Eurocopa 2024

Desta campanha da França na Euro 2020, o que fica é a frustração pelo potencial desperdiçado

A França desembarcou na Eurocopa como atual campeã mundial e dona do melhor elenco, mas seus bons momentos se restringiram a minutos

A França ingressou na Euro 2020 cercada de expectativas. E não era apenas empolgação pela conquista da Copa do Mundo de 2018: os Bleus pareciam ter mais recursos para emendar também o título continental, como fez duas décadas antes com a geração de Zinédine Zidane. Didier Deschamps preservava a base, com um bom nível de maturidade comparando com outras seleções e ainda recursos melhores aos vistos na Rússia – como o luxo de contar com a volta de Karim Benzema ao comando do ataque. Porém, esta campanha dos franceses não desabrochou. O time até exibiu lampejos de ótimos futebol, mas que não passaram de minutos. E sem um senso de urgência maior em momentos importantes, os campeões mundiais sucumbiram contra um Suíça aguerrida, mas distante da badalação do outro lado. Em linhas gerais, o que fica é a frustração.

Na Copa do Mundo, a França já tinha demonstrado que jogaria em seu máximo apenas quando bem entendesse. E isso bastou para uma conquista histórica na Rússia. O mesmo parecia se repetir na Euro 2020, desde a fase de grupos. Os Bleus pisaram no acelerador durante os minutos iniciais contra a Alemanha, quando abriram vantagem e puderam conduzir os rumos do jogo. Fizeram o mesmo depois que a Hungria empatou e também na virada dos tempos diante de Portugal. Mas ainda parecia uma equipe aquém de seu potencial, que talvez estivesse guardando forças para os mata-matas.

As suspeitas não se confirmaram diante da Suíça. O primeiro tempo da França seria de desacerto contra um adversário que abriu o placar logo cedo. E o motor francês só ligou depois de outro susto, quando Hugo Lloris pegou o pênalti de Ricardo Rodríguez. A partir de então, o que se viu foi uma virada contundente e instantes de show dos Bleus em Bucareste. Mas não o suficiente para matar a partida. Não o suficiente para que o time garantisse sua proteção defensiva. A falta de encaixe, contra um adversário que vinha com a faca entre os dentes, provou-se fatal rumo à prorrogação.

No tempo extra, a partida voltou a pender um pouco mais à França. Mas sem a precisão ofensiva que a equipe dependia para evitar a pressão nas penalidades. Na marca da cal, então, um erro apenas acabaria sendo cabal aos Bleus. Kylian Mbappé cobrou para a defesa de Yann Sommer e permitiu que a Suíça comemorasse um momento histórico. Os méritos dos helvéticos são evidentes, assim como detalhes acabaram mudando a sorte dos franceses durante a noite. Mas não é isso que impede um senso de frustração por todas as promessas que não se cumpriram nesta Eurocopa do lado azul.

Didier Deschamps, se já não tinha sido unanimidade nem mesmo durante a conquista da Copa do Mundo, não escaparia das críticas dessa vez. A França manteve o estilo de jogo firmado pelo treinador ainda às vésperas do Mundial de 2014, sem aproveitar nada de muito novo. Os mecanismos eram assimilados pelos jogadores e havia um nível de maturidade no jogo, exibido nos melhores momentos. Todavia, parece faltar soluções diferentes ou mesmo maneiras de aplicar uma intensidade mais constante no trabalho ofensivo dos Bleus. A queda acontece não por falta de avisos.

A França sentiu a ausência de um Blaise Matuidi no meio. A França sofreu com os problemas em sua lateral esquerda. E a França não encontrou soluções para esses entraves. Adrien Rabiot já não tinha dado conta do recado no meio-campo, antes de se sair ainda pior improvisado como lateral. A escolha pelo 3-5-2 também não garantiria nenhuma boa notícia – pelo contrário, com o primeiro gol suíço em cima de Clément Lenglet. Por fim, quando os Bleus viraram o placar em Bucareste, acabaram vítimas da falta de foco nos lances de dois gols, bem diferente do que transmitia a Suíça para arrancar sua reação.

Difícil dizer que alguém no sistema defensivo da França se saiu realmente bem. Hugo Lloris foi a exceção, até pela maneira como evitou algo pior nesta segunda, mas a linha de zaga não se entendeu muito ao longo da Eurocopa – e Presnel Kimpembe pareceu abaixo do que se viu com Samuel Umtiti em 2018. Mesmo N'Golo Kanté não apresentou seu melhor na meia-cancha. E se não dá para colocar a culpa individualmente, não se nega que o desarranjo coletivo passa pelo terceiro elemento do meio-campo que seguiu sem ser encontrado mesmo com a eliminação. Os franceses se saíram melhor quando readaptaram seu jogo com um ponta ofensivo, fosse ele Ousmane Dembélé ou Kingsley Coman, mas Deschamps relutou em fazer essa escolha antes.

No setor ofensivo, Karim Benzema ainda recebe aplausos. O atacante levou um tempo até se encontrar nessa equipe, mas cresceu na competição e poderia ter saído como herói diante da Suíça. Antoine Griezmann seria uma sombra do que se viu em 2016, mesmo sem fazer um torneio exatamente ruim. Já Kylian Mbappé foi de mais a menos, da estreia à eliminação. Errou muito nas conclusões contra os suíços, mesmo participando da construção de ambos os gols. E quando mais se precisava dele na disputa por pênaltis, o erro custaria a eliminação. Acaba como a face da derrota, depois de desembarcar na Eurocopa como o craque da companhia, mesmo com tantos talentos ao seu lado.

Por fim, aquele que sai mesmo da Euro 2020 maior do que entrou é Paul Pogba. É uma pena não seguir vendo o meio-campista destilando sua qualidade técnica com passes soberbos. Sua partida contra a Suíça seria novamente muito grande, mesmo perdendo a bola no terceiro tento, que rendeu o empate. Foi o craque que sempre se espera e pouco se vê no Manchester United. Parecia disposto a resgatar aquele seu melhor de 2018 nesta Eurocopa, mas não dá para fazer sozinho quando o sistema por trás não ajuda. E foi uma seleção francesa muito mais vulnerável do que deveria, até por não ser tão contundente quanto podia.

A eliminação da França não leva a um cenário de terra arrasada, mas transmite uma sensação de capacidade desperdiçada. Talento existia ali e continuará existindo, mas há dificuldades para vê-lo em níveis mais constantes. Será importante a avaliação sobre o que não deu certo na Euro 2020. Por seu passado vitorioso, é difícil imaginar que Deschamps saia agora, mas existem desgastes em suas escolhas e uma injeção de ideias novas não parece de todo ruim aos Bleus. O time atual, afinal, é daqueles que ainda chegarão ao Mundial de 2022 no principal bolo de favoritos. Mas contra uma Suíça que superou os seus limites, o revés deixa o lamento.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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