Eurocopa 2024

Inimigos cada vez mais íntimos: A história dos alemães na Premier League e dos ingleses na Bundesliga

De Bert Trautmann a Jude Bellingham, relembramos o trânsito de jogadores entre os clubes dos dois países

Indo além do histórico cultural e político, a rivalidade entre Alemanha e Inglaterra no futebol se evidencia pelos grandes jogos entre suas seleções. A maior vitória dos Three Lions em sua história, a decisão da Copa do Mundo de 1966, aconteceu em cima dos germânicos. Enquanto isso, a Mannschaft possui alguns triunfos memoráveis para cima dos ingleses nas grandes competições, com menção principal à semifinal da Copa de 1990 e à semifinal da Euro 1996. Os jogadores de ambos os países, porém, compartilham um intercâmbio cada vez mais frequente entre as duas ligas. Enquanto a Bundesliga tem virado uma incubadora importante a alguns dos principais talentos nascidos na Inglaterra, a Premier League pega boas promessas alemãs prontas a decolar. E isso aproxima as atuais seleções antes de mais um confronto decisivo, agora pela Euro 2020.

Os pioneiros antes dos anos 1990

Até o advento da Lei Bosman, eram raros os jogadores alemães no Campeonato Inglês, enquanto os jogadores ingleses no Campeonato Alemão demoraram ainda mais a se tornar frequentes. Captar talentos numa competição tão forte era um tanto quanto difícil. Ainda assim, aconteceram alguns casos de ídolos que ultrapassaram as fronteiras antes mesmo das transferências internacionais se tornarem mais comuns.

Um pioneiro alemão no Campeonato Inglês é Max Seeburg, mas num caso muito específico. O meio-campista nasceu em Leipzig e sua família se mudou para Londres quando tinha apenas dois anos. De 1906 a 1912, ele defendeu clubes como o Chelsea, o Tottenham e o Burnley no Campeonato Inglês. Era uma exceção até que a Segunda Guerra Mundial, por incrível que pareça, criasse uma ponte entre os dois países. Prisioneiros de guerra alemães levados ao Reino Unido, quando libertos, tentaram reconstruir a vida no novo país jogando bola. O primeiro a se tornar profissional foi o atacante Alois Eisenträger, nascido em Hamburgo e que iniciou sua trajetória na base dos Dinossauros. Ele se profissionalizaria no Bristol City e superou os 200 jogos nas divisões de acesso do Campeonato Inglês. Mas não teria a projeção de Bert Trautmann.

Bert Trautmann foi, de fato, o primeiro grande ídolo alemão em solo inglês. Nascido em Bremen, o goleiro não chegou a atuar num clube de base, mas praticava esportes dentro das estruturas da juventude hitlerista, principalmente handebol. Durante a Segunda Guerra Mundial, ele se tornou paraquedista na Luftwaffe, a força aérea da Alemanha. O jovem sobreviveu no Front Oriental e também a um bombardeio aliado na fronteira com Países Baixos, até ser capturado pelos britânicos. Permaneceria numa prisão de guerra até 1948, quando começou a apresentar seu talento no gol. Ao ser liberto, teria uma oportunidade no St Helens Town, posteriormente contratado pelo Manchester City em 1949.

A torcida do Manchester City não aceitou de imediato a presença de um antigo soldado nazista em seu elenco. Os protestos foram massivos contra a chegada de Trautmann. A abertura começou por iniciativa dos próprios jogadores, incluindo o capitão Eric Westwood, que era um veterano do exército britânico. O rabino de Manchester também teria importância ao pedir respeito com o arqueiro, até que seu talento se evidenciasse em campo. A partir de então, o alemão teve a chance não só de reconstruir sua vida no Campeonato Inglês, como também de se tornar uma lenda na meta dos Citizens. Seriam mais de 500 jogos pela liga, embora sua atuação mais lendária tenha acontecido na final da Copa da Inglaterra de 1955/56. Mesmo com um osso fraturado no pescoço, o arqueiro seguiu em campo e realizou uma série de defesas que valeram o título ao Manchester City. Acabaria eleito o Jogador do Ano na Inglaterra em 1956.

Bert Trautmann, nos tempos de Manchester City

Embora reconhecido como um dos melhores goleiros do mundo na década de 1950, Trautmann não chegou a atuar pela seleção da Alemanha Ocidental. Ele se encontrou com o técnico Sepp Herberger, que explicou como as implicações políticas atrapalhavam sua convocação. Além disso, em tempos de viagens mais limitadas e calendários que não conversavam entre si, ficava mais difícil de convocá-lo enquanto atuava fora do Campeonato Alemão. De qualquer maneira, poderia ter sido um nome nos elencos da Mannschaft pelo menos às Copas do Mundo de 1954 e 1958. A reputação que ainda sustenta na Inglaterra, considerado um dos maiores goleiros que já passaram pela liga, o permitiram entrar no Hall da Fama do futebol em ambos os países e também ser condecorado pelo Império Britânico.

Nos anos 1970, outra exceção seria o lateral Dietmar Bruck. Nascido na cidade polonesa de Gdánsk, então invadida pelo Terceiro Reich em 1944, o alemão mudou-se à Inglaterra ainda na infância. Cresceu na cidade de Coventry e defendeu durante quase uma década o Coventry City, auxiliando na conquista do acesso à primeira divisão em 1966/67, antes de jogar também por Charlton e Northampton Town. Porém, pôde se profissionalizar num país diferente de seu nascimento apenas pela dupla nacionalidade, considerando o impedimento de transferências internacionais vigente na Inglaterra.

Apenas a reabertura dos portos nos anos 1980, permitindo as contratações de jogadores estrangeiros, possibilitou outros alemães na liga local. Todavia, raros foram aqueles que se aventuraram e, ainda assim, estes estiveram distantes de causar o mesmo impacto de Bert Trautmann. Em seus anos áureos, o Nottingham Forest até contratou o meio-campista Jürgen Röber, que fez sucesso no Werder Bremen e também passou pelo Bayern de Munique. Ficaria apenas a temporada de 1981/82 sob as ordens de Brian Clough, antes de retornar ao Bayer Leverkusen. O Sunderland ainda contou com Thomas Hauser, atacante que fez carreira na Suíça e ajudou no acesso em 1989/90.

Vale mencionar ainda Matthias Breitkreutz e Stefan Beinlich, jovens pinçados pelo Aston Villa no início da década de 1990, logo após a queda do Muro de Berlim, quando despontavam no futebol da antiga Alemanha Oriental. Ambos participaram da transição da Football League para a Premier League, mas com pouca relevância no Villa Park. Acabaram fazendo seus nomes quando voltaram à Bundesliga, em especial Beinlich, que chegaria à seleção graças aos bons momentos com o Bayer Leverkusen na virada da década, sendo eleito por duas vezes ao time ideal do campeonato pela revista Kicker.

A Bundesliga já registrava a presença de jogadores estrangeiros desde seus primórdios na década de 1960. Porém, as contratações se concentravam especialmente em atletas que vinham de outros países da Europa continental com ligas inferiores, sobretudo da Cortina de Ferro. Buscar um atleta no badalado Campeonato Inglês parecia um movimento ousado demais. O Hamburgo, no entanto, deu o passo para levar o primeiro jogador inglês rumo ao Campeonato Alemão-Ocidental. E o acerto não poderia ser maior, considerando não apenas a fama de Kevin Keegan, como também o sucesso que ele representaria no Volksparkstadion. De certa maneira, um personagem para corresponder à grandeza de Trautmann, ainda que em contextos distintos.

Kevin Keegan, do Hamburgo (Foto: Imago / One Football)

Keegan era um dos artífices do Liverpool que conquistou a Copa dos Campeões em 1976/77. No auge do clube, porém, ele aceitou uma proposta do Hamburgo e se transferiu à Alemanha por £500 mil, um valor recorde para os dois países na época. Naquele momento, o atacante fazia uma aposta, já que o HSV vinha de quase duas décadas adormecidas sem disputar pra valer a Salva de Prata – embora a conquista da Recopa Europeia na temporada anterior fosse um sinal claro de fortalecimento. Keegan ainda sofreu para se adaptar no Volksparkstadion, escanteado pelos companheiros por todos os holofotes ao seu redor. Entretanto, o novo astro se esforçou para ganhar a confiança e se adaptar ao novo ambiente, correspondendo perfeitamente em campo.

Com Keegan, o Hamburgo conquistou a Bundesliga em 1978/79, inaugurando uma era vitoriosa que culminaria também na campanha até a decisão da Copa dos Campeões em 1979/80 – com derrota na final diante do Nottingham Forest, mas despachando o Real Madrid com goleada antes disso. Individualmente, o atacante jogava o fino e entrou para a seleção da Bundesliga nas três temporadas em que permaneceu com os Dinossauros. De qualquer maneira, o maior reconhecimento veio com as conquistas da Bola de Ouro em 1978 e 1979, as únicas para um jogador do HSV até hoje. Ao final de seu contrato, o inglês preferiu retornar ao Campeonato Inglês e assinou com o Southampton. Ainda assim, viraria um grande parâmetro aos demais compatriotas que decidissem se aventurar na Bundesliga.

Além de Keegan, outro inglês com relativo sucesso na Alemanha durante os anos 1980 foi Tony Woodcock. O atacante era uma das principais figuras do Nottingham Forest que conquistou a Copa dos Campeões em 1978/79, eliminando o Colônia nas semifinais. Os Bodes, então, foram atrás do algoz e quebraram um novo recorde ao pagarem £600 mil pela transferência. O impacto não seria grande como o de Keegan, mas o atacante faria boas campanhas com os alvirrubros e se manteria nas convocações da seleção inglesa. Saiu rumo ao Arsenal em 1982, mas voltou em 1986 para uma segunda passagem no Colônia e ainda pendurou as chuteiras no rival Fortuna Colônia.

Os anos 1980 ainda abriram as portas para Peter Hobday, que começou no Gillingham, mas faria grande parte de sua carreira na Alemanha. Teve passagens mais longas por Stuttgarter Kickers e Arminia Bielefeld, mas também defendeu Eintracht Frankfurt e Hannover 96. O zagueiro David Watson, jogador notável da seleção inglesa nos anos 1970, teria uma curta estadia no Werder Bremen em 1979. Expulso em seu segundo jogo, pegaria oito jogos de gancho e ainda acabou multado pelo clube, o que estragou a relação logo cedo – o levando de volta para o Southampton, onde foi companheiro de Keegan. Já o atacante Mark Farrington era um legionário nos campeonatos de Bélgica e Países Baixos, até ficar uma temporada no Hertha Berlim nos anos 1990.

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A Premier League e a Lei Bosman

A criação da Premier League injetaria dinheiro nos clubes ingleses, especialmente graças às cotas gordas da televisão, e permitiria que as contratações de estrangeiros se tornassem ainda mais abastadas. Mais do que isso, a Lei Bosman e o fim das limitações na compra de jogadores da comunidade europeia seria fundamental para que o transito de atletas se intensificasse entre Alemanha e Inglaterra. A Bundesliga, todavia, não se beneficiaria muito desse processo. Foi a Premier League que passou a buscar diversos talentos da seleção alemã com frequência para estrelar seus clubes.

De 1997 a 2011, apenas um jogador inglês atuou na Bundesliga. E deixou sua marca, afinal: Owen Hargreaves defendeu a equipe principal do Bayern de Munique por sete anos, colecionando quatro títulos nacionais e ainda uma Champions League. Sua trajetória, entretanto, não seria usual. Nascido no Canadá, o meio-campista era filho de ingleses – seu pai era jogador profissional, passando pelo Bolton antes de se transferir a um clube canadense nos anos 1980. O volante iniciou a carreira no país onde nasceu e se transferiu ao Bayern ainda na base, até se profissionalizar por lá. Todavia, optaria por defender as seleções inglesas e estrearia na Premier League somente depois de deixar a Baviera em 2007, quando se juntou ao Manchester United.

Por outro lado, nada menos que 18 jogadores alemães passaram pela Premier League nos anos 1990. Beinlich e Breitkreutz eram os pioneiros com o Aston Villa na primeira temporada de 1992/93, mas não os mais notáveis. A grande estrela alemã na Inglaterra durante o período foi mesmo Jürgen Klinsmann. O craque da seleção se transferiu ao Tottenham logo após a Copa do Mundo de 1994. Passou apenas uma temporada em White Hart Lane, mas o suficiente para deixar marcas profundas. Gastou a bola a ponto de ganhar o prêmio de Jogador do Ano oferecido pela associação de cronistas esportivos – repetindo o feito de Bert Trautmann quase 40 anos depois. Foram 30 gols somando todas as competições, 21 pela Premier League, gravando seu nome mesmo sem conquistar títulos. Acabaria se tornando um conhecido algoz na Euro 1996, quando já defendia o Bayern. Ainda teria uma passagem mais curta pelos Spurs no fim da década.

Outros companheiros de seleção também deixaram boas impressões na Premier League durante os anos 1990. Stefan Freund teve uma estadia relativamente importante no Tottenham de 1998 a 2003, faturando a Copa da Liga e ganhando moral com os torcedores por sua dedicação no meio-campo. Jogaria ainda uma temporada no Leicester depois. O Manchester City contou com nomes como Eike Immel e Maurizio Gaudino, ambos da Mannschaft, embora o destaque fosse Uwe Rösler, antigo jogador da seleção da Alemanha Oriental. O centroavante passou cinco temporadas com os celestes de 1993 a 1998, permanecendo mesmo quando a equipe foi rebaixada à segundona. Criaria uma identificação muito forte na comunidade local, a ponto de entrar para o Hall da Fama dos Citizens.

Já o Liverpool montou uma pequena colônia alemã na virada do século. Karl-Heinz Riedle não emplacou em Anfield, depois de uma trajetória vitoriosa no Borussia Dortmund campeão europeu, da mesma forma como Christian Ziege ficou somente uma temporada com os Reds. Já Markus Babbel chegaria do Bayern para ser importante na vitoriosa temporada de 2000/01, inclusive marcando gol na final da Copa da Uefa. Mas nenhum deles atingiria o status de Dietmar Hamann, outro ex-Bayern, que ainda passou pelo Newcastle antes de desembarcar em Merseyside. O volante marcou época no Liverpool e totalizou sete temporadas no clube. Colecionou títulos importantes de 1999 a 2006, lembrando especialmente por sua atuação na final da Champions de 2004/05. Mesmo com uma fratura no dedo do pé, Didi Hamann impulsionou a virada histórica contra o Milan ao sair do banco e converteu o primeiro pênalti na disputa decisiva. Seriam mais de 200 partidas pelos Reds, passando ainda brevemente pelo Manchester City antes de se aposentar.

Ballack na Copa de 2006 (Photo by Shaun Botterill/Getty Images)

A Premier League contrataria 12 jogadores alemães na década de 2000. O negócio de maior peso entre esses foi a chegada de Michael Ballack ao Chelsea. O craque da seleção veio badalado após a Copa de 2006 e ficou quatro temporadas em Stamford Bridge. Se de início o meio-campista parecia não justificar o investimento, até pelo excesso de lesões que atrapalharam sua adaptação com os Blues, ele acabaria saindo em alta pelo papel importante na conquista da Premier League em 2009/10 e também na caminhada rumo à final da Champions em 2007/08. A conquista da liga, aliás, repetia o feito de Jens Lehmann pelo Arsenal. Contratado como o sucessor de David Seaman, o goleiro viraria um personagem histórico dos Gunners em sua era dourada, protagonista dos Invincibles e também brilhando na campanha rumo à final da Champions em 2005/06.

Outro alemão que iniciou sua trajetória na Premier League durante a década de 2000 e conquistou o título foi Robert Huth. O zagueiro seria levado ainda na base do Union Berlim ao Chelsea. Sem emplacar em Stamford Bridge, rodou por Middlesbrough e passou bons anos no Stoke City. O ápice aconteceria mesmo no fim da carreira com o Leicester, quando formou a célebre dupla com Wes Morgan na campanha vitoriosa sob as ordens de Claudio Ranieri. Mais um a ser tirado da Bundesliga na base é Thomas Hitzlsperger. O meio-campista começou no Bayern, mas se profissionalizou no Aston Villa e ganhou as primeiras convocações quando atuava em Birmingham, antes de se transferir para ser campeão com o Stuttgart.

Já na década de 2010, as transferências de jogadores alemães explodiram na Premier League. Seriam 38 atletas nascidos no país contratados pelos clubes ingleses da primeira divisão. Alguns vieram já como astros. O Arsenal foi o clube que mais contratou jogadores estabelecidos na seleção alemã, ainda que a passagem de alguns deles tenha sido agridoce no Estádio Emirates. Mesut Özil sem dúvidas é o maior talento, embora Per Mertesacker tenha construído uma relação mais próxima com a torcida ao longo de sua estadia com os Gunners, apesar das lesões. Vale ainda lembrar dos três anos em que Lukas Podolski jogou no norte de Londres, sem cumprir as expectativas. Bastian Schweinsteiger foi outro multicampeão com o Nationalelf que não estourou no Manchester United. O perfil geral das transferências, de qualquer maneira, era outro: garimpar jovens valores que realmente pudessem se afirmar e se valorizar na Premier League.

A incubação na Alemanha e a afirmação na Inglaterra

Ao longo da última década, o trânsito entre jogadores da Bundesliga e da Premier League tomou características bastante particulares. Os clubes ingleses passaram a investir em futebolistas alemães com seus 20 poucos anos, que surgiam bem no Campeonato Alemão e poderiam se tornar astros no Campeonato Inglês. Os destaques que não arrumaram as malas para o Bayern de Munique, quase que invariavelmente, acabaram buscando seu salto ao estrelato na Premier League. Enquanto isso, a Bundesliga virou um criadouro de talentos ingleses. Os prodígios à disposição na base inglesa não encontravam espaço às suas transições nas principais equipes do país. Assim, muitos acabaram se valendo da propensão dos clubes alemães em promoverem adolescentes e se impulsionaram graças à qualificação deste trabalho de lapidação. É o que se nota nas atuais seleções.

O atual elenco da Mannschaft conta com seis jogadores em atividade na Premier League e outros três que passaram por clubes ingleses anteriormente. O perfil desses futebolistas é claro, como Ilkay Gündogan bem exemplifica. O meio-campista surgiu no Nuremberg e passou anos importantes à sua carreira com o Borussia Dortmund, quando ganhou as primeiras convocações à seleção. Ainda assim, um salto em sua reputação aconteceu a partir da transferência ao Manchester City, quando passou a colecionar títulos e virou uma peça importante na engrenagem de Pep Guardiola, especialmente na última temporada. A Premier League representa sua confirmação como um dos melhores volantes do mundo.

Obviamente, nem todos que tentam se mudar para a Premier League realmente desabrocham. Um exemplo disso é Jérôme Boateng, que teve uma passagem apagada pelo Manchester City antes de realmente virar um zagueiro celebrado no Bayern de Munique. De qualquer maneira, a atratividade dos clubes ingleses é evidente, seja para aumentar seus salários ou para atuar em uma liga de maior nível técnico. Não à toa, trocas entre clubes tradicionais da Bundesliga por equipes medianas da Premier League se tornaram mais frequentes. Foi o que fez Max Meyer, ao deixar o Schalke 04 como grande promessa para tentar a sorte no Crystal Palace, ainda que não tenha estourado como o esperado.

Kai Havertz, do Chelsea (Miguel Pereira/Global Imagens/Imago/OneFootball)

Do atual elenco da Alemanha, outros dois que representam bem essa ambição são Timo Werner e Kai Havertz. Os dois atacantes se transformaram em estrelas na Bundesliga com RB Leipzig e Bayer Leverkusen, mas pareciam ter atingido um teto, diante do ambiente dominado pelo Bayern. Apesar dos feitos importantes por seus clubes, ambos preferiram se mudar ao exterior em busca de conquistas significativas. A primeira temporada com o Chelsea não teve o rendimento esperado de ambos, é verdade, mas os dois se valorizaram com a conquista da Champions – em especial, Havertz, por seu gol na final. A margem de crescimento, dada a confirmação que já tinham vivido na Bundesliga, parece bem maior na Premier League.

Enquanto isso, o número de jogadores inglês em atividade na Bundesliga cresceu ao longo da última década. Foram 15 atletas nascidos na Inglaterra que ingressaram no Campeonato Alemão a partir de 2011, multiplicando os números históricos de compatriotas na competição. O perfil quase sempre se assemelha, pegando promessas da base que não desabrocharam em clubes médios do Campeonato Inglês ou que se viam sem espaço em equipes maiores do país.

Nem todos cumprem o esperado, é verdade, como o talentoso Emile Smith Rowe. O meia teve meses pouco lembrados no RB Leipzig, antes de realmente virar uma boa alternativa no Arsenal. Porém, não se nega que as oportunidades na Bundesliga são maiores. Todos esses 15 jogadores ingleses com passagem pela Bundesliga na última década atuaram pelas seleções inglesas de base. Alguns se profissionalizaram já na Alemanha. Enquanto isso, outros buscam reafirmar seu talento num ambiente mais propício. Foi o que fez Demarai Gray ao assinar com o Bayer Leverkusen na temporada passada, ou então Ryan Sessègnon, que permaneceu emprestado ao Hoffenheim na última edição do Campeonato Alemão.

Jadon Sancho, do Borussia Dortmund (LEON KUEGELER/POOL/AFP via Getty Images/OneFootball)

Na atual seleção da Inglaterra, dois dos três jogadores que atuam no exterior estão na Bundesliga. E a empreitada de Jude Bellingham e Jadon Sancho se assemelha. Ambos chegaram muito novos no Borussia Dortmund, esperando um trampolim no clube que tão bem lapida promessas na Alemanha. De prodígio na base do Manchester City, Sancho mal passou no Dortmund II, antes de virar um dos melhores pontas em atividade na Bundesliga. Já Bellingham optou por fazer o mesmo caminho depois de surgir muito cedo com o Birmingham na Championship e hoje acumula recordes por onde passa.

Curiosamente, tal movimento se nota na própria seleção alemã. Jamal Musiala fez o mesmo caminho dos inglês. Nascido em Stuttgart, o meia se mudou à Inglaterra na infância e jogou na base do Chelsea por oito anos. Entretanto, aceitou uma proposta do Bayern quando tinha 16 e por lá se profissionalizou. Jogou em diferentes categorias das seleções inglesas de base (inclusive ao lado de Bellingham), até optar pela Mannschaft diante do convite de Joachim Löw às vésperas da Eurocopa. Serge Gnabry, por sua vez, ainda se viu atraído pela base do Arsenal quando tinha 16 anos, antes de perceber o tamanho de seu erro pelas parcas chances que recebeu nos Gunners. Foi apenas ao voltar para a Bundesliga que o atacante realmente conseguiu ganhar uma sequência e fazer seu futebol desabrochar, até se tornar um dos destaques no Bayern.

De qualquer maneira, se entre os clubes a Bundesliga e a Premier League parecem representar níveis distintos num mesmo processo, a exigência entre as seleções é sempre máxima. Isso se verá na Euro 2020, com um jogo tão importante nas oitavas de final. A Alemanha se beneficiará de talentos que despontam na Premier League, a Inglaterra pode recorrer a jovens lançados na Bundesliga. Inimigos cada vez mais íntimos numa das maiores rivalidades do futebol internacional.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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