Europa

Depois de 19 anos longe de suas raízes, o AEK Atenas viveu uma emocionada volta para casa com a inauguração de seu novo estádio

O AEK Atenas precisou se afastar de seu bairro originário em 2003 e enfrentou muitos problemas, até finalmente inaugurar um estádio moderno nesta semana

O AEK Atenas disputou a partida mais importante de sua história recente nesta segunda-feira. Podia parecer somente uma rodada a mais do Campeonato Grego, com a goleada por 4 a 1 sobre o lanterna Ionikos. Porém, era uma das ocasiões mais aguardadas pela torcida, com a volta para casa. Durante 19 anos, os aurinegros não atuavam em Nea Filadelfeia, o subúrbio ateniense onde o clube se estabeleceu a partir dos anos 1920. O antigo estádio do time foi afetado por um terremoto em 1999, usado sob condições limitadas até 2003 e demolido sob a promessa de que uma nova arena seria construída às vésperas das Olimpíadas de 2004. Desde então, o AEK travava uma queda de braço com o poder público e com suas próprias limitações econômicas, chegando a falir, enquanto sua equipe precisou rodar por nove estádios diferentes. Neste final de semana, enfim, os atenienses voltaram às raízes. O novo Estádio Agia Sofia foi inaugurado numa grande cerimônia e o primeiro jogo oficial teve sua celebração nesta segunda, com arquibancadas cheias e grande comoção.

A história de desterro do AEK Atenas está presente desde as origens do clube. A agremiação foi estabelecida por gregos ortodoxos que moravam no atual território turco e acabaram expulsos do país em decorrência da Guerra Greco-Turca, travada de 1919 a 1922. Muitos refugiados passaram a ocupar a região de Nea Filadelfeia e criaram o clube em 1924. Em seu próprio nome, o AEK traz uma referência à “união atlética constantinopolitana”, já que a maioria dos fundadores antes viviam em Constantinopla, atual Istambul. Muitos dos primeiros membros faziam parte do Pera Sports Club, time relevante de Istambul nas primeiras décadas do Século XX. Além do mais, os próprios símbolos ressaltavam a identidade, como a águia de duas cabeças da Igreja Ortodoxa Grega. Não demorou para que os aurinegros se tornassem bastante populares.

De início, o AEK Atenas atuou em diferentes campos, incluindo um terreno ao lado das ruínas do Templo de Zeus Olímpico. Em 1926, os aurinegros ganharam do governo um espaço em Nea Filadelfeia para estabelecer suas atividades, bem no seio da comunidade refugiada. Por lá seria construído o Estádio Nikos Goumas, casa da equipe a partir de 1930. Neste palco, o AEK se firmou como um dos clubes mais vitoriosos do Campeonato Grego e também como uma agremiação relevante nas copas europeias. O antigo estádio passaria por expansões e reformas, a última delas em 1998. Todavia, um terremoto de 6.0 de magnitude ocorrido em setembro de 1999 afetou seriamente as estruturas. Os atenienses ainda jogaram por lá de maneira limitada, mas havia a necessidade de demolir a praça esportiva.

Em 2003, o AEK Atenas disputou o seu último jogo no Estádio Nikos Goumas. Existiam muitas promessas na época, diante da mobilização causada pelos Jogos Olímpicos. Com auxílio do poder público, um novo estádio seria construído no local, inclusive a tempo das Olimpíadas de 2004. Porém, isso nunca aconteceu. O AEK passou a atuar em diferentes campos desde então, majoritariamente no recém-inaugurado Estádio Olímpico de Atenas. Já o local da antiga praça esportiva em Nea Filadelfeia se tornou motivo de disputa. A intenção dos aurinegros era erguer sua nova casa no mesmo terreno, mas existiam entraves com a prefeitura e moradores locais. Surgiu também a hipótese de se construir um novo estádio numa região mais afastada.

Paralelamente, a crise econômica afetou em cheio a Grécia e o próprio AEK Atenas. Os aurinegros precisaram declarar falência e se reconstruir a partir da terceira divisão em 2013. O estádio ficava em segundo plano, quando existiam questões bem mais urgentes. Aos poucos, os atenienses conseguiram se reerguer e até conquistaram o Campeonato Grego novamente em 2017/18, encerrando um hiato de 24 anos sem o troféu – no primeiro título desde a saída de Nea Filadelfeia. Ainda assim, muitos torcedores não se sentiam em casa no Estádio Olímpico e o clima frio nas arquibancadas afastadas do gramado eram uma reclamação. Não à toa, durante a comemoração daquela taça, a torcida se mobilizou para uma festa no terreno do antigo estádio.

Àquela altura, o AEK Atenas já tinha um projeto concreto para reconstruir seu estádio. Por conta das disputas, a arena precisou ser submetida a uma consulta pública em 2015, bem como às aprovações governamentais. A partir de 2017, enfim, os aurinegros iniciaram as obras. Não seria um processo acelerado, diante da situação financeira da agremiação e mesmo de alguns entraves no projeto, mas os atenienses conseguiram angariar €60 milhões e contaram com um financiamento público de €20 milhões. Seriam cinco anos até que a inauguração ocorresse nesta semana.

O novo estádio se chama Agia Sofia, uma referência à Hagia Sofia, histórica edificação da Igreja Ortodoxa em Istambul que atualmente serve como mesquita. A própria arquitetura do local é inspirada pelo templo. O estádio possui inclusive uma pequena igreja e um museu dedicado a refugiados gregos. Além disso, com 31 mil lugares nas arquibancadas, o local atende aos padrões mais altos determinados pela Uefa e pode receber partidas de primeiro nível das competições europeias. Também há um museu sobre a história do AEK e lojas oficiais do clube, bem como outros comércios.

A inauguração do Estádio Agia Sofia (chamado de OPAP Arena por causa dos naming rights) aconteceu na última sexta-feira. As arquibancadas estiveram lotadas para shows musicais, celebração de antigos ídolos e até mesmo uma cerimônia religiosa. Foi uma maneira de sublinhar a própria identidade dos aurinegros. Já a estreia oficial aconteceu nesta segunda. Antes que a bola rolasse, a torcida realizou um foguetório insano. Em campo, o time também correspondeu, com a goleada por 4 a 1 sobre o Ionikos. Mijat Gacinovic anotou o primeiro gol da nova casa, num belo chute colocado. O sérvio marcaria mais um tento, enquanto Levi García e Sergio Araujo completaram a goleada.

Treinado atualmente por Matías Almeyda, o AEK Atenas ocupa a segunda colocação do Campeonato Grego. Soma 12 pontos, seis a menos que o líder Panathinaikos, com 100% de aproveitamento. A inauguração do Estádio Agia Sofia, sem dúvidas, será uma motivação extra para os aurinegros na sequência da temporada. Também permite um crescimento econômico, pela maneira como a arena poderá ser utilizada. De qualquer maneira, a importância maior está no enraizamento do clube em suas origens. Os atenienses fortalecem seu orgulho e sua caminhada. Não precisarão mais permanecer desterrados na própria cidade, ainda que, para o AEK, ser refugiado é uma questão de identidade. Mas não da maneira como aconteceu por 19 anos.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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