Rummenigge: “A Superliga mostrou que uma torcida crítica pode ser fundamental para o bem do futebol”
Em longa entrevista, Rummenigge falou sobre mudanças necessárias no futebol e os desdobramentos da Superliga
Karl-Heinz Rummenigge retornou ao Bayern de Munique em 1991, após pendurar as chuteiras. Convidado por Franz Beckenbauer, o antigo ídolo seria um dos vice-presidentes do clube. Ao longo de três décadas, o veterano teve um papel fundamental na definição dos rumos dos bávaros e, a partir de 2002, ocupou o posto de chefe-executivo. Uma posição na qual permaneceu até o final da última temporada, quando decidiu passar o bastão a Oliver Kahn e encerrar sua trajetória como dirigente na Allianz Arena.
Aos 65 anos, Rummenigge não se afastará totalmente do futebol. Em abril, o dirigente assumiu uma cadeira no Comitê Executivo da Uefa, como representante da Associação de Clubes Europeus (ECA). Sucedeu Andrea Agnelli e toma uma posição central na redefinição do futebol europeu, especialmente diante da criação da Superliga. O próprio Rummenigge tinha sido presidente da ECA entre 2008 e 2017.
Diante de todo esse histórico, Rummenigge deu uma interessante entrevista ao jornal espanhol As nesta semana. Falou sobre a transição no Bayern de Munique, mas também analisou o cenário do mercado europeu e os impactos da pandemia – que nem todos os clubes sentiram. Também apontou para mudanças necessárias e para as repercussões da Superliga. Abaixo, destacamos trechos principais, divididos por tópicos:
Sua despedida do Bayern
“Quando decidi dar um passo para trás, estava consciente do que isso significava. Tinha que estar disposto a largar a corda, por isso tirei férias maiores que o habitual. Antes, o Bayern era o primeiro que pensava ao acordar e também o último que pensava antes de me deitar. Não é fácil mudar esse tipo de hábitos, só é possível se estiver trabalhando para fechar um capítulo de verdade”
Seus sucessores no clube
“Deposito muitas esperanças em Oliver Kahn como diretor geral. Uli Hoeness e eu sempre perseguimos o objetivo de entregar um Bayern em plena saúde e assim é, apesar da crise causada pelo coronavírus. Ganhamos sete títulos em apenas 13 meses e, economicamente, conseguimos sair somente com um olho roxo das duas temporadas marcadas pelo vírus, como pôde se ver no último balanço anual sem déficit. É a base para seguirmos olhando com esperanças ao futuro”
O legado
“Meu maior feito é o mesmo que perseguem os dirigentes atuais: ter êxito em nível nacional e especialmente internacional, apesar do poderio econômico de alguns clubes com mais receitas televisivas, nas mãos de milionários ou de estados inteiros. Faz dez anos que já tivemos que enfrentar este tipo de desafios e sigo muito orgulhoso de que no Bayern não cometemos nenhum tipo de loucura neste sentido. Assim chegamos a três finais de Champions e ganhamos duas. O Bayern pode estar orgulhoso”
O peso da torcida na Alemanha
“A Bundesliga é a última liga que, graças ao modelo 50+1, permanece fechada a investidores que buscam comprar a maioria de um clube. Está nas mãos da Bundesliga decidir se quer manter este modelo no futuro. Sempre fui a favor de tomar decisões meditadas. Talvez na Alemanha se trate esse tema com mais precaução. Os torcedores alemães são mais críticos a respeito deste assunto que ingleses, italianos ou espanhóis, mas a Superliga mostrou que uma torcida crítica pode ser fundamental para o bem do futebol. É sabido que o Bayern se distanciou desde o princípio. Se fosse diferente, provavelmente teríamos que contratar guarda-costas diante da reação de nossa torcida. A torcida é chave para não cair na tentação de nadar contra a corrente”.
A abertura do futebol alemão
“Acho que, pelo menos na Alemanha, cada clube deveria poder decidir por si mesmo se quer abrir suas portas a investidores ou não. O St. Pauli, por exemplo, nunca faria. Mas talvez outros clubes sintam essa necessidade para poder voltar a olhar adiante. O PSG não era um clube competitivo a nível internacional antes da entrada do Catar e, agora, é favorito para ganhar a Champions. Creio que não é preciso fechar de antemão, mas analisar prós e contras. Traduzido para a Bundesliga, significa que temos que responder à seguinte questão: a Bundesliga, como competição, é suficiente ou queremos seguir vendo triunfar as equipes alemãs a nível internacional?”
As discrepâncias do mercado
“Todos somos testemunhas dos valores que, apesar da crise, investiram os ingleses e o PSG. O primordial deve ser a competição em igualdade de condições. Por isso, todo meu esforço como membro do Comitê Executivo da Uefa será destinado a preservar essa justiça desportiva. As cifras que foram movimentadas no recente mercado, especialmente no contexto da pandemia, são difíceis de entender. Está claro que, quando você tem tanto dinheiro para comprar o clube e não depende das receitas, atua com vantagem no mercado em relação aos demais”
A necessidade de corrigir o mercado
“O futebol vai mal encaminhado desde 1995, especificamente desde a sentença no caso Bosman. O fato de que jogadores podem se transferir livres ao final de seus contratos provocou uma série de aberrações em relação aos salários, comissões para empresários e valores de transferências. O futebol depende de Uefa e Fifa voltarem a organizar um mercado que cada vez está mais fora de controle. Isso sim estou convencido que a Uefa pode e deve fazer, ao encontrar ferramentas para garantir o mais importante neste esporte: uma competição saudável, em igualdade de condições”
A situação do PSG nesta janela
“Desconheço os números exatos do PSG em relação ao seu orçamento e massa salarial, mas suspeito que incrementaram. Nasser Al-Khelaifi, por sua vez, transpareceu que, agora, eles têm mais receitas. Está claro que a Uefa seguirá o assunto muito de perto, mas cabe recordar o seguinte: o balanço que conta no Fair Play Financeiro é o de junho de 2022, não o de agora. É o que dita o regulamento, com as mudanças da pandemia. Será então que se compararão os gastos e as receitas com exatidão, a esta altura da temporada só sabemos os gastos. Chegado o momento, a Uefa examinará os números e saberemos mais”.
As adaptações no FPF
“O Fair Play Financeiro deve ser adaptado. A forma de negociar e as finanças mudaram drasticamente nos últimos dez anos. Também espero que os políticos estejam dispostos a garantir apoio legal ao futebol, coisa que não ocorreu no passado”
A Superliga
“Existem três clubes que mantêm a Superliga com vida, ao menos em termos jurídicos. No esportivo, para mim, é difícil ver uma competição com três integrantes. Não sei por que os três seguem se agarrando a ela, já que ela está morta da maneira como estava organizada no início. Isso não digo eu, mas disseram os torcedores e o futebol em toda a Europa. A reação foi clara e provocou que nenhum clube na Inglaterra, França ou Alemanha volte a cair em tentação de brincar com fogo. Isso sem contar que foi um ato precipitado por parte dos fundadores. Estou convencido que quiseram antecipar a fundação para aliviar os efeitos da pandemia no curto prazo. Estamos falando de 250 e 350 milhões na mão para cada clube, o que seria a famosa gota d'água no oceano – porque, no longo prazo, esse dinheiro teria piorado ainda mais a situação econômica de mais de um”