com a Uefa em remodelar o futebol daqui para frente”. Ambos asseguraram que os planos atuais miram novas reformas nas competições continentais rumo a 2024. O calendário do futebol europeu pode até mesmo ser revisado, com mais jogos continentais e menos nas ligas nacionais.
“Temos algumas ideias. Tudo o que posso dizer é que qualquer Superliga está fora de questão. A participação permanece. E todos terão a oportunidade de competir em qualquer torneio continental. A nova competição que planejamos será o começo de um cenário europeu mais amplo. Clubes e federações apreciam a ideia”, apontou Ceferin, fazendo referência à terceira competência continental, que deve ser aprovada pela Uefa no início de dezembro, paralela à Champions e à Liga Europa.
Agnelli falou como porta-voz dos clubes secundários na Europa – embora o discurso soe como demagógico, diante do conteúdo do Football Leaks: “Será nosso dever salvaguardar as heranças do futebol europeu, mas, por outro lado, eu penso que estamos bem conscientes de que precisamos proteger os mercados, temos que pensar nos mercados futuros. Temos que pensar na Polônia, na Turquia, na Rússia. Os torcedores podem ter certeza de que, se colocarmos nossas mãos na produção de um novo futebol, será porque queremos assegurar que todos os fãs ao redor da Europa se envolvam com isso”.
Além disso, ambos também refutam a teoria de que as novas estruturas servirão apenas para beneficiar os clubes dominantes. “Infelizmente, muitas vezes o rico cada vez fica mais rico no mundo. Acho que somos uma das raras organizações que combatem esse problema. Sabemos que temos que diminuir a distância, porque provavelmente será difícil parar completamente. E não estou muito certo se queremos ter todos iguais sem intervenção. Acho que não seria a abordagem correta, porque se você está fazendo um bom trabalho, está se empenhando muito e tentando fazer algo, então precisa ser recompensado por isso. Mas não é justo dizer para cada um ‘conhecer seu lugar'. Você tem que competir, você tem que buscar os resultados para se qualificar à competição principal. Se você não tem resultados, seria um torneio estranho. Você precisa decidir isso em campo, é o único jeito”, afirma Ceferin.
“Estamos tentando encontrar uma solução juntos. As melhores fórmulas só podem vir através das competições internacionais e é por isso que estamos aumentando a participação. Aumentar a inclusão é a chave para todos nós. Agora, os jogos mais relevantes são os que reúnem as principais equipes. Se você olhar à final da Liga dos Campeões, ela supera o Super Bowl. Então, os espectadores destes jogos estão em uma escala global. Temos que aproveitar isso para ter certeza que possuiremos recursos ao redor da Europa, tentando garantir que todos os clubes, em todos os países, contem com uma plataforma internacional adequada”, complementa Ceferin.
No entanto, Agnelli ou Ceferin não especificaram quais as mudanças que as ligas nacionais sofrerão para que os torneios europeus ganhem espaço. Através da ECA, Agnelli cogita realocar até mesmo os jogos das seleções. “Evidentemente, se você quiser um reequilíbrio geral do futebol europeu, tudo que teria ir de mãos dadas para a redução dos jogos domésticos. Mas o mais importante é harmonizar. Na Inglaterra, um time pode jogar até 53 jogos, com as duas copas nacionais. Na Alemanha, o máximo é de 43 partidas. Isso é lógico? Há um sistema inteiro de anomalias que precisam ser consertadas. Isso poderia significar que em certas ligas, teremos que aumentar a quantidade de jogos. Não é apenas sobre resolver, mas sim fazer um jogo nivelado, o que é muito importante”.
O Fair Play Financeiro deve ser modificado
Outro assunto abordado foi o Fair Play Financeiro. Tanto Ceferin quanto Agnelli admitiram a importância do modelo de gestão financeira, que tenta controlar gastos exacerbados dos clubes. Todavia, há uma abertura para mudanças nisso. Conforme o presidente da Juventus, a ECA e a Uefa conversam desde 2015 sobre a criação do “FPF 2.0”, readequando os pontos atuais.
“Não quero falar sobre o Manchester City ou o PSG, mas as regras precisam ser fortes e claras para qualquer clube. Iremos agir conforme os registros, através dos regulamentos. Sabemos que precisamos nos modernizar. Sabemos que temos que verificar as regras o tempo todo. Sabemos que a situação no mercado do futebol está mudando o tempo todo. Então, isso também é parte do nosso pensamento para o futuro: temos que fazer algo para os regulamentos serem mais robustos? Sim”, disse Ceferin.
“É o começo do debate. Acaba sendo prematuro falar sobre isso, mas reconhecemos que as regras podem ser mais brandas em certos pontos. Também as leis em certos países estão mudando o tempo todo e adotando modelos modernos. Nossos órgãos independentes irão verificar as possíveis irregularidades denunciadas pelo Football Leaks. Mas também sabemos que precisamos manter nossa credibilidade. Ninguém se importa se isso aconteceu há quatro anos, quando os dirigentes eram diferentes. É uma questão de organização”, complementou o presidente da Uefa.
A carta de compromisso entregue à União Europeia
Nesta terça, Ceferin e Agnelli reiteraram o compromisso amplo de cooperação durante um encontro com Tibor Navracsics, responsável pela gestão do esporte na União Europeia. “Queremos mostrar que nossa visão sobre o futuro do futebol é, digamos, parecida. Não é completamente a mesma. Temos alguns desacordos de vez em quando, mas firmemente acreditamos no modelo de esportes europeu feito juntos. Achamos que o futebol europeu só pode avançar se permanecermos unidos. A Europa tem problemas de unidade nos dias atuais e o futebol, como um dos maiores poderes, precisa liderar essa união. Essa é a nossa opinião”, reiterou Ceferin.
Em Bruxelas, Agnelli e Ceferin assinaram uma carta de intenções referendada por Navracsics. “O dia de hoje representa um marco importante na relação entre ECA e Uefa. Com base no trabalho dos últimos anos, a assinatura da carta de intenções reconhece que os desafios futuros só podem ser encarados através de uma colaboração e de um engajamento construtivo entre as duas organizações. É nesse espírito que podemos assegurar que o futebol europeu continua se desenvolver e a prosperar nos próximos anos. Essa é a mensagem que trazemos a Bruxelas e entregamos à Comissão Europeia, que vemos como parceira na nossa missão”, proclamou Agnelli. Resta saber até quando continuarão acreditando nisso.