Chiellini e Bonucci contra Busquets e Alba: A tetralogia de Itália x Espanha na Euro traz os quatro medalhões como peças centrais
Itália e Espanha se pegarão pelo quarto mata-mata de Eurocopa consecutivo, com os quatro veteranos marcando esta história
Pela quarta Eurocopa consecutiva, Espanha e Itália medirão forças num duelo de mata-matas. A Azzurra esteve no caminho do bicampeonato espanhol em 2008 e 2012, com vitória apertada nos pênaltis pelas quartas em 2008 e depois um baile na decisão de 2012. Já em 2016, os italianos conseguiram sua revanche nas oitavas e encerraram a passagem de Vicente del Bosque pela Roja. Curiosamente, esta história ainda sustenta personagens em comum. Giorgio Chiellini disputou as três partidas decisivas anteriores, com Leonardo Bonucci o acompanhando nas duas últimas. Do outro lado, Sergio Busquets e Jordi Alba também estiveram nas duas mais recentes. Veteranos que praticamente definem uma era em suas seleções e seguirão como protagonistas em Wembley, nesta semifinal de 2020.
A trajetória de Chiellini e Bonucci pela seleção italiana é mais acidentada. Os dois zagueiros chegaram à equipe nacional num rabo de foguete, com a missão de carregar o legado da geração tetracampeã do mundo em 2006. Os dois zagueiros fazem jus à escola tradicionalíssima da Itália na defesa, mantendo o alto nível de seus antecessores na conquista da Copa do Mundo. Porém, o caminho foi tortuoso. A final da Euro 2012 é exatamente o feito mais relevante da Azzurra neste ínterim. Nas três últimas Eurocopas, o país não fez tão feio. Mas cair na fase de grupos em dois Mundiais seguidos e depois sequer se classificar à Copa de 2018 é algo que feriu o orgulho dos italianos. Por isso mesmo, a recuperação na atual campanha significa tanto.
Chiellini e Bonucci, afinal, formavam um quarteto que entrou para a história da Serie A e, mesmo sem troféu, também da seleção. Ao lado de Gianluigi Buffon e Andrea Barzagli, os juventinos compuseram um dos melhores sistemas defensivos da última década. Os dois últimos, mais velhos e campeões do mundo, estariam presentes até a Euro 2016. Coube a Chiellini e Bonucci permanecerem como herdeiros dessa tradição. E a experiência de ambos é valiosa para que o jovem time de Roberto Mancini também tenha mais casca nessa Euro 2020. Os dois parecem determinados a perseguir a grande conquista que tanto falta a eles pela seleção. Determinados a levar de volta uma Eurocopa para a Itália depois de 53 anos.
Busquets e Alba vivem uma realidade bastante distinta. Afinal, os dois foram acréscimos excepcionais a uma Espanha que arrebatava todos os títulos possíveis. Nenhum deles esteve presente na Euro 2008, que iniciou a série vitoriosa sob as ordens de Luis Aragonés. Busquets decolou nas mãos de Pep Guardiola no Barcelona e virou o substituto perfeito para Marcos Senna na cabeça de área durante a Copa de 2010. Enquanto isso, Alba despontou no Valencia para assumir o posto de Joan Capdevilla na lateral esquerda durante a Euro 2012. E não dá para negar que o camisa 18 elevou o potencial ofensivo do time, se comparado ao seu antecessor.
Com o passar dos anos, Busquets e Alba deixaram o posto de coadjuvantes para se tornarem protagonistas. A despedida dos antigos companheiros de seleção espanhola aumentou a responsabilidade, assim como os fracassos do time nas últimas competições internacionais forçou tal processo. A Copa de 2014 foi um vexame, a Euro 2016 terminou de forma insuficiente, a Copa de 2018 evidenciou uma bagunça. Hoje, a Roja dirigida por Luis Enrique possui uma equipe bem diferente daquelas comandadas por Vicente del Bosque – ainda mais com a ausência de Sergio Ramos. Busquets e Alba são o elo com o passado, mas com a missão de liderar companheiros bem menos tarimbados a escrever uma nova história.
Os três mata-matas anteriores
A Euro 2008 foi a primeira competição internacional de Chiellini. E o zagueiro de 23 anos se tornaria titular, por uma conjunção de fatores. Fabio Cannavaro se lesionou num treino preparatório e deixou uma enorme lacuna. Já na estreia, Barzagli e Marco Materazzi tiveram uma atuação desastrosa na derrota por 3 a 0 contra a Holanda. Com isso, o técnico Roberto Donadoni alçou Chiellini na equipe ao lado do veterano Christian Panucci. Conseguiriam dar segurança para que a Azzurra alcançasse as quartas de final. Porém, neste jogo viria a eliminação para a Espanha. Chiellini cumpriu sua parte e terminou o torneio bem avaliado, com apenas um gol sofrido pelos italianos nas três partidas em que atuou. Todavia, nos pênaltis, Iker Casillas classificou os espanhóis.
Os quatro anos passados até a Euro 2012 fizeram uma diferença tremenda para as equipes. A Espanha levou o título continental e também o mundial, virando o time a ser batido sob as ordens de Vicente del Bosque. A Itália sucumbiu cedo na Copa de 2010 e tateava um novo caminho sob as ordens de Cesare Prandelli. Aos 27 anos, Chiellini já era um dos mais experimentados daquele elenco e jogava na lateral esquerda. Ganhava a companhia de Bonucci, em franca ascensão com a Juventus, aos 25 anos. Do lado oposto, Busquets virava um nome imprescindível e Alba se tornava a grande adição espanhola para aquela Eurocopa. Na fase de grupos, Itália e Espanha não saíram do empate. O reencontro ficaria para a decisão.
A Espanha podia ser a favorita na final da Euro 2012 em Kiev. No entanto, a Itália apresentou um futebol mais convincente nos mata-matas. Os problemas dos italianos começaram logo cedo, aos 14 minutos, quando David Silva abriu o placar após uma jogada de Cesc Fàbregas para cima de Chiellini. E a casa caiu de vez aos 21, quando o lateral se lesionou, substituído por Federico Balzaretti. Alba ampliou antes do intervalo e, no início do segundo tempo, a Azzurra precisou se virar com um homem a menos depois que Thiago Motta se lesionou quando Prandelli já tinha feito as três substituições. Foi a chave para que a Roja tivesse muito mais pernas no fim e concluísse a goleada por 4 a 0. Alba seria um dos melhores em campo para consagrar o título espanhol, numa noite regular de Busquets na cabeça de área. Já a imagem que ficava aos italianos era o choro desconsolado de Chiellini ao receber a medalha de prata.
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Em 2016, por fim, o sentimento ao redor dos times voltou a mudar. A Itália repetia o BBC na defesa, com Buffon no gol, mas contava com uma equipe bem mais limitada do meio para frente. A Azzurra manteve suas esperanças naquela competição graças ao excepcional trabalho coletivo de Antonio Conte e à enorme dose de vibração que existia após a queda precoce na Copa de 2014. Já a Espanha vinha em dois anos que soavam perdidos. Mesmo com a eliminação patética no Mundial do Brasil, Del Bosque era mantido no cargo. A renovação não era completa e o time não transmitia confiança em campo. Dentre as poucas certezas estavam a manutenção de Busquets na cabeça de área e de Alba na lateral esquerda.
A Espanha veio de uma fase de grupos morna, em que perdeu para a Croácia. Já a Itália excedeu as expectativas ao derrotar a Bélgica logo na estreia e chegar embalada, mesmo com seu time misto sendo batido pela Irlanda. A noção de superação ficou aos italianos nas oitavas, com o triunfo por 2 a 0 sobre os espanhóis. A Azzurra faria uma exibição praticamente perfeita na defesa, a ponto de Bonucci acabar eleito como o melhor em campo. Todavia, o placar foi aberto por Chiellini, numa redenção em relação à tristeza de quatro anos antes. Alba teria uma participação apagada, Busquets basicamente apareceu quando recebeu o amarelo por reclamação. A volta por cima dos italianos, contudo, parou na queda diante da Alemanha nas quartas de final.
Como os medalhões chegam à semifinal
Já nesta Euro 2020, as percepções mudaram um pouco. Mas sem que nenhum dos quatro envolvidos perdesse importância. Pelo contrário, chegam como personagens centrais à semifinal. Aos 36 anos, Chiellini mantém a titularidade da Itália. Mais do que isso, com 110 jogos pela Azzurra, o beque usa a braçadeira de capitão. Os recorrentes problemas físicos fizeram com que o veterano atuasse pouco pela Juventus nas duas últimas temporadas e, mesmo nesta Eurocopa, o tiraram de duas partidas. Quando esteve em campo, ainda assim, foi um dos melhores de sua posição no torneio. A firmeza e a energia de sempre permanecem lá, com uma vontade extra demonstrada a cada dividida. O capitão já disse que essa é sua última oportunidade pela seleção. Vem sendo a melhor de todas.
Ao seu lado, Bonucci consegue disputar uma Eurocopa ainda mais superlativa. As dúvidas sobre o zagueiro não eram exatamente físicas, mas técnicas, considerando como sua carreira estagnou na infeliz decisão de passar pelo Milan. Nesta Eurocopa, entretanto, Bonucci resgata seu melhor futebol – aquele visto no auge com a camisa da Juventus. O camisa 19 é importante não apenas por tomar conta da zaga e garantir segurança, mas também por iniciar a construção de jogo e apostar em seus lançamentos rumo ao ataque. Uma equipe técnica como esta Itália de Roberto Mancini se beneficia de um beque como Bonucci. O italiano segue uma classe acima por sua qualidade com a bola, mesmo aos 34 anos.
Na Espanha, Busquets pode ser considerado o grande responsável pelo impulso da Espanha na Euro 2020. O volante é o homem de confiança de Luis Enrique neste ciclo e isso ficou claro com a decisão do treinador de mantê-lo no elenco, mesmo depois de contrair COVID-19. O volante voltou não apenas já como titular e capitão, mas sendo um dos melhores em campo na goleada sobre a Eslováquia. Contra a Croácia, levou até o prêmio da Uefa. É o esteio da equipe na cabeça de área, transmitindo segurança e permitindo que seus companheiros se soltem mais rumo ao ataque. Taticamente, poucos são tão bons. A influência é evidente – na construção, na distribuição, na recuperação. A Roja claramente cresceu com seu retorno.
Já na lateral esquerda, Jordi Alba permanece como um dos melhores de sua posição aos 32 anos. A concorrência na Espanha é pesada, não apenas por José Gayà no banco, mas pelos próprios nomes que sequer foram convocados – como Sergio Reguilón e Angeliño. Pois o veterano justifica a titularidade, mesmo sem ser o atleta mais querido por Luis Enrique, dados entraves anteriores entre os dois. Alba era um dos melhores do time quando os espanhóis não jogaram bem e, embora sacado contra a Croácia, voltou para ser decisivo na classificação ante a Suíça. Poucos jogadores no time possuem sua precisão na criação. Por isso mesmo, tantas vezes os passes procuram o lateral esquerdo para algo diferente.
Para Chiellini e Bonucci, a Eurocopa é bem mais uma obsessão do que para Alba e Busquets. Os espanhóis tentam uma história vitoriosa a mais, em trajetórias já marcadas para sempre em suas seleções. Os italianos querem o troféu que realmente justifique suas grandezas. E tal motivação pôde ser vista após a vitória sobre a Bélgica nas quartas de final, quando os dois medalhões pularam no meio da galera para celebrar. Ainda que existam muitos antecedentes para este Espanha x Itália, a régua nas duas seleções hoje parece diferente. Há algo a mais na Azzurra, quem sabe para igualar o placar em 2×2 nestes quatro mata-matas seguidos. Difícil superar a importância daqueles 4 a 0 de 2012. Mas para os dois times e principalmente para os quatro medalhões, já no fim de suas caminhadas pelas seleções, nada é mais valioso que o presente.