Eurocopa 2024

O duelo pelas Eliminatórias da Eurocopa que redefiniu a trajetória de Alemanha e Inglaterra

Em 1972, o embate em Wembley marcaria a ascensão dos alemães e a estagnação dos ingleses

Alemanha e Inglaterra, que decidem uma vaga nas quartas de final da Eurocopa de 2020 nesta terça-feira em Wembley, já se enfrentaram duas vezes pela fase final da competição. Mas foi um confronto pelas Eliminatórias do torneio europeu de seleções há quase meio século que impactou de maneira mais decisiva as trajetórias dos Three Lions e do Nationalelf dali por diante: a vitória por 3 a 1 dos então alemães ocidentais, no mesmo tradicional palco londrino, pelo jogo de ida das quartas de final da edição de 1972.

Para contar a história daquela partida é necessário relembrar personagens e os caminhos das duas seleções até chegarem àquela partida. A começar por Alf Ramsey, técnico da Inglaterra e figura mais simbólica da inversão de polaridades ocasionada por aquele jogo. Ex-lateral-direito de Southampton, Tottenham e seleção inglesa (esteve na Copa de 1950, no Brasil) que levou um surpreendente Ipswich ao título da liga na estreia do clube na elite, ele seria alçado ao comando dos Three Lions a partir de outubro de 1962.

Ramsey aceitou o cargo, mas impôs suas condições: a principal delas era o controle total sobre convocações e escalações, algo que, até então, ficava nas mãos de uma comissão formada pela Football Association. Seu antecessor no posto, Walter Winterbottom, tinha como atribuição apenas treinar a equipe. O reinado de Ramsey começou com a queda com goleada de 5 a 2 para a França nas Eliminatórias da Eurocopa de 1964. Mas a derrota serviria para a reconstrução total da equipe, inclusive do ponto de vista tático.

Insatisfeito menos com a safra de ponteiros direitos e esquerdos à disposição do que com uma certa vulnerabilidade que a utilização de pontas autênticos conferia ao poder de marcação da equipe, Ramsey aos poucos foi excluindo os jogadores daquela posição, preenchendo as vagas com meio-campistas. Até chegar enfim ao esquema 4-4-2 (ou 4-1-3-2, como preferem alguns analistas) com o meio-campo em formato de losango (ou “diamante”) que empregaria na campanha vitoriosa da Copa do Mundo de 1966.

Aquela Inglaterra tinha um grande goleiro (Gordon Banks); uma dupla de zaga que combinava o duro Jack Charlton e o clássico Bobby Moore; dois laterais discretos e eficientes (George Cohen e Ray Wilson); um volante um tanto ríspido, mas incansável (Nobby Stiles); dois meias-armadores dinâmicos, um de cada lado (Alan Ball à direita e Martin Peters à esquerda); um ponta-de-lança de ótima técnica e visão de jogo (Bobby Charlton); e uma dupla de frente de boa movimentação e presença de área (Roger Hunt e Geoff Hurst).

Alf Ramsey coordena o treino em 1966

Havia talento. Mas antes de tudo havia o esquema tático. Em toda a sua carreira à frente da seleção Ramsey só procurou atletas que se encaixassem em sua concepção de jogo. O resto não lhe interessava. E ele havia chegado ao English Team num momento em que o talento começava a ser visto com desconfiança no ambiente futebolístico do país, comparado de modo desfavorável a valores como força física e espírito de luta – ideias estas que marcariam a maneira inglesa de se enxergar o próprio jogo pelo resto dos tempos.

A conquista de 1966 pendeu a razão para o lado do pragmático Ramsey. E nem mesmo o fato de terminar apenas com a terceira colocação no próximo grande torneio, a Eurocopa de 1968, disputada na Itália, diminuiu a reputação do treinador. Pelo contrário: com as novas levas de talento que surgiam em meio a um período vitorioso dos clubes do país em âmbito continental, a sensação era a de que a Inglaterra chegava ao Mundial de 1970 ainda mais forte do que (ou, no mínimo, tão forte quanto) quatro anos antes.

Na virada da década, alguns clubes viviam seu auge histórico no século e levantavam títulos no continente. Era fácil levar um elenco mais qualificado podendo pescar jogadores, por exemplo, no Everton de Harry Catterick (campeão inglês com folga em 1970), no Leeds de Don Revie, no Manchester City da dupla Joe Mercer-Malcolm Allison, no Liverpool de Bill Shankly, no Tottenham de Bill Nicholson, no Chelsea de Dave Sexton ou até num Manchester United já sem Matt Busby e na descendente, mas ainda com bons valores.

Assim, a equipe-base que foi ao México mantinha os destaques: Gordon Banks seguia no gol, Bobby Moore era soberano na zaga, o trio de meias ofensivos (Alan Ball, Bobby Charlton e Martin Peters) também ficava, assim como Geoff Hurst no ataque. Mas, em tese, nas demais posições houve mudança para melhor, no sentido de entrarem jogadores mais técnicos, ou mais versáteis ou até mais naturalmente aptos a exercerem uma dada função. Além disso, havia bons reservas – e que enfim poderiam ser usados durante os jogos.

O Brasil x Inglaterra de 1970

Embora George Cohen e Ray Wilson apoiassem com frequência no espaço aberto pelos falsos pontas de 1966, quatro anos depois tanto Keith Newton (ou Tommy Wright) quanto Terry Cooper já tinham noção bem maior do papel de um ala. Além disso, os “homens duros” de 1966 – Jack Charlton e Nobby Stiles – haviam cedido o lugar entre os titulares a jogadores com mais recursos (respectivamente, Brian Labone e Alan Mullery). E Francis Lee, atacante esperto, impetuoso e catimbeiro, ganhava o lugar de Roger Hunt. 

Mesmo entre os novatos, ainda havia reservas de nível, como Colin Bell, Jeff Astle, Peter Osgood e Allan Clarke, todos vivendo bom momento em seus clubes. No México, a seleção bateu um duro time da Romênia na estreia com um bonito gol de Geoff Hurst. Perdeu para o Brasil também por um gol num dos melhores e mais disputados jogos daquele Mundial, em que qualquer um dos times poderia ter vencido, tamanho o equilíbrio. E terminou a primeira fase derrotando a Tchecoslováquia com gol de pênalti de Allan Clarke.

Nas quartas de final em León, a Inglaterra teria novamente pela frente a Alemanha Ocidental, adversária batida na decisão do Mundial anterior. Mesmo sem contar com a segurança de Gordon Banks no gol, ausente por uma séria intoxicação alimentar e substituído por Peter Bonetti, do Chelsea, os ingleses saíram vencendo por 2 a 0, com gols de Alan Mullery e Martin Peters, placar que se manteve até os 22 minutos da etapa final. O que se seguiu, porém, é algo que até hoje provoca questionamentos entre os ingleses. 

Franz Beckenbauer marcou e diminuiu para os alemães. Ato contínuo, Ramsey sacou Bobby Charlton para entrar Colin Bell. E justamente quando fazia a segunda troca (Martin Peters deu lugar ao zagueiro Norman Hunter), os germânicos empataram aos 36 minutos num gol esdrúxulo, na cabeçada de um Uwe Seeler de costas para o gol. Acuada pela reação do adversário e pela própria formação agora defensiva, a Inglaterra sofreu a virada no segundo tempo da prorrogação com gol de Gerd Müller e foi eliminada.

A derrota em León é tão traumática para os ingleses quanto, por exemplo, o Maracanazo de 1950 ou o Sarriá de 1982 para os brasileiros. Chegou a ter desdobramentos na política nacional, sendo considerada um dos fatores que pesaram para que o trabalhista Harold Wilson (então há seis anos como chefe de Governo e símbolo de uma era no país) perdesse a disputa nas urnas para o conservador Edward “Ted” Heath nas eleições de 18 de junho de 1970, quatro dias após a partida contra os alemães ocidentais.

A ausência de Banks, ainda que Bonetti não tenha falhado nos gols, foi muito sentida: “De todos os jogadores que eu poderia perder, tinha que ser justo ele”, lamentou o treinador. Mas Ramsey também passou o resto da vida tendo de explicar por que tirara Bobby Charlton, maior referência técnica daquela equipe, quando do início da reação alemã. A queda considerada precoce numa Copa em que os ingleses tinham time para chegar até a outra final representou o começo do declínio da antes inabalável reputação do técnico.

A vida seguiu com a fase classificatória da Eurocopa de 1972, na qual os ingleses ficaram num grupo com Suíça, Grécia e Malta. O futebol grego vivia bom momento: a seleção chegara perto de ir ao México (ficaram em segundo em sua chave nas Eliminatórias, atrás da Romênia e à frente dos próprios suíços e de Portugal) e o Panathinaikos se tornaria em 1971 o único clube do país a disputar uma final europeia, ao decidir a Copa dos Campeões contra o Ajax. Porém, a decadência veio rápido, e só os helvéticos fizeram frente.

A Suíça começou a campanha vencendo os dois jogos contra Grécia e Malta. A Inglaterra também não teve dificuldade para bater duas vezes bater os malteses (1 a 0 fora e 5 a 0 em casa) e despachar os gregos em Wembley com um 3 a 0. Contra os suíços, nos embates diretos que decidiriam o grupo, no entanto, a dificuldade foi maior do que a imaginada. Até pela pressão da imprensa britânica, que, mesmo com os três triunfos anteriores, considerava qualquer outro resultado na Basileia que não a vitória uma catástrofe.

A Inglaterra abriu o placar logo no primeiro minuto com Geoff Hurst. Os suíços empataram aos 11, mas dois minutos depois o goleador do Tottenham, Martin Chivers, apareceu para marcar seu sexto gol em seis jogos pela Inglaterra, recolocando o time à frente. Os donos da casa tornaram a empatar pouco antes do intervalo, mas a vitória inglesa acabaria chegando na etapa final com um pouco de sorte – uma finalização de Jakob “Kobi” Kühn com Gordon Banks já batido acertou a trave – e um gol contra de Anton Weibel.

A vitória colocou a Inglaterra mais folgada para a volta em Wembley. No entanto, Alf Ramsey teria problemas para escalar a equipe por um motivo impressionantemente inglês: alguns clubes não liberaram seus jogadores em virtude de uma rodada da Copa da Liga a ser disputada por aqueles dias. Bem desfalcada, a Inglaterra ainda saiu na frente aos sete minutos num gol de cabeça de Mike Summerbee, atacante do Manchester City, mas os suíços começaram a assustar, inspirados pelo habilidoso ponteiro Kurt Odermatt.

Os visitantes empataram aos 27 e chegaram a criar algumas chances claras, inclusive uma bola salva quase em cima da linha. Contudo, o placar final de 1 a 1 deixava a classificação inglesa às quartas de final muito bem encaminhada – e ela viria em 1º de dezembro com uma vitória sobre a Grécia fora de casa por 2 a 0. O adversário na fase seguinte seria de novo a Alemanha Ocidental, num duelo que ganhava ares de tira-teima, após uma vitória para cada lado em jogos decisivos nas duas últimas Copas do Mundo.

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Se a final de 1966 representou o ponto culminante da revolução levada a cabo por Alf Ramsey na seleção inglesa, ela também se tornaria o ponto de partida para uma mudança de mentalidade na própria Alemanha Ocidental, em meio a um contexto mais amplo, social e culturalmente. Mas, curiosamente, alguns dos novos conceitos eram inspirados no trabalho do inglês. Saía um jogo quase que de pura força física para entrar um futebol mais inteligente nas tramas ofensivas, nos deslocamentos e na ocupação dos espaços.

Helmut Schön, treinador do Nationalelf desde novembro de 1964, quando passara de interino a sucessor do veterano Sepp Herberger, foi quem comandou essa transição de modelo. E teve seu trabalho facilitado pelas novas gerações que surgiam naquele fim de década em dois clubes que passariam a dividir os títulos dentro do país: o Bayern de Munique (de Sepp Maier, Paul Breitner, Franz Beckenbauer e Gerd Müller) e o Borussia Mönchengladbach (de Berti Vogts, Rainer Bonhof, Günter Netzer e Jupp Heynckes).

Houve um tropeço inesperado, é verdade, nas Eliminatórias da Eurocopa de 1968 – a mesma em que a Inglaterra terminaria em terceiro. Sorteada num grupo de três seleções com a Iugoslávia e a Albânia, a Alemanha Ocidental decidiria a vaga, em tese, nos confrontos contra os iugoslavos. E levou a melhor neles: perdeu de 1 a 0 em Belgrado, mas venceu em Hamburgo por 3 a 1. Seu melhor saldo geral fazia com que fosse necessária apenas uma vitória simples sobre os albaneses em Tirana. Mas a zebra deu as caras.

Os alemães comemoram em Wembley, em 1972 (Foto: Imago / One Football)

Defendendo-se com os 11 e dando chutões para todo lado, os donos da casa seguraram o empate em 0 a 0 que frustrou o time de Helmut Schön e levou inesperadamente a Iugoslávia às quartas de final. Na Eliminatória seguinte, para a Copa de 1970, a mordida Alemanha Ocidental passou como um trator no Grupo 7, enfrentando Áustria, Escócia e Chipre: cinco vitórias e um empate, 20 gols marcados e só três sofridos em seis jogos. E uma avassaladora goleada de 12 a 0 sobre os pobres cipriotas em Essen, em maio de 1969.

No Mundial mexicano, o Nationalelf esteve perto de ir à final contra o Brasil, mas não resistiu a uma histórica, dramática e desgastante semifinal com a Itália, perdendo de 4 a 3 na prorrogação marcada pela imagem de Beckenbauer com o braço direito na tipoia. Restou o consolo do terceiro lugar ao bater o Uruguai por 1 a 0. A boa campanha no Mundial credenciou o time a ser de novo favorito destacado nas Eliminatórias da Eurocopa de 1972, na chave que incluía uma promissora Polônia, a Turquia e novamente a Albânia.

A equipe de Schön estreou tropeçando diante da Turquia em casa (1 a 1), mas depois conseguiu enfim vencer a Albânia em Tirana (1 a 0) e selou a passagem às quartas de final mais adiante nas duas partidas contra a Polônia (vitória por 3 a 1 de virada em Varsóvia e empate sem gols em Hamburgo). Durante aquela fase de classificação, porém, o futebol do país se veria abalado por um escândalo de arranjo de resultados na Bundesliga que envolveu 52 jogadores, dois técnicos e seis dirigentes e funcionários de clubes.

O caso tirou do Nationalelf dois jogadores que com frequência eram titulares: o defensor Bernd Patzke, do Hertha Berlim, e o ponta-direita Reinhard Libuda, do Schalke. Além de dois outros que haviam defendido a seleção naquele ciclo: o goleiro Volkmar Groß (também do Hertha Berlim) e o defensor Klaus Fichtel (também do Schalke). À exceção de Groß, todos haviam estado na Copa do Mundo do México – assim como o goleiro reserva Horst Wolter, do Eintracht Braunschweig, também punido no escândalo.

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Até o confronto da final da Copa do Mundo os ingleses nunca haviam perdido para os alemães, somando sete vitórias e um empate em oito jogos. A máxima popularizada décadas depois por Gary Lineker de que “futebol é um jogo simples: 22 homens perseguem uma bola por 90 minutos, e a Alemanha vence no fim” ainda não valia naquele tempo. A escrita só cairia em junho de 1968, quando o Nationalelf triunfou por 1 a 0 num amistoso em Hannover. O confronto do Mundial do México marcou a segunda vitória alemã seguida.

Ainda assim restava um tabu aos germânicos: ganhar em solo inglês. O English Team prevaleceu nos quatro duelos anteriores: um em White Hart Lane em dezembro de 1935 e outros três em Wembley, em dezembro de 1954 e em fevereiro e julho de 1966 (a decisão da Copa). Para aquela empreitada, Helmut Schön levou a campo na noite londrina de 29 de abril de 1972 uma equipe incluindo seis jogadores do Bayern, incluindo dois novatos, quase estreantes: Paul Breitner e Uli Hoeness, ambos com 20 anos de idade.

Alf Ramsey, por sua vez, manteve o time que venceu os gregos só com uma mudança por lesão: Roy McFarland, sólido zagueiro do Derby, deu lugar ao vigoroso Norman Hunter, do Leeds. De resto, novamente prescindia de um jogador mais combativo, como Alan Mullery, no meio-campo, optando por escalar uma trinca de armadores (Alan Ball, Colin Bell e Martin Peters), municiando um trio de ataque formado por Francis Lee e os homens de área Martin Chivers e Geoff Hurst. Acabou engolido pelo trio de meias alemães.

Especialmente por Günter Netzer, que cumpriu atuação de gala, entrando como bem entendia na defesa inglesa. Após uma rápida pressão inicial inglesa, os comandados de Helmut Schön logo tomaram conta das ações, sem a menor reverência ao fato de jogarem em Wembley. Com uma equipe bem mais jovem, brincaram de gato e rato com uma envelhecida Inglaterra, que mantinha seis jogadores campeões em 1966 (Geoff Hurst, herói daquela final com três gols, ironicamente faria ali seu último jogo pela seleção).

Bobby Moore e Beckenbauer

E foi ao aproveitar uma falha de outro veterano, Bobby Moore, ao tentar driblar dentro da área que os alemães abriram o placar, em chute de Uli Hoeness que desviou em Hunter e matou Banks. Depois de descer atordoada para os vestiários no intervalo, a Inglaterra voltou atacando. Ainda que não incisiva o bastante, empatou aos 33 minutos: Colin Bell carregou a bola desde o meio-campo, abriu na direita e recebeu de volta, soltando o petardo que Maier espalmou e Francis Lee, que vinha na corrida, tocou para as redes.

Pouco antes, Alf Ramsey – que se declarou surpreso com a blitz inicial alemã – permitiria-se um pouco de ousadia ao sacar Hurst para a entrada de Rodney Marsh, atacante do Manchester City de jeito rebelde e futebol habilidoso e intuitivo. Com o empate, os ingleses se lançaram à frente e deixaram a defesa exposta. Um erro fatal. Marsh foi desarmado na frente da área alemã, e os visitantes ligaram o contra-ataque. Gerd Müller tentou o passe para Siggi Held e deu sorte quando o lateral Paul Madeley não conseguiu interceptar.

Siggi Held então recebeu a bola e avançou em velocidade, sendo calçado por Bobby Moore quando se preparava para entrar na área, aos 39 minutos da etapa final. O árbitro francês Robert Héliès marcou um pênalti um tanto discutível (o replay mostrou que o contato havia começado fora da área), e Netzer – o dono do jogo – se apresentou para a cobrança. Foi quando a sorte mostrou que não estava mesmo do lado dos ingleses: o chute do meia alemão foi espalmado por Banks, mas a bola bateu na trave e entrou.

Ao desmoronar o pouco de confiança que ainda restava enquanto a partida estava empatada, os ingleses sofreram mais um gol um tanto estúpido. Emlyn Hughes recebeu uma reposição de bola de Banks na lateral esquerda, mas foi desarmado facilmente por Held, que entregou a Hoeness. O meia driblou dois e, com um passe na diagonal, achou Gerd Müller sozinho na área. O chute no canto de Banks foi inapelável. A Alemanha decretava o 3 a 1, punha um pé e meio na fase final da Euro e derrubava o tabu de Wembley.

https://www.youtube.com/watch?v=8tFyqNqgllo

Com o time alvejado por críticas pelo latifúndio que cedeu ao meio-campo alemão em Wembley, Ramsey foi do oito ao oitenta no jogo de volta: adiantou Norman Hunter para o meio-campo e escalou ao seu lado o truculento volante Peter Storey, do Arsenal. Com a dupla de cães de guarda à frente da defesa, os ingleses seguraram um travado 0 a 0. Mas foi uma exibição inglória, e que só serviu para deixar os alemães furiosos: “Todo o time da Inglaterra autografou minha perna”, reclamou Netzer após a partida.

Se a derrota em León havia sido encarada pelos ingleses como um acidente, a de Wembley era nada menos que um desastre completo. Afinal, expunha uma seleção que, de vanguardista sob o ponto de vista tático, seis anos depois havia “parado no tempo”, nas palavras de Helmut Schön após o jogo. E aceleraria o declínio do prestígio de Alf Ramsey, o qual se veria completamente arruinado ao ficar fora também do Mundial de 1974, caindo diante da Polônia nas Eliminatórias – e o treinador pagaria com o cargo.

A Alemanha Ocidental, por sua vez, viraria a chave: conquistaria aquela Eurocopa superando a anfitriã Bélgica na semifinal antes de impor um categórico 3 a 0 à União Soviética na decisão. E dois anos depois, ao mesmo tempo em que o Bayern iniciava sua dominação no futebol de clubes do continente, o Nationalelf levantaria pela segunda vez a Copa do Mundo, agora em casa e ainda sob o comando de Helmut Schön. O mesmo Mundial em que pela primeira vez os ingleses não se classificariam nas Eliminatórias.

O jogo de Wembley, portanto, detonaria várias simbologias: a vitória de um estilo de jogo mais dinâmico e fluente sobre o esquema rígido e estático; a decadência da velha guarda inglesa, exigindo tortuosa renovação não só de nomes como de mentalidade; a inversão de trajetórias entre as duas seleções, com os alemães tomando o rumo das conquistas, ao passo que os ingleses, autoindulgentes, estagnariam; e, por fim, o complexo de inferioridade do English Team em jogos decisivos, em especial diante dos alemães.

Adaptado de “Seleção inglesa nos anos 70, parte I: A derrocada de uma nação”.

Link: https://itsagoal.wixsite.com/home/post/seleção-inglesa-nos-anos-70-parte-i-a-derrocada-de-uma-nação

Foto de Emmanuel do Valle

Emmanuel do Valle

Além de colaborações periódicas, quinzenalmente o jornalista Emmanuel do Valle publica na Trivela a coluna ‘Azarões Eternos’, rememorando times fora dos holofotes que protagonizaram campanhas históricas.
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