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Brendan Rodgers volta ao Celtic entre os feitos de sua primeira passagem e o rancor de parte da torcida pela forma como saiu

Brendan Rodgers conseguiu grandes sucessos no Celtic e se destacou mesmo num período dominante, mas a forma como deixou o clube para assumir o Leicester ainda provoca mágoas

Brendan Rodgers fez o suficiente no Celtic para ser considerado um dos maiores treinadores do clube neste século. Torcedor dos Bhoys durante a infância, o norte-irlandês passou dois anos e meio na casamata, conquistando duas Tríplices Coroas do futebol escocês. Mais do que isso, a campanha no Campeonato Escocês de 2016/17 valeu o recorde de pontos da história da liga. Mesmo em anos tão dominantes dos Celtas, o comandante conseguiu se sobressair em Parkhead. Aquele período serviu para retomar o prestígio ao redor do técnico e culminou em sua saída rumo ao Leicester em fevereiro de 2019. No entanto, até hoje parte dos torcedores não engole sua decisão de sair no meio da temporada. O anúncio da volta de Brendan Rodgers ao Celtic após quatro anos gerou protestos, com a memória da “traição” mais viva que as marcas conquistadas.

Brendan Rodgers dirigiu o Celtic de 2016 a 2019. O treinador tinha seu renome na Inglaterra, especialmente pelo bom trabalho à frente do Swansea, mas saiu chamuscado do Liverpool. Sem o mesmo mercado na Premier League, aceitou a oferta do Celtic, seu clube de infância – cresceu numa família de pai católico e mãe protestante na Irlanda do Norte. Passaria a dirigir um gigante local, que nadava de braçada na liga desde a falência do Rangers. O desafio era recobrar um pouco o prestígio continental dos alviverdes, depois de duas temporadas em que só disputaram a fase de grupos da Liga Europa, caindo nas preliminares da Champions. Rodgers trazia consigo uma ótima bagagem e também uma identidade de jogo distinta.

As duas primeiras temporadas de Brendan Rodgers no Celtic foram excelentes. O treinador conseguiu recolocar o clube na fase de grupos da Champions League em ambas as ocasiões, mesmo que as campanhas não tenham ido muito além. Mais importante ainda foi o domínio que Rodgers impôs dentro do futebol escocês. A Tríplice Coroa de 2016/17 era apenas a quarta da história do clube e a primeira em 16 anos. Os Bhoys conquistaram a Copa da Escócia, a Copa da Liga e o Campeonato Escocês, este com o recorde histórico de 106 pontos. Tão importante quanto, a supremacia era estabelecida na temporada que marcava o retorno do Rangers à elite. Os Celtas se mantiveram invictos nos clássicos. Ganharam duas Old Firms por 5 a 1 na liga, enquanto eliminaram os rivais nas semifinais da copa e da copa da liga.

O Celtic caiu de rendimento em 2017/18, sem se aproximar do recorde de pontos no Campeonato Escocês. Mesmo assim, outros feitos de Brendan Rodgers estavam mantidos: era a segunda Tríplice Coroa consecutiva, algo inédito na história do clube. O Rangers continuava apanhando nos clássicos, com derrotas por 5 a 0 na liga e por 4 a 0 na copa. A reputação de Brendan Rodgers se recuperava. Já na temporada de 2018/19, os Celtas não se classificaram à fase de grupos da Champions e voltaram a perder uma Old Firm pelo Campeonato Escocês. Mesmo assim, Brendan Rodgers faturou mais uma Copa da Liga e o time seguia favorito para sua terceira Tríplice Coroa. Por outro lado, o treinador começava acumular atritos com lideranças no elenco e com a diretoria por falta de reforços. Foi quando o norte-irlandês decidiu sair de cena, diante da oferta do Leicester em fevereiro de 2019. Neil Lennon conquistou as demais taças, mas não que a torcida alviverde tenha ficado satisfeita.

O trabalho de Brendan Rodgers no Leicester foi o melhor de sua carreira na Inglaterra. O técnico pode não ter conseguido a classificação para a Champions League, algo que vislumbrou seguidas vezes, mas manteve as Raposas quase sempre no primeiro pelotão da Premier League. Também conquistou a Copa da Inglaterra, um título inédito para o clube. Havia um estilo de jogo ofensivo, numa equipe que misturava medalhões do milagre de 2015/16 com novas estrelas. Todavia, as duas últimas temporadas viram os alviazuis sofrerem com o impacto financeiro e também as decisões ruins de Rodgers na reformulação do elenco. Sua demissão nesta temporada aconteceu diante do claro temor pelo rebaixamento, que de fato se consumou. De novo, existia desgaste ao redor de sua imagem.

O Celtic, enquanto isso, vem de uma temporada mais feliz. É verdade que os Bhoys tiveram seus problemas nos últimos quatro anos, em especial com o título reconquistado pelo Rangers em 2020/21. Contudo, Ange Postecoglu fez um trabalho tão bom quanto o anterior de Rodgers. Afastou a ameaça dos rivais, promoveu uma ampla renovação do elenco, registrou mais uma Tríplice Coroa. O australiano até esboçou quebrar o recorde de pontos do Campeonato Escocês na última temporada, com um futebol ainda mais ofensivo. Foi tão bem que saiu em alta, com uma proposta do Tottenham. Entretanto, diferentemente do que havia acontecido com Rodgers, não abandonou o bonde no meio do caminho. Aquela decisão do norte-irlandês em sair no meio da temporada ainda pega mal.

Nesta semana, os ultras do Celtic relembraram nas redes sociais de uma faixa exibida nas arquibancadas de Parkhead ainda em fevereiro de 2019. O protesto contra a saída do técnico rumo ao Leicester dizia: “Você trocou imortalidade por mediocridade. Nunca um Celta, sempre uma fraude”. Na época, o treinador também teve sua casa em Glasgow furtada. Nem mesmo os bons momentos que Rodgers proporcionou ao Leicester aliviam sua barra de imediato. Entretanto, conforme pesquisas feitas pela imprensa escocesa, a maioria da torcida alviverde ainda vê com bons olhos o retorno do comandante. Terá que se equilibrar entre a fúria dos ultras e o apoio de outros tantos.

Em sua primeira declaração como novo técnico do Celtic, Rodgers deixou para trás os entraves: “Estou muito feliz por voltar ao Celtic e estou bastante empolgado com essa grande oportunidade. Quando tive o privilégio de ser convidado para voltar ao clube, foi uma decisão muito simples para mim e para minha família. Tivemos ótimos momentos com o Celtic antes e esse é meu objetivo de novo, garantir um bom futebol e trazer mais sucesso. Ange fez um trabalho brilhante nos dois últimos anos e farei tudo o que puder para manter o embalo do Celtic”.

Brendan Rodgers terá um bom elenco em mãos. Nomes como Kyogo Furuhashi, Jota, Cameron Carter-Vickers, Reo Hatate e Matt O'Riley foram destaques do último Campeonato Escocês, ao lado de veteranos como Joe Hart, Callum McGregor e Aaron Mooy. Com a melhora do ranking da Escócia na Uefa, o Celtic terá vaga direta na fase de grupos da próxima Champions League. O desafio será conseguir uma campanha mais longa nos torneios continentais, enquanto a disputa com o Rangers tende a ser mais dura após os problemas dos rivais nesta temporada. Resta saber se Rodgers encontrará um ambiente suficientemente tranquilo para replicar o sucesso de sua primeira passagem por Parkhead.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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