Eurocopa 2024

A Alemanha eliminada na Euro 2020 foi um retrato dos últimos anos de Löw: faltaram soluções, sobrou comodismo

Diante da falta de perspectivas ao redor da seleção, alguns apostavam numa hecatombe até pior, mas ficou mesmo o fim insosso de um time inconstante

A Alemanha se despede da Euro 2020 nas oitavas de final, derrotada pela rival Inglaterra dentro de Wembley. O desempenho passa longe do que se espera da Mannschaft, por sua história e pela qualidade de seu elenco. No entanto, considerando o ciclo anterior ao torneio continental, nem parece um resultado tão ruim assim. Muita gente temia uma hecatombe ainda na fase de grupos. Se o desastre não se cumpriu, a campanha insossa também não surpreende diante daquilo que se viu nos últimos anos de trabalho de Joachim Löw. A pá de cal na passagem do treinador à frente do Nationalelf nada mais é do que um retrato ao que os alemães se acostumaram a ver nas grandes competições durante os últimos cinco anos: um time incapaz de pisar no acelerador em momentos decisivos, que gira em círculos ao redor de suas deficiências e que se afunda em sua própria apatia.

A Euro 2016 é um tanto quanto enganosa, apesar da campanha rumo às semifinais. A Alemanha não teve grandes atuações naquele torneio, ainda que sua melhor apresentação acabasse ocorrendo na semifinal diante da França. Havia um desgaste evidente ali, mas era compreensível insistir em Joachim Löw. A Copa do Mundo de 2018, então, seria o ponto baixo da Mannschaft. As atuações ruins indicavam uma equipe que não dava liga e se complicava em seus muitos erros. A demissão do treinador se tornava mais plausível, mas a DFB insistiu. E o erro ficou mais claro nos últimos três anos, com uma equipe pouco competitiva especialmente nos jogos grandes. A Liga das Nações viu campanhas medíocres dos alemães, em especial pelos 6 a 0 da Espanha.

Apesar da falta de autocrítica ao longo dos últimos anos e da postura que empurrava os problemas aos outros, Löw finalmente tomou uma decisão pertinente ao anunciar sua saída após a Euro 2020. A notícia podia deixar o ambiente no Nationalelf mais leve, ainda mais pelos retornos de Mats Hummels e Thomas Müller à equipe nacional, depois do exílio forçado pelo comandante. Contudo, a derrota para a Macedônia do Norte pelas Eliminatórias indicava um sinal de alerta antes da Eurocopa. E o Grupo F não concederia muita colher de chá, considerando as dificuldades que o time encararia diante de França, Portugal e Hungria.

No papel, a Alemanha é uma seleção com recursos, ainda que carente em certas posições. E a decisão tática de Löw em apostar num 3-4-3 não parecia de todo ruim, considerando a maneira como aproveitaria os mecanismos que alguns jogadores tinham à disposição nos clubes, apesar da falta de tempo para trabalhá-lo melhor. Entretanto, o esquema não se encaixou por completo e a inconstância era o único padrão da Mannschaft. A estreia contra a França guardou uma equipe vulnerável e pouco inventiva no ataque, que ainda acabava exposta à lentidão e não encontrava tanta participação de sua trinca de atacantes na hora de propor o jogo.

Contra Portugal, a Alemanha precisava de uma resposta. E o time conseguiu amassar os atuais campeões durante 60 minutos, num resultado que permitiu a vitória por 4 a 2. A liberdade aos alas funcionou muito bem e havia mobilidade na faixa central. Ficava uma dúvida, porém: foi um encaixe geral do time ou apenas um fato isolado contra determinado adversário? A resposta viria diante da Hungria, em noite pouco intensa da Mannschaft. A equipe sofreu durante quase todo o confronto e salvou o empate por 2 a 2 durante os minutos finais, quando se contentou com aquilo mesmo. A classificação, ao menos, estava nas mãos. E parecia ser suficiente a uma seleção sem transparecer grandes ambições dentro da competição.

Löw insistiu no 3-4-3, quando estava provado que o sistema não solucionava os problemas defensivos e não garantia necessariamente tanta voracidade no ataque. Leon Goretzka entrou no meio-campo como uma novidade mais que necessária no lugar de Ilkay Gündogan, em queda desde o final de uma ótima temporada com o Manchester City. Já na frente, Timo Werner foi a escolha na vaga de Serge Gnabry, que não rendeu bem na fase de grupos. A Alemanha parecia disposta a atuar de uma maneira mais vertical contra os ingleses, o que até rendeu bons lances nos primeiros minutos, mas deixava a equipe no limite do risco defensivamente.

Werner teria a grande chance do primeiro tempo, quando parou em Jordan Pickford. Entretanto, a Inglaterra deu alguns sustos na bola aérea contra uma Alemanha que se permitiu acuar. Não fosse a demora de Harry Kane na conclusão durante o fim da primeira etapa, que garantiu o carrinho salvador de Hummels, o estrago poderia ter sido feito ali. Já na segunda etapa, a Mannschaft partiu mais para o ataque, mas não que abafasse como no duelo diante de Portugal. Quando surgiu uma chance, foi mais por espaço na sobra do que por construção coletiva. Kai Havertz chutou com raiva e Pickford operou grande defesa. Faltava mais criatividade, mesmo tendo Kimmich ou Kroos à disposição na armação.

Num jogo cauteloso, não parecia que o gol da Alemanha surgiria naturalmente. Em compensação, a falta de confiança na marcação deixava o time ainda vulnerável a qualquer lance mais contundente. E foi isso que aconteceu nos dois gols da Inglaterra, quando as trocas de passes envolveram a marcação germânica, permitindo que o triunfo fosse consumado. O buraco do lado direito da defesa é algo mais que conhecido. Quando a exposição se tornou flagrante, os Three Lions puniram os rivais com gosto. Mas não que a culpa seja de Kimmich ou Matthias Ginter. Pelo contrário, foi como um efeito dominó até desembocar ali. Sem combatividade na cabeça de área, os britânicos rodaram a bola como bem entenderam e viram a marcação ruir, com vários jogadores germânicos fora de posição para preencher os buracos. Em vão.

A história do jogo poderia ter sido diferente não fosse o gol perdido por Thomas Müller, é fato. O atacante disparou em velocidade e se afobou um bocado na hora de definir, sem observar corretamente a posição de Pickford ao bater para fora. Mas se o gol de empate mudaria o placar, ele não parece suficiente para transformar uma partida fraca como um todo dos alemães. Foi um lance pontual de um time que também não apresentaria nada de bom mesmo quando precisava pressionar nos minutos finais. Era como um filme repetido, diante do que ocorreu em outras ocasiões, em especial na Copa de 2018.

Löw também não se saiu bem nas suas alterações. Gnabry entrou no lugar de Werner aos 23 do segundo tempo, uma escolha plausível diante do parco impacto do atacante do Chelsea. Porém, o comandante só realizaria novas trocas depois do segundo gol, aos 42 da segunda etapa. E a insistência em Emre Can soa ainda mais absurda, não apenas pela temporada ruim do jogador no Borussia Dortmund, mas também pelo efeito nulo que ele poderia gerar em Wembley. Leroy Sané igualmente não vem num momento suficiente para intimidar tanto. Por fim, o promissor Jamal Musiala, que foi importante contra a Hungria, ganharia ínfimos dois minutos para mal aparecer no vídeo. Deveria ter entrado bem antes, até por ter características únicas no elenco para o setor de criação.

Fica difícil de salvar alguma coisa desta Alemanha na Euro 2020. Alguns jogadores se saíram bem contra Portugal e ficaram nisso, como Robin Gosens, de participação limitada no restante das partidas. Kimmich, por sua vez, acabou sobrecarregado e mal aproveitado, como em 2018. Havertz se safou um pouco mais no ataque, enquanto Goretzka deixou a impressão de que seria protagonista em condições físicas melhores. Manuel Neuer pouco pôde fazer nos gols sofridos e Toni Kroos não passou da burocracia de sempre. Por fim, daqueles que voltaram à equipe, Hummels teve um torneio razoável mesmo com as falhas em lances decisivos, consertando a trinca de zaga em diferentes momentos. Já Müller, numa equipe que não favorecia seu jogo, encontrou dificuldades para corresponder às expectativas criadas. É mais um coadjuvante que um protagonista.

Historicamente, a Alemanha é uma seleção que consegue ser competitiva apesar dos nomes à disposição. Essa não é a pior geração da Mannschaft, longe disso, até comparando com as equipes que naufragaram na Eurocopa durante o início do século. Porém, os nomes à disposição não parecem suficientes para gerar um time realmente competitivo pelos entraves no comando. Faltam lideranças em campo e falta uma dose maior de energia nas grandes competições, como era na ascensão rumo ao título da Copa do Mundo de 2014. Não contar com jogadores como Philipp Lahm, Bastian Schweinsteiger e Miroslav Klose é uma lacuna, claro. Mas a impressão é de que dava para tirar muito mais desse grupo, com um técnico que cobrasse mais intensidade e trouxesse soluções imediatas aos problemas vistos em campo. Os últimos sete anos com Löw são de comodismo.

A melhor notícia para a Alemanha com a eliminação é que, depois de 15 anos, a passagem de Joachim Löw chega ao fim. Assim como Vicente del Bosque, o treinador não deve ter desconsiderados seus feitos à frente da equipe nacional por conta do péssimo fim de ciclo. A maneira como manteve a empolgação depois da Copa de 2006 e botou na história uma geração talentosíssima que criou casca até a conquista do Mundial em 2014 está gravada. Contudo, desde então, o Nationalelf pareceu se contentar com isso. E as dificuldades de renovação não foram necessariamente por conta de nomes. Que alguns craques sejam insubstituíveis, dava para buscar algo diferente com os novos talentos que surgiram. Muito mais problemáticas foram as renovações de ideias e de energias dentro do ambiente da seleção – como se escolher os bodes expiatórios após o vexame em 2018 fosse suficiente para aliviar o clima.

E a esperança da Alemanha se renova desde já, com a chegada de Hansi Flick para ser o treinador do time durante os próximos anos. O antigo assistente de Löw conhece o ambiente da seleção como poucos e teve influência no acerto da equipe tetracampeã em 2014. Possui um ótimo trato com vários jogadores, sobretudo seus conhecidos no Bayern de Munique, e também tem tato para lançar novos talentos. Para o nível do futebol de seleções, contar com um técnico do calibre de Flick parece um luxo. Até por isso, dá para acreditar que o novo comandante encerrará o marasmo dos últimos anos, especialmente com a Euro 2024 acontecendo no próprio país. Quem sabe, para gerar uma onda positiva como aquela de 2006. Time para fazer bons papéis a Mannschaft tem. Mas precisava se desgarrar daquilo que foi certo por um tempo, mas só repetiu a frustração nas competições mais recentes.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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