Europa

Florentino Pérez joga a Superliga nas costas da pandemia e acha que está salvando o futebol

O presidente da Superliga deu entrevista à televisão espanhola sobre os planos para o futuro

A criação da Superliga é necessária para cobrir os prejuízos causados pela pandemia e para salvar o futebol como um todo, afirmou Florentino Pérez nessa segunda-feira, presidente do Real Madrid e da nova entidade que foi anunciada no último domingo.

Em entrevista ao programa El Chiringuito, Pérez justificou a decisão de seguir em frente com um dos projetos mais megalomaníacos que o futebol já viu dando muito peso aos desafios financeiros que os clubes enfrentam por estarem há mais de um ano com receitas comprometidas pelas restrições da pandemia.

Segundo o dirigente, os rombos financeiros são tão enormes que a Superliga é necessária para salvar o futebol, embora esse déficit de receitas seja fruto de um momento extraordinário. Além disso, a ideia de um grupinho fechado e exclusivo, sem mobilidade relevante, concentrando as receitas do futebol, é mais antiga do que a Covid-19, que, por outro lado, pode mesmo ter sido um fator acelerador a um projeto que vinha sendo gestado.

Tanto que a intenção é começar o mais cedo possível, mas, se não dar tempo de acertar tudo para a próxima temporada, talvez adiar para a seguinte. Ele também falou que o projeto prevê um teto salarial de 55% das receitas para os integrantes da Superliga.

“Quando você não tem mais receita além da televisão, você diz que a solução é fazer jogos com mais atratividade, que os torcedores de todo o mundo podem ver, com todos os grandes clubes, e chegamos à conclusão de que, se em vez de fazer uma Champions League fizéssemos uma Superliga, poderíamos aliviar o que perdemos”, afirmou.

Em instantes, Pérez detalhará os prejuízos dos clubes, mas fica o registro que é sempre impressionante como a resposta para eles nunca é gastar menos, sempre arrecadar mais. “Os clubes importantes de Inglaterra, Itália e Espanha tem que encontrar uma solução a uma situação muito ruim pela qual o futebol está passando”, disse. “Perdemos € 5 bilhões. Ano passado, tínhamos um orçamento de € 800 milhões e terminamos em € 700 milhões. Este ano, em vez de € 900 milhões, vamos arrecadar € 600 milhões. Em duas temporadas, são € 400 milhões a menos, apenas no Real Madrid. Estamos passando por uma situação muito ruim”.

Pérez acredita que o futebol (o europeu, claro, ele fala do futebol dele e de mais nenhum outro) precisa de salvação e que o projeto que encabeça é para assegurar tranquilidade durante os próximos 20 anos. Fica irritado com críticas que dizem que a Superliga está sendo criada para deixar os clubes ricos mais ricos e os pobres mais pobres e bate muito na tecla dos mecanismos de solidariedade que, segundo o comunicado de domingo, serão três vezes maiores do que os que as competições europeias pagam no momento.

O que não muda em nada o cenário se 15 clubes passarem a arrecadar três vezes mais também: “Não é uma liga para os ricos, é uma liga para salvar o futebol. Vamos explicar essa competição que quer salvar o futebol e salvar os times mais modestos, porque o futebol desaparecerá”, disse.

É comovente a preocupação de Pérez com os times mais modestos porque, ao ser questionado sobre os que ficaram fora da Superliga, sua resposta foi: que façam uma segunda liga. E ao mesmo tempo, tentou vender que o novo campeonato não é um clube fechado porque permitirá a entrada de cinco clubes – 25% do total – por méritos esportivos. Ainda não soube detalhar quais.

As duas ausências mais sentidas entre os 12 fundadores são as de Bayern de Munique e Paris Saint-Germain. Pérez afirmou que nenhum dos dois foi convidado por enquanto e que clubes como Roma e Napoli poderão participar por méritos “um ano ou outro” porque não é possível haver meritocracia para 50 (clubes). São os 15 fixos, segundo ele, muito honesto em admitir que meritocracia é ruim para os negócios, que dão dinheiro jogando todas as semanas.

“Está aberto. Acreditamos nos méritos de todos os times. Há muitos times que tem que jogar, que façam uma segunda liga”, afirmou. “O que acontecerá com os espanhóis que não estão na Superliga? Que fiquem e vamos ver o que ganham. A Champions? Claro que tem que continuar ou fazer uma segunda liga ou algo assim. Há países que querem se unir, o Benelux, a liga escandinava… os clubes querem mudar porque na situação (atual) estamos mortos”.

A situação atual, sendo justo, vai além dos problemas financeiros momentâneos da pandemia. Há o desafio de engajar e atrair os consumidores mais jovens, com hábitos diferentes de consumo de entretenimento. “O futebol tem que evoluir, como as empresas, as pessoas, as mentalidades. As redes mudaram a forma de nos comportarmos e o futebol tem que mudar para se adaptar aos tempos em que vivemos. O futebol vinha perdendo interesse, nota-se que as audiências vão baixando e os direitos (de TV) diminuindo e algo precisa ser feito. Estamos todos arruinados. O futebol é global e esses 12 times e alguns outros têm torcedores no mundo todo”, afirmou.

“A televisão tem que mudar para que possamos nos adaptar. Os jovens não tem mais interesse pelo futebol. Por que não? Porque há muitos jogos de baixa qualidade e não os interessa, há outras plataformas para se distraírem. Um Barcelona-Manchester (não falou qual) é mais divertido do que um Manchester contra uma equipe mais modesta da Champions. Temos torcedores no mundo inteiro. É o que dá dinheiro. Outras competições não dão dinheiro”, completou, antes de tentar nos fazer acreditar que o dinheiro que eles arrecadarão com a Superliga não é para eles, mas para todos. “Isso é uma pirâmide. Se os de cima tem dinheiro… mas se não têm o dinheiro, ele não existe. Sempre que há uma mudança, há pessoas que se opõem”.

Dobrando o cinismo, Pérez disse que não entende por que entidades como Uefa e Fifa estão zangadas com a criação da Superliga, ao ponto de terem ameaçado banir os clubes de competições domésticas, europeias e inclusive mundiais, como a Copa do Mundo – embora a entidade de Gianni Infantino tenha amenizado um pouco o tom em seu último comunicado ao público no domingo.

A Superliga sempre foi uma carta na manga dos grandes clubes nas negociações com a Uefa e parece que o novo formato da Champions League, oficializado nesta segunda-feira, ficou longe de agradá-los. “A Uefa trabalhava em um outro formato que, primeiro, eu não entendi, e não produz as receitas necessárias para salvar o futebol. Eles apresentaram um formato que ninguém entende e dizem que vão começar em 2024, mas em 2024 estaremos mortos. Há clubes que perderam centenas de milhões”, disse.

Pérez não segurou o braço ao bater na Uefa. Pediu mais transparência porque ele sabe o salário do LeBron James, astro do basquete norte-americano, mas não sabe o de Aleksandr Ceferin, presidente da entidade europeia. Também tentou tranquilizar os jogadores diante das ameaças da Uefa e da Fifa de proibi-los de disputar as outras competições. “Eles podem ficar tranquilos, isso não vai acontecer. Mas os que administram os monopólios, a Uefa, precisam ser transparentes. A Uefa não tem uma boa imagem. Não quero mencionar coisas do passado, mas ela tem que dialogar e não ameaçar. A Uefa não tem sido transparente e isso acabou. Os monopólios acabaram e todos dizemos que o futebol está a ponto da ruína. Não vão nos tirar da Champions (desta temporada porque das outras eles próprios se tiraram), com certeza. Nem de La Liga, nada, nada”, disse.

Ao contrário, diante das ameaças da Uefa, Pérez gritou seis ao ser questionado se os clubes da Superliga liberariam os jogadores para as seleções nacionais. “Muita coisa tem que mudar. Há jogos demais, há jogos de seleção que as pessoas não sabem nem como são ganhos. Jogar com jogadores dos clubes não faz muito sentido. Tem que mudar”, avisou.

A Superliga prevê pelo menos 18 partidas a cada um dos seus integrantes, em um calendário que já está perto do limite (para os padrões europeus, ainda faltaria uns dez jogos para chegar aos padrões brasileiros). Não é absurdo imaginar que as ligas nacionais ficarão muito mais em segundo plano do que atualmente, mas Pérez descartou usar times diferentes nas duas competições.

“Se fizermos isso, valeria menos. O que queremos é que o que façamos valha mais”, justificou. “Quando isso saiu, não sei por que, alguém disse que vamos acabar com as ligas (nacionais) e ninguém com bom senso quer acabar com elas. Vão acabar com a Premier League na Inglaterra? Não sei por que dizer que é uma liga fechada. Quem diz isso não deve ser muito nobre porque o futebol tem que ser de todos”.

Sim, Pérez. De todos.

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Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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