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Joselu vive sua melhor idade aos 33: o novo talismã da Espanha e, quem sabe, o velho prodígio de volta a Madri

Joselu agarra com todas as forças as primeiras oportunidades na seleção espanhola, mesmo já veterano, e sai do banco para, em quatro minutos, anotar o gol que vale a final da Nations

Aos 33 anos, muitos jogadores olham para o horizonte de suas carreiras e veem o final próximo. Alguns felizardos, no entanto, aproveitam sucessos tardios para vislumbrar recomeços. A evolução da medicina e da preparação física permite que trintões retardatários desfrutem de seu ápice mesmo quando a idade sugeriria queda. E mais especial ainda é a explosão de um centroavante que se torna estreante na seleção às vésperas de completar 33 primaveras, e que vai além, ao se tornar decisivo pelo país quando muita gente já não imaginava mais sua afirmação. Joselu teve que rodar por muitos clubes e, a bem da verdade, nunca brigou realmente na parte de cima das tabelas. Entretanto, entre a escassez de donos da posição e a melhor fase da carreira, conseguiu cavar seu lugar na Espanha. Já tinha ido muito bem em sua primeira partida, em março. Nesta quinta-feira, tornou-se o responsável pelo gol da vitória que coloca a Roja na decisão da Liga das Nações. Apenas quatro minutos bastaram para definir os 2 a 1 sobre a Itália aos 43 do segundo tempo.

Tudo parece se encaixar a Joselu neste momento, afinal. O centroavante de 33 anos teve sua temporada mais artilheira em La Liga e virou aposta frequente de Luis de la Fuente na seleção da Espanha. Seus gols ainda não foram suficientes para evitar o rebaixamento do Espanyol, num drama similar ao que tinha vivido nos tempos de Alavés. Contudo, garantiram suas primeiras oportunidades na Roja e tendem a oferecer um salto imenso em suas perspectivas dentro de La Liga. Segundo a imprensa espanhola, Joselu está nos trâmites finais de uma transferência para o Real Madrid. Viria para ser o centroavante reserva, na lacuna deixada por Mariano Díaz, mas não se nega que é uma baita oferta por tudo o que atravessou na carreira. E também um reencontro com seu passado.

Nascido em Stuttgart, numa família de origem espanhola, Joselu se mudou ainda na infância para a Galícia. Seus primeiros passos no futebol de alto nível aconteceram no Celta de Vigo, com sete anos de clube. Não apenas atuou nas categorias de base, como passou uma temporada com o time B e fez aparições esporádicas na primeira equipe. O centroavante parecia um ótimo prospecto, tanto que frequentou as seleções de base da Espanha. E se transferiu ao Real Madrid ainda em 2009, contratado por €1,5 milhão. O jovem permaneceu mais um ano com o Celta, até se juntar ao Real Madrid Castilla a partir de 2010.

Era um início de carreira promissor para Joselu na capital. O centroavante mantinha ótimos números na terceira divisão do Campeonato Espanhol e auxiliou o Castilla a conquistar o acesso para a segundona em 2011/12. Fazia parte de uma geração que ainda incluía Nacho Fernández, Dani Carvajal, Lucas Vázquez, Pablo Sarabia, Jesé Rodríguez e Denis Cheryshev. Joselu formou uma prolífica parceria com Álvaro Morata na linha de frente e até fechou a temporada do acesso com bem mais gols que o companheiro. Entretanto, só um deles permaneceria no clube. Joselu saiu em 2012, diante de uma generosa oferta de €6 milhões do Hoffenheim. Havia disputado só duas partidas pela equipe principal – e marcou dois gols, contra o Almería em La Liga e contra a Ponferradina na Copa do Rei.

Não era que Joselu pudesse reclamar da falta de consideração do Real Madrid. O atacante de 22 anos fez por merecer o investimento do Hoffenheim, um clube de ótimo trabalho com jovens promessas naquele momento. Publicamente, ele até agradecia as experiências que vivenciou em Valdebebas, ao treinar sob as ordens de José Mourinho e ao lado de craques como Cristiano Ronaldo. Entretanto, enquanto Morata passou a ganhar chances com os merengues a partir de 2012/13, Joselu não deu certo em Sinsheim. Anotou apenas cinco gols em sua temporada pelo Hoffe, emprestado logo depois ao Eintracht Frankfurt.

A partir de então, Joselu se estabeleceu como um atacante mediano da Bundesliga. Não fazia nada o suficiente para abalizar a badalação dos tempos de Castilla e muito menos para sonhar com a seleção da Espanha. Foram nove gols com o Frankfurt na Bundesliga 2013/14, depois mais oito com o Hannover em 2014/15. Ainda tinha um potencial que fez o Stoke City comprá-lo por €8 milhões, mas para entregar só quatro gols na Premier League 2015/16. Nem mesmo a volta para casa deu certo, com cinco gols pelo Deportivo de La Coruña em La Liga 2016/17. Seria um dos tantos negócios de Mike Ashley que não vingaram no Newcastle, com duas temporadas nas quais não superou os seis gols somados.

Joselu era um atacante para equipes da metade inferior da tabela nas grandes ligas. E era isso que o Alavés indicou ao pagar €2,2 milhões pela compra do centroavante de 29 anos em 2019/20, enquanto se mantinha na elite de La Liga. Foi neste momento que a carreira do galego teve uma guinada. A experiência, afinal, é muito importante para que um goleador conheça os atalhos do campo. Joselu descobriu uma fome de gols que não se via desde o Castilla. Passou a liderar a permanência dos bascos na primeira divisão, como um dos melhores atacantes dos pequenos do Campeonato Espanhol. Foram 11 gols em 2019/20 e mais 11 gols em 2020/21. Elevou seus números para 14 tentos em 2022/23, numa campanha em que tentou carregar os alviazuis na unha, mas nem a boa fase impediu o rebaixamento.

Embora ídolo do Alavés, Joselu mostrava agora que não era atacante para a segunda divisão. E o Espanyol aproveitaria a oportunidade de mercado para levá-lo. O desempenho dos Pericos saiu abaixo da encomenda, com mais uma campanha na rabeira da tabela e o inescapável rebaixamento. De novo, Joselu saía ileso das críticas por oferecer justamente um respiro aos catalães ao longo da campanha. Anotou 16 gols, inclusive contra os principais adversários. Balançou as redes do Barcelona e do Real Madrid nos dois turnos, também do Atlético no segundo. Se a salvação não aconteceu, a convocação era um fato inédito para o veterano, em março.

A Espanha não conta com sua geração mais qualificada. Desde os tempos de Luis Enrique, muita gente passou pelo ataque da Roja sem se firmar. Nomes como Gerard Moreno, Borja Iglesias e Iago Aspas brilham por seus clubes, mas não que tenham sido extraordinários em suas convocações. Não à toa, Morata permanece como nome constante e também liderança nos vestiários, independentemente das desconfianças sobre o seu futebol. Entre as apostas possíveis, era justo garantir pelo menos que Joselu fosse observado. Reencontrou-se com vários companheiros de Castilla. Agarrou a oportunidade.

A estreia de Joselu pela seleção da Espanha não poderia ser mais iluminada. O centroavante saiu do banco no jogo contra a Noruega, na abertura das eliminatórias da Eurocopa. Os espanhóis até venciam, mas com dificuldades. Após suplantar Morata, Joselu precisou de três minutos para aumentar a contagem numa cabeçada e mais quatro para fazer de canhota o tento que fechou o placar em 3 a 0. Até foi titular no jogo seguinte, contra a Escócia, sem escapar da derrota por 2 a 0 no Hampden Park. Mas merecia mais uma chance, por aquilo que foi o começo estrondoso.

Joselu se manteve no elenco para o Final Four da Liga das Nações. Morata foi o titular na semifinal contra a Itália e não achou o caminho das redes. Tentou bastante, parou em Gianluigi Donnarumma e desperdiçou uma chance inacreditável no giro com a meta aberta. Foram sete finalizações, sem ser capaz de mudar a história da partida. Joselu começou no banco e substituiu o titular aos 39 do segundo tempo. De novo, poucos minutos bastaram. Foram somente quatro, para estar no lugar certo e na hora certa para marcar. Rodri chutou e a bola ricocheteou duas vezes. O centroavante não apresentou mais do que oportunismo, mas foi capaz do desvio que garantiu a vitória por 2 a 1 e colocou os espanhóis na decisão. Joselu era o herói, de novo.

Mesmo com esses três gols em três partidas, Joselu é mais talismã da Espanha do que uma certeza para a sequência do ciclo. Ainda assim, não deixa de ser muito para quem passou grande parte de sua carreira sem se firmar em clube algum, até a chegada ao Alavés. Se permitirem, ele seguirá surpreendendo. Terá uma final de Liga das Nações para sublinhar sua capacidade goleadora, num título que pode até dar tranquilidade à seleção depois das turbulências recentes. E que, no fim das contas, pode fazê-lo chegar ainda mais respaldado ao Real Madrid. Tem uma ponta de sua história no Bernabéu que Joselu precisa reatar. Não vai ser o substituto de Karim Benzema, mas pode ser muito mais útil que Mariano Díaz e os outros centroavantes que passaram pelos merengues recentemente. E, caso sobre alguma brechinha, ele permanece iluminado para mudar sua história.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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