A Euro sentirá falta da torcida da Irlanda
Alegres, fanáticos e bebedores inveterados, os irlandeses fazem uma bela farra - mas exageram nas doses, e quase precisei bater em um com um cabide

A Euro vem aí e traz muitas lembranças. Tive a felicidade de cobrir duas Euros nos locais, em 2008 (Suíça e Áustria) e 2012 (Polônia e Ucrânia). A festa é incrível, e a facilidade de deslocamento dentro do continente europeu possibilita uma presença massiva de torcedores de todos os países.
Em 2012, a torcida que mais chamou a atenção foi a da Irlanda. Ainda que o time tivesse perdido todos os jogos no grupo C, para Croácia, Espanha e Itália, os irlandeses levaram o prêmio de melhor torcida.
Os caras são imbatíveis em dois quesitos: cantoria e bebida. Comentei a partida entre Espanha e Irlanda, disputada em Gdansk , Norte da Polônia, terra do sindicato Solidariedade e de Lech Walesa. Gdansk faz parte de uma região metropolitana que os poloneses chamam de As Três Cidades, junto a Sopot e Gdynia. Sopot é uma das maiores baladas da região do Báltico e atrai jovens de vários pontos da Europa, em especial da Suécia e da Finlândia. Além, claro, de muitos poloneses. A rotina é tentar uma praia durante o dia (mesmo no verão faz muito frio) e cair na noite, que não tem hora para acabar.
Os irlandeses invadiram Sopot, porque a cidade reunia tudo que eles mais gostam: festa e bebida. Claro que houve problemas, porque beber no caso dos irlandeses é tipo o esporte nacional, e os caras são a Champions League. Apesar dos exageros, a maioria desfruta do futebol e canta a valer nos estádios.
A Espanha venceu os irlandeses por 4 a 0, sem muito esforço, com gols de Fernando Torres, Davi Silva e Fábregas, em 14 de junho de 2012. Mas o assunto do jogo em Gdansk foi a festa da torcida irlandesa. Em certo momento, a transmissão da Uefa esqueceu da bola rolando e passou a mostrar a cantoria dos irlandeses e as fantasias incríveis de alguns deles, entre elas as de “leprechauns”, os duendes da mitologia irlandesa.
Jogo terminado, a galera irlandesa tomou as ruas de Sopot e tudo que havia para ser bebido.
Trabalho encerrado, nossa equipe jantou e cada um foi para seu quarto de hotel. O meu ficava em um prédio afastado da estrutura principal, num pequeno edifício de apartamentos de dois andares. Sono alto, escuto o ruído de alguém mexendo na maçaneta da porta. Penso que estou sonhando, e volto ao reino de Morfeu. Mas o ruído continua, cada vez mais alto, agora com uma tentativa de forçar a abertura. Sempre passo o trinco nas portas, e aquela tinha acesso por meio de um cartão digital. Levantei-me da cama e fui em passos de algodão até a porta.
Pelo visor, identifico um irlandês, ruivo até o último fio dos cabelos, vestindo a camisa verde da seleção e tentando abrir a porta. Vou até o armário e pego um daqueles cabides de madeira de hotel que servem para paletós, de madeira grossa e pesada. O duende do lado de fora insiste, e eu preparo o bote. Fico ao lado da porta, abro e quando ele tenta dar o primeiro passo, levanto o cabide e grito: “what the fuck do you want? (que porra você quer?)”.
O pobre irlandês deve ter ficado apavorado com minha figura descabelada, aos berros e com um potente cabide às mãos. Apavorado, ele deu dois passos para trás, quase caiu pela escada e saiu correndo, gritando “sorry, sorry, wrong room, wrong room! (desculpe, desculpe, quarto errado!).
Enfrentei a madrugada gelada de Sopot e fui até a calçada me certificar de que o “leprechaun” baludo (gíria para bêbado em minha Bariri) tinha realmente sumido do mapa. Pelo estado etílico, o sujeito dificilmente encontrou seu hotel e deve ter retornado para o agito de Sopot e um último gole.
Lembranças de uma Euro.