Os outros seis confrontos entre City e Bayern foram na fase de grupos – e com um retrospecto equilibrado
Ingleses e alemães jogaram partidas oficiais em 2011, 2013 e 2014 e cada um deles venceu três vezes

O confronto entre Manchester City e Bayern de Munique pelas quartas de final da Champions League que começa nesta terça-feira carrega muitas histórias. A principal é que é um confronto direto entre dois candidatos ao título. Será o reencontro de Thomas Tuchel com Pep Guardiola, após a vitória do alemão na decisão europeia de 2020/21, sob o comando do Chelsea. A primeira vez, em partidas oficiais, que Guardiola enfrenta os bávaros desde que os treinou. A primeira vez que Erling Haaland encara o Bayern desde que saiu do Borussia Dortmund. Entre outras primeiras vezes.
As histórias são mais reservadas a personagens porque os dois clubes não tem um currículo muito grande ou relevante de duelos entre eles. Foram seis ao longo da história, todos na última década e pela fase de grupos da Champions League. Embora estivessem em momentos diferentes, com o Bayern tentando construir hegemonia e o City ainda sendo apresentado à competição, o retrospecto é até equilibrado, com três vitórias para cada lado – as inglesas, porém, saíram sempre na segunda partida, quando os alemães já estavam classificados.
2011/12 – Choque de realidade para o Manchester City

O Manchester City precisou de três temporadas com o dinheiro dos Emirados Árabes à disposição para se reorganizar e terminar o Campeonato Inglês entre os quatro primeiros. Seria sua primeira participação na Champions League desde 1968/69, no ano seguinte a ser campeão nacional com os lendários Joe Mercer e Malcolm Alisson no banco de reservas. Ausência prolongada de competições europeias costuma cobrar um preço quando o clube retorna a elas. Pelo coeficiente baixo, a probabilidade de um grupo mais difícil é maior. E o City não daria sorte nos dois primeiros anos.
O Villarreal não era assustador. Somou zero pontos e foi rebaixado no Campeonato Espanhol naquela temporada. O Napoli, porém, tinha predicados: Edinson Cavani, Marek Hamsik e Ezequiel Lavezzi, o trio que o ajudou a se restabelecer como um clube de elite da Itália. E o Bayern de Munique. Após quase levar a Tríplice Coroa em 2009/10, os bávaros passaram por um período de baixa. A Salva de Prata ficou com o Borussia Dortmund de Jürgen Klopp, e Louis van Gaal foi embora. Jupp Heynckes havia chegado para reerguê-los. Se não conseguiria retomar a Bundesliga, retornaria à final da Champions League em sua primeira temporada.
O Bayern de Munique recebeu os reforços de Rafinha, Jeröme Boateng e Manuel Neuer naquela temporada e abriu a campanha na Champions League derrotando o Villarreal por 2 a 0. O City recebeu o Napoli no estádio Cidade de Manchester e não saiu do 1 a 1 – um resultado que se provaria fatal. O primeiro confronto entre alemães e ingleses aconteceu na segunda rodada. O time de Roberto Mancini já era parecido com o que marcaria aqueles primeiros anos de sucesso. Principalmente depois de contratar Sergio Agüero e Samir Nasri.
O City entrou em campo com Joe Hart no gol, Micah Richards e Gaël Clichy, outro reforço, nas laterais, e Vincent Kompany e Kolo Touré na defesa. O meio-campo tinha Samir Nasri e David Silva responsáveis pela criação, com Gareth Bary e Yaya Touré dando equilíbrio. Agüero fez a dupla de ataque com Edin Dzeko. O Bayern também era muito familiar: Neuer, Rafinha, Van Buyten, Boateng e Philipp Lahm; Luiz Gustavo, Bastian Schweinsteiger, Toni Kroos, Thomas Müller, Franck Ribéry e Mario Gómez. Arjen Robben (para variar) começou a temporada com alguns problemas físicos e ficou no banco de reservas.
Mas, se não tinha o cara que corta da ponta direita para o meio e bate de perna esquerda, tinha o cara que corta da ponta esquerda para o meio e bate de perna direita. Hart fez boa defesa na batida de média distância de Ribéry e depois emendou um milagre à queima-roupa para frustrar Thomas Müller. Exigir uma terceira intervenção era um pouco demais, e Mario Gómez marcou no segundo rebote. O centroavante alemão fez o segundo (pegando outro rebote), ainda no primeiro tempo, e o Bayern de Munique venceu em casa por 2 a 0.
O City fez o que deveria fazer contra o Villarreal, enquanto o Bayern praticamente garantiu a sua vaga empatando em Nápoles e ganhando dos italianos em Munique. Os bávaros resolveram a parada na qinta rodada derrotando os espanhóis, e o City se complicou. A derrota no sul da Itália significava que não dependia mais das próprias forças para avançar às oitavas de final. Precisaria de um tropeço do Napoli no El Madrigal – isso se vencesse o Bayern de Munique.
Jupp Heynckes deu uma mãozinha. Classificado, descansou metade dos seu time titular. Neuer, Lahm, Gómez, Ribéry e Müller ficaram no banco de reservas. O City fez 1 a 0 com um bonito chute rasteiro de fora da área de David Silva, aos 37 minutos do primeiro tempo, e encaminhou a vitória ao ampliar pouco depois do intervalo, com Yaya Touré. Durante alguns instantes, a esperança tomou conta do estádio Cidade de Manchester porque o 0 a 0 perdurava na Espanha. Mas Gökhan Inler abriu o placar para o Napoli, aos 20 minutos da etapa final, e Hamsik fechou o caixão do City.
O alento? Naquela mesma temporada, Alex Ferguson abusou um pouco da sorte e ficou em terceiro lugar em um grupo que tinha Benfica, Basel e Otelul Galati, da Romênia. Os dois times de Manchester caíram para a Liga Europa. Ah, e alguns meses depois Agüero fez um golzinho importante aí.
- - ↓ Continua após o recado ↓ - -
2013/14 – Tudo igual e muito diferente

Quando eles se reencontraram dois anos depois, muita coisa havia acontecido. O Manchester City quebrou um jejum de 44 anos sem títulos ingleses, com aquela reviravolta inesquecível contra o Queens Park Rangers. E Jupp Heynckes saiu de cena no auge, com o título da Champions League e a Tríplice Coroa em 2012/13. Agora, o Bayern de Munique, com a ambição de além de ser campeão jogar um futebol encantador, era treinado por Pep Guardiola. O City também estava sob nova direção, depois de uma temporada em que ganhou apenas a Supercopa da Inglaterra e outra vez não passou da fase de grupos da Champions. Manuel Pellegrini substituiu Roberto Mancini.
A principal novidade dos ingleses naquela mercado era Fernandinho. O meia chegou do Shakhtar Donetsk e começaria a marcar quase uma década de histórica como um dos principais ídolos do clube. Com Guardiola, o Bayern buscava mudar de estilo e precisava de novos intérpretes. Ainda foi um mercado mais calmo (é difícil saber o que melhorar em um time que ganhou tudo), mas Thiago chegou do Barcelona para ajudar Guardiola a passar a sua mensagem. O outro grande reforço foi Mario Götze, do Borussia Dortmund, fechado ainda no fim da temporada anterior – inclusive antes da final europeia.
Depois de dois grupos complicados, o City finalmente se deu bem. Além do Bayern de Munique, teve a companhia de Viktoria Plzen e CSKA Moscou. Eles dominaram a chave sem problemas. Ganharam os quatro jogos contra os outros adversários e trocaram vitórias entre si: o Bayern ganhou em Manchester, o City ganhou em Munique. Os bávaros acabaram ficando em primeiro lugar por causa do saldo de gols do confronto direto.
O primeiro duelo foi realizado na Inglaterra. Os times eram muito parecidos aos de dois anos atrás. No Bayern, as principais mudanças foram David Alaba, mais estabelecido entre os titulares, Dante, que havia chegado para reforçar a defesa, e Robben, com condições de jogo. O City teve Matija Nastasic na defesa, Jesús Navas correndo pela direita e Fernandinho no meio-campo ao lado de Yaya Touré.
Ribéry abriu o placar aos sete minutos. Novamente cortou da esquerda para o meio e soltou a perna direita. Ao contrário daquele lance anterior, para este Joe Hart foi com a mão mole e deixou passar. O Bayern dominou o primeiro tempo, embora tenha marcado apenas uma vez, e ampliou depois do intervalo, com Müller driblando Hart depois de dominar um longo lançamento de Dante. Robben matou o jogo no contra-ataque, e o Bayern teve chance de construir uma goleada. Os donos da casa descontaram com um belo gol de Álvaro Negredo.
A volta, na última rodada, foi diferente. Ambos estavam classificados. Pellegrini até rodou mais o seu time do que Guardiola, de olho no jogo contra o Arsenal no fim de semana. Martín Demichelis e Lescott fizeram a zaga, Javi García jogou no meio-campo, James Milner foi titular e Agüero nem saiu do banco de reservas. E parecia que o Bayern passaria por cima novamente. Dante, de novo, lançou do meio-campo e encontrou Müller na entrada da área para o primeiro gol. Mario Götze pegou a sobra de Mandzukic, após escanteio, e ampliou, ainda aos 12 minutos.
Depois de um cruzamento de Navas da ponta direita, James Milner ajeitou de cabeça para Silva descontar. O City estava de volta à partida e buscou o empate no começo do segundo tempo. Milner, sempre muito útil, sofreu falta de Dante dentro da área, e Kolarov converteu o pênalti. O meia inglês selou uma ótima exibição com um chute colocado pela esquerda da grande área, depois do centro de Navas passar por todo mundo, para arrancar a vitória.
Ela não foi suficiente para tirar o primeiro lugar do Bayern de Munique, que enfrentou o Arsenal nas oitavas de final e parou na semifinal, em um passeio do Real Madrid. O City teve sua primeira experiência no mata-mata da Champions League. O Barcelona de Tata Martino ganhou os dois jogos, e demoraria mais alguns anos para o clube inglês emplacar uma campanha relevante.
2014/15 – Agüero ao resgate

A primeira temporada de Guardiola em Munique foi bem sucedida. Apesar da decepção na Champions League, o Bayern foi campeão alemão com uma mão nas costas e praticou um futebol brilhante. O mercado trouxe algumas peças para dar um passo à frente. Xabi Alonso foi contratado, mais um meia com doutorado em futebol espanhol, e houve uma sensível atualização no ataque: Mario Mandzukic saiu para o Atlético de Madrid, Robert Lewandowski chegou do Borussia Dortmund.
O City teve mudanças menos importantes no elenco. Alguns veteranos – Lescott e Gareth Barry – foram embora. O reforço mais chamativo teria sido Bacary Sagna, não fosse a contratação do veterano Frank Lampard, que passou alguns meses em Manchester antes defender a filial de Nova York. Os maiores investimentos foram Eliaquim Mangala e Wilfried Bony.
O City aproveitou a escorregada do Liverpool de Brendan Rodgers para conquistar seu segundo título em três anos, mas nenhum projeto megalomaníaco que queima euros fica satisfeito sem longas campanhas na Champions League. Manuel Pellegrini estava pressionado a entregar a primeira, depois de duas eliminações na fase de grupos e uma nas oitavas de final. Reencontrar o Bayern de Munique não era ideal. Os outros dois adversários, a Roma e o CSKA Moscou, pelo menos eram mais manejáveis. Ou pelo menos, era de se esperar que fossem. Spoiler: não foram.
A campanha começou mal para o Manchester City, e logo na tabela. A primeira rodada seria na Allianz Arena. O Bayern de Munique foi o melhor time. Thomas Müller, desequilibrado, perdeu um gol sem goleiro após driblar Joe Hart, o principal responsável por manter o suspense até os minutos finais, com defesas importantes para frustrar Müller, Götze, David Alaba e Jéröme Boateng. Único centroavante do City, com Agüero na reserva, Dzeko tentava tirar alguns coelhos da cartola. Aos 45 minutos do segundo tempo, um chute de Boateng do bico esquerdo da área desviou nas costas de Götze e saiu do alcance de Joe Hart, dando aos bávaros uma tardia e merecida vitória.
Se perder em Munique estava na conta, provavelmente não ganhar nenhum dos próximos três jogos não estava. Enquanto o Bayern passeava, com direito a um 7 a 1 no Estádio Olímpico, o City empatou em casa contra a Roma e somou apenas um ponto nos dois confrontos contra o CSKA Moscou. O segundo duelo contra o Bayern ganhou contornos de decisão e a expulsão do zagueiro Mehdi Benatia, aos 20 minutos, ajudou um pouco – mas não muito. Sergio Agüero abriu o placar no pênalti cometido pelo marroquino que lhe rendeu a expulsão, mas, ainda antes do intervalo, o Bayern estava à frente. E para um jogo tão importante, os gols que o City tomou…
Talvez esperando que Xabi Alonso cobrasse a falta no ângulo por cima da barreira, Hart não protegeu direito o canto que deveria proteger. O espanhol bateu rasteiro, por fora do muro de jogadores, e o goleiro inglês nem pulou. Lewandowski apareceu entre os zagueiros para completar um cruzamento da intermediária, da marca do pênalti, sem muita força, mas encobrindo Hart, que estava adiantado. A salvação foi Agüero, que arrancou em contra-ataque, aos 40 minutos, e tocou cruzado para empatar. Poucos minutos depois, completou a sua tripleta, aproveitando o vacilo de Boateng na entrada da área.
Como o CSKA Moscou havia empatado no último minuto contra a Roma, mesmo a derrota não eliminaria o City. A virada, porém, o deixou em uma melhor posição. Bastava conseguir no Olímpico um resultado melhor que o dos russos em Munique. O CSKA perdeu por 3 a 0, e o City conseguiu ganhar da Roma, por 2 a 0, e pela segunda vez seguida avançou às oitavas de final – e pela segunda vez seguida perdeu do Barcelona nas oitavas de final. Esse era um Barcelona melhor pelo menos. Eliminaria o Bayern de Guardiola na semifinal, com aquele drible de Messi em Boateng que entrou para a história.