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Mais um clube de John Textor, o tradicional RWD Molenbeek está de volta à elite do Campeonato Belga

O RWD Molenbeek está em uma nova encarnação, fundada em 2015, mas carrega a tradição de 12 títulos do Campeonato Belga

O Campeonato Belga recebe o investimento massivo de empresários nos últimos anos, o que permite a ascensão de clubes tradicionais que amargavam as divisões de acesso por longos períodos. Nesta temporada, quem comemora seu renascimento na elite é o RWD Molenbeek. O clube atual, fundado em 2015, é a reencarnação do antigo RWDM – que, mesmo falido, carregava a tarimba de 12 títulos do Campeonato Belga em seu passado. Os rubro-negros recomeçaram sua trajetória na quinta divisão e, neste final de semana, comemoraram o acesso à elite da liga nacional. Considerando a versão falida do Molenbeek, esta é a volta do time à primeira divisão após duas décadas. E com um nome conhecido nos bastidores: o dono da agremiação é ninguém menos que John Textor, responsável pela SAF do Botafogo, além de liderar os projetos de Crystal Palace e Lyon. Não à toa, vários jogadores do elenco são brasileiros.

O RWD Molenbeek carrega a tradição de diferentes clubes de Bruxelas. O mais antigo deles é o Royal Daring Club Molenbeek, segundo time mais velho da Bélgica. Os rubro-negros surgiram em 1895 e tiveram grande sucesso nos primórdios da liga nacional, com cinco títulos de 1911 e 1937. Outro time contemporâneo que também teve enorme sucesso foi o Racing de Bruxelas, que iniciou suas atividades também em 1895. Foram seis troféus do Campeonato Belga de 1897 a 1908. Já o White Star não teve a mesma bonança, mas era um figurante costumeiro na primeira divisão nacional a partir da década de 1920.

As fusões começaram em 1963. Primeiro, o Racing de Bruxelas se uniu ao White Star para dar origem ao Royal Racing White. Já em 1973, uma nova união aconteceu, com o Daring. Era oficialmente batizado o Royal White Daring Molenbeek – ou, resumidamente, o RWDM. O novo time pintou com força nas estruturas do Campeonato Belga, a ponto de conquistar o título nacional em 1975. Também participou com frequência das competições europeias no período, com o ápice na Copa da Uefa de 1976/77, em que eliminou Schalke 04 e Feyenoord, até a queda nas semifinais contra o Athletic Bilbao. Num momento em que os clubes belgas impunham respeito além das fronteiras, os rubro-negros mantinham a toada.

Porém, o RWD Molenbeek, que se fundira para atrair mais torcedores ao seu redor em Bruxelas, logo viu o tiro sair pela culatra. O time encontrou dificuldades para competir com o apelo do Anderlecht e entrou em crise na década de 1980. Seria rebaixado pela primeira vez e se tornou um ioiô entre as duas primeiras divisões, sem passar de campanhas no meio da tabela. Em 1998, o RWDM caiu na primeira divisão e ficou três anos na segundona até voltar. Porém, a temporada 2001/02 não seria apenas a última dos rubro-negros na elite, mas também a que marcou a falência da agremiação. O recomeço seria duríssimo.

De início, o antigo Strombeek foi renomeado como RWDM Bruxelas na segunda divisão. A equipe conhecida como FC Bruxelas alcançou a primeira divisão em 2004/05 e disputou quatro temporadas na elite, até o rebaixamento em 2007/08. Com novas dificuldades financeiras, encerrou suas atividades na segundona em 2014. Paralelamente, também havia um novo clube renomeado como RWD Molenbeek nas divisões regionais do Campeonato Belga, a partir da iniciativa de torcedores que não aceitavam aquele FC Bruxelas. Não deu frutos além da quinta divisão e logo despencaria. O salto de verdade aconteceria a partir de 2015, quando um grupo de empresários locais comprou outra equipe na quinta divisão, o Standaard Wetteren, e a rebatizou como RWDM 47. Foi a tentativa mais recente de resgatar a tradição dos rubro-negros, e a mais bem sucedida.

O atual RWD Molenbeek ainda teve dificuldades para convencer os antigos torcedores e mesmo para conseguir um estádio, num projeto encabeçado por Thierry Dailly – que continua como presidente. O sucesso esportivo gradativo aumentou a relevância do clube. Os rubro-negros conquistaram o acesso na quinta divisão em 2017 e depois na quarta divisão em 2018. Na terceirona, o RWDM precisou de apenas duas tentativas para subir, com o sucesso em 2020. Já na segundona, a promoção aconteceu na terceira temporada do time na divisão. O Molenbeek vinha da sexta colocação em 2021, antes de ser vice em 2022, com a derrota para o Westerlo na final. Então, o final seria diferente em 2023.

A chegada de John Textor ao RWD Molenbeek aconteceu em 2022, no mesmo momento em que o empresário iniciava sua relação com o Botafogo. E o intercâmbio se tornou claro para os belgas na temporada 2022/23. Nada menos que dez jogadores botafoguenses se mudaram à Bélgica. Crystal Palace e Lyon, outros times de Textor, também cederam atletas para o RWDM. Com um elenco muito mais turbinado, os rubro-negros vinham mais fortes para brigar pelo acesso. E isso porque a torcida tinha se despedido de Igor de Camargo, nome tarimbado do futebol local que se aposentou no clube ao final da última campanha.

O RWD Molenbeek sobrou na caminhada pelo acesso na segundona do Campeonato Belga 2022/23. Os rubro-negros terminaram a temporada regular na primeira colocação, com 46 pontos. Já no hexagonal final, em que apenas o líder subiria diretamente, o desempenho se manteve alto. O time chegou aos 69 pontos, com sete vitórias e só uma derrota em dez rodadas. Por mais que o Beveren tenha perseguido de perto, o rendimento excelente do RWDM valeu a promoção na última rodada. A vitória por 1 a 0 sobre a filial do Anderlecht valeu a promoção.

Vários brasileiros participaram com destaque na campanha do RWD Molenbeek. O meio-campista Luís Oyama foi o mais ativo na campanha dos rubro-negros. Também fizeram parte da base principal os meio-campistas Barreto e Camilo. Vinícius Lopes e Rikelmi eram coadjuvantes. Exceção feita a Camilo, cedido pelo Lyon, todos os outros vieram do Botafogo. Já entre os emprestados pelo Crystal Palace, Jake O'Brien e Luke Plange deram um impulso a mais ao RWDM. O nome mais conhecido do plantel é o ponta Kylian Hazard, irmão mais novo de Eden e Thorgan. Foi um dos mais decisivos do plantel, ao lado do artilheiro Mickaël Biron, do armador Youssef Challouk e do goleiro Théo Defourny. Um caldeirão culminou no sucesso do time.

O RWD Molenbeek possui como um diferencial sua tradição em revelar talentos. Nomes como Franky van der Elst, Wesley Sonck, Adnan Januzaj e Michy Batshuayi passaram pelas finadas versões dos rubro-negros. Além disso, o RWDM pode auxiliar uma mudança de imagem em Molenbeek. A municipalidade de Bruxelas esteve bastante associada ao fundamentalismo religioso nos últimos anos, com diferentes ataques terroristas realizados na Europa por membros da comunidade muçulmana local. O futebol pode ressignificar esta visão, além de também gerar oportunidades à população.

O Campeonato Belga, nesta temporada, tem seu título disputado por outros dois clubes tradicionais de ressurgimento recente: o Royal Antuérpia e a Union St. Gilloise. A USG é inclusive rival histórica do antigo Daring Club, com animosidades sustentadas também contra o Anderlecht. Pelos exemplos vizinhos, o RWD Molenbeek possui suas condições de almejar um lugar de destaque na elite nacional. A transição à primeira divisão depois de tanto tempo, ainda assim, será um desafio. E um dos pontos de apoio para os rubro-negros é o investimento em jovens brasileiros. Ao que tudo indica, o RWDM servirá para escoar talentos do Botafogo e oferecer uma porta de entrada a vários garotos no futebol europeu.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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