Depois da epopeia na Liga Europa, Salzburg se reafirma com o inédito penta na Áustria
A Áustria conta com uma das ligas nacionais mais tradicionais da Europa. O torneio, criado quando o Império Austro-Húngaro ainda existia, possui mais de um século de história, entremeado por questões geopolíticas e outras particularidades. E neste tempo todo, nunca havia existido um pentacampeão nacional. A maior sequência de títulos era do Austria Viena, quando emendou o tetra até 1981. Nunca havia existido, até este domingo. A goleada do Red Bull Salzburg sobre o Sturm Graz rendeu um inédito pentacampeonato aos Touros Vermelhos. A partir da chegada da empresa de energéticos, o clube não passou mais de dois anos sem levantar a salva de prata desde que chegou ao topo pela primeira vez. São nove títulos em 12 possíveis, em uma hegemonia que se moldou ao longo deste período, dentro das diferentes etapas do projeto.
Especialmente nos últimos três anos, o Salzburg perdeu a prioridade dentro da visão de mercado da Red Bull no futebol. A ascensão do RB Leipzig no Campeonato Alemão se tornou um atrativo maior, até pelas possibilidades de impactar em uma liga mais representatividade e que se torna um trampolim ao sucesso na Liga dos Campeões. O valor gasto em contratações se reduziu em Salzburgo, comparando com os recordes anteriores, e muitos jogadores que se projetaram na Áustria acabaram atravessando a fronteira – a exemplo de Péter Gulácsi, Stefan Ilsanker, Bernardo, Naby Keïta e Dayot Upamecano. Em compensação, os Touros Vermelhos de Salzburg encontraram outras vocações, sem perder a supremacia dentro do Campeonato Austríaco.
Atualmente, o Red Bull Salzburg é um clube ainda mais formador. Há alguns jogadores mais rodados no elenco, mas a base é formada majoritariamente por atletas com 25 anos ou menos. Podem passar o seu auge na equipe, render um dinheiro para alimentar o ciclo ou serem repassados ao Leipzig. E olhando para o que aprontaram os Touros Vermelhos nesta campanha, são vários aqueles que indicam ter capacidade para voos mais altos.
No miolo da zaga, Duje Caleta-Car demonstra uma segurança acima da média, com apenas 21 anos. Já na lateral, Stefan Lainer vai muito bem no apoio e, aos 25, pode buscar mais. O meio tem a intensidade de Amadou Haidara, garoto de 20 anos que talvez seja o substituto perfeito a Naby Keïta. Hannes Wolf e Xaver Schlager são outros que se destacam pela capacidade no apoio, ambos ainda sub-20. Aos 25, Valon Berisha é uma referência técnica. E o ataque possui várias alternativas. Munas Dabbur (25 anos) voltou do Grasshopper, logo assumindo o papel de artilheiro. Hee-Chan Hwang (22) oferece boas variações do jogo, assim como Takumi Minamino (23). Por fim, o norueguês Fredrik Gulbrandsen tem bola para emplacar na Europa, após passar um tempo emprestado ao New York Red Bulls.
À frente do processo, um treinador extremamente promissor. Marco Rose fugia um pouco do perfil de seu antecessor, Óscar García. Vinha para a sua primeira experiência em um clube de primeira divisão, após brilhar nas divisões de base do Salzburg, ao conquistar a Uefa Youth League – principal torneio continental da base europeia. Pois o início da jornada do novato não poderia ser mais positivo, aprimorando o desempenho de alguns jovens e montando uma equipe com vocação ao ataque, além de um aproveitamento excelente como mandante. O pentacampeonato, consumado com três rodadas de antecedência, soa como natural. São 14 pontos de vantagem em relação ao Sturm Graz, segundo colocado e rival goleado nos 4 a 1 do jogo do título, dentro da Red Bull Arena.
A esta altura, o domínio do Red Bull Salzburg no Campeonato Austríaco não é uma mera questão de investimento no mercado de transferências, mas manutenção das estruturas e trabalho bem feito. O sucesso se mantém justamente por uma filosofia bem implementada, enquanto os esforços dos grandes do país não bastam diante do nível de regularidade atingido pelos Touros Vermelhos. E por mais que as revelações principais acabem se mudando à “matriz” de Leipzig, o nível de excelência não se prejudica tanto assim. Prova maior é o que aconteceu na própria campanha europeia dos Touros Vermelhos.
A queda precoce para o Rijeka nas preliminares da Liga dos Campeões, com dois empates, parecia guardar outra frustração no principal torneio do continente. Já são dez tentativas sem passar à fase de grupos. A Liga Europa, no entanto, se mostrou um prêmio de consolação realmente valioso. O Salzburg permaneceu invicto na fase de grupos. Já nos mata-matas, vieram os resultados históricos contra Real Sociedad, Borussia Dortmund e principalmente a virada sobre a Lazio. Por fim, os Touros Vermelhos foram melhores que o Olympique de Marseille durante boa parte do confronto nas semifinais e se apresentavam prontos à decisão, mas um erro bisonho da arbitragem (que prejudicou os dois lados, diga-se) acabou custando a eliminação na prorrogação. Nada que apagasse, de qualquer maneira, o momento de valorização da equipe.
Por aquilo que aconteceu na Liga Europa, não será surpreendente se o Salzburg for visto menos como um “satélite” do Leipzig, como parecia ser a tendência. Dá para manter as duas equipes paralelamente fortes, por mais que a participação direta da Red Bull tenha diminuído na equipe austríaca. Afinal, a fase de grupos da Champions pode se tornar uma realidade, sem mesmo os riscos das preliminares. Com a campanha histórica de seu representante, a Áustria atingiu o 11° no ranking de países da Uefa. Caso suba uma posição em 2019, poderá colocar seu campeão diretamente na etapa principal da Liga dos Campeões. Seria o ápice da caminhada recente do Salzburg.