Damsgaard é o retrato de uma Dinamarca em ascensão, com potencial para ser mais que a Euro 2020
Aos 20 anos, Damsgaard tomou a posição durante a Euro e é um forte candidato a melhor jovem do torneio

Mikkel Damsgaard sentiu o gosto de se colocar como herói na semifinal da Eurocopa, pelo menos durante um punhado de minutos. O garoto já vinha fazendo uma competição em altíssimo nível e pegou na veia em sua cobrança de falta, para balançar as redes da Inglaterra pela primeira vez nesta Euro. Se há uma demora de Jordan Pickford em partir para a bola, os méritos são bem maiores do atacante em sua batida forte e venenosa no alto da meta. No fim, a Dinamarca acabaria tomando a virada na prorrogação, com um pênalti difícil de tragar. Mas a avaliação da campanha dos escandinavos é pra lá de positiva. Saem como a mais grata surpresa da Euro 2020, com uma superação imensa além dos gramados e com talentos para render mais. Como o próprio Damsgaard, tão bem no torneio, mesmo completando 20 anos neste início de julho.
Quando a Dinamarca chegou a Eurocopa, já dava para fazer uma avaliação interessante da seleção. Ao menos classificá-la como promissora. Os alvirrubros contavam com duas figuras principais, em Christian Eriksen e Kasper Schmeichel. Ainda assim, o elenco se via recheado de bons talentos com no máximo 25 anos. Damsgaard era uma dessas figuras, mesmo a princípio como coadjuvante. Outros como Andreas Christensen, Pierre-Emile Hojbjerg e Joakim Maehle vinham para gravar seus nomes na cabeça de muita gente. E o retrospecto pesava favoravelmente, considerando a boa sequência recente dos dinamarqueses. Nos jogos prévios desde 2020, apenas a Bélgica havia derrotado os escandinavos, pela Liga das Nações. O cartel de vitórias incluía entre as vítimas Suécia, Áustria e a própria Inglaterra – com o triunfo por 1 a 0 em Wembley no último mês de outubro.
A diferença entre ter potencial e fazer acontecer numa competição como a Eurocopa é bastante grande. Ainda assim, a Dinamarca apresentava talentos o suficiente pelo menos para ganhar maturidade no torneio continental. E tal processo seria forçado da pior maneira, com o colapso de Eriksen, antes da absurda postura da Uefa em forçar o restante do jogo contra a Finlândia. Os dinamarqueses perderam na estreia, sem qualquer clima para estar em campo. Porém, ganhariam um motivo a mais para lutar, especialmente diante das boas notícias sobre a recuperação de seu camisa 10.
O ambiente nos vestiários é sempre importante para potencializar um bom time nestas competições de tiro curto. E a positividade ao redor da Dinamarca era expressa, assim como a gana de dar a volta por cima. Mesmo com a derrota, a atuação contra a Bélgica pela segunda rodada foi digna de aplausos. Damsgaard ajudou a mudar o time naquele jogo. Sem sair do banco contra a Finlândia, o garoto começou como titular e causaria um alvoroço na defesa belga, sem se intimidar. Partiu para cima da marcação e ganhou quase todos os duelos. A Eurocopa começava em grande estilo para ele e, a partir daquele momento, de fato, também para o resto dos dinamarqueses.
Um dos trunfos desta Dinamarca foi contar com diferentes jogadores que corresponderam no momento necessário. Kasper Dolberg e Yussuf Poulsen são dois bons exemplos no ataque. Maehle também, muito participativo no apoio e se encaixando nas duas laterais. O próprio Hojbjerg não deixou o nível cair, formando uma dupla complementar ao lado de Delaney. E, mesmo sendo o mais jovem do grupo, Damsgaard se tornou uma das melhores novidades possíveis aos dinamarqueses. Não sentiu o peso da responsabilidade e surfou no embalo da equipe treinada por Kasper Hjulmand.
A boa partida contra a Bélgica seria reforçada na goleada diante da Rússia, que valeu a classificação. Damsgaard anotou seu gol e de novo se apresentaria bastante. Diante de Gales, o novato contribuiu com assistência para a goleada e seria brilhante na criação. Isso antes de cair um pouco diante da República Tcheca, sua atuação mais tímida na competição, mas que ainda assim forçou defesas do goleiro Tomás Vaclík. Intocável na equipe, mesmo sem aguentar o jogo todo, inspiraria cuidados contra a Inglaterra.
O golaço de Damsgaard cobrando falta foi seu ponto alto em Wembley. O jovem demonstrou uma bela técnica, num tiro potente e que fez uma trajetória difícil de ser defendida, entre ganhar altura rapidamente para vencer a barreira e cair com tudo para dentro da meta. Pickford, um segundo atrasado, só encostou na bola sem defender. Além disso, o atacante contribuiu para o bom momento da Dinamarca durante o primeiro tempo, dando opções aos passes e organizando o setor ofensivo. Saiu quando caiu de ritmo no segundo tempo, mas ainda deixando a impressão de que poderia fazer mais.
Damsgaard termina a Eurocopa com oito partidas disputadas pela seleção, cinco somente no torneio. Indica que muito mais vem no futuro. E mesmo nos clubes, o ponta merece atenção. Cria do Nordsjaelland, onde foi lançado como profissional pelo próprio Kasper Hjulmand, o garoto precisou de três temporadas para virar destaque no Campeonato Dinamarquês. Colecionando 13 gols e 21 assistências pelo clube sem nem ter completado 19 anos, saiu a peso de ouro para a Sampdoria. E os €6,7 milhões pagos pelos blucerchiati começaram a se justificar logo, com o prodígio se tornando uma das revelações do time na última Serie A, mesmo sem ser titular absoluto com Claudio Ranieri. Até pelo que fez na Euro, as expectativas por vê-lo serão maiores e Roberto D'Aversa deverá utilizá-lo mais vezes nesta renovação dos genoveses.
E se Damsgaard sai da Eurocopa como um protagonista ao futuro da Dinamarca, outros mais o deverão acompanhar. Dos titulares nesta Euro, apenas Kasper Schmeichel e Simon Kjaer passaram dos 31 anos. De resto, uma boa parte da base principal está com seus 20 poucos anos e tem lenha para queimar. Este grupo inclui alguns destaques, como Dolberg e Maehle. Porém, também traz gente que pode render mais do que se viu no torneio – como Andreas Skov Olsen, Mathias Jansen e Jonas Wind, com participações relativamente tímidas ao longo da competição. Há ainda as promessas saindo do forno após o bom papel do país na recente Euro Sub-21, como o ótimo meia Jesper Lindstrom e o atacante Jacob Bruun Larsen. A sensação é de que os dinamarqueses podem manter a toada nos próximos anos, demonstrando que esta campanha não foi um ponto fora da curva.
Obviamente, repetir uma semifinal de Eurocopa não é nada fácil. Depende do momento e do próprio chaveamento. De qualquer maneira, a Dinamarca tem capacidade para frequentar as competições internacionais consecutivamente. Depois das ausências na Copa de 2014 e na Euro 2016, a classificação para o Mundial de 2018 já tinha seu significado, até por encerrar um hiato de mais de uma década sem que a seleção também aparecesse nos mata-matas de um grande torneio. A Euro 2020 ratifica essa ascensão e deixa um gosto por mais.
O grupo da Dinamarca nas Eliminatórias para a Copa de 2022 é acessível, com Áustria e Escócia surgindo como potenciais concorrentes. Ainda assim, a goleada por 4 a 0 em Viena na última Data Fifa aponta que dificilmente um dos perseguidores derrubará o favoritismo dos escandinavos. Desta forma, é bem provável que os dinamarqueses pintem no Catar, com os mesmos destaques da Euro 2020 e seus jovens jogadores mais talhados em seus clubes. Dá para acreditar que esse grupo poderá render um pouco mais de orgulho aos seus compatriotas. Damsgaard talvez chegue maior no Mundial, para mostrar como seu talento pode garantir mais resultados notáveis à sua seleção.