Europa

Primeiro confronto entre Áustria Salzburg e Red Bull Salzburg teve show da torcida dissidente

O Áustria Salzburg foi fundado por torcedores dissidentes em 2006, irritados com a chegada da Red Bull ao clube que hoje domina o futebol do país

Aconteceu algumas vezes na Inglaterra. O AFC Wimbledon foi fundado quando o clube original se mudou para Milton Keynes – e foi rebatizado de MK Dons. O caso mais famoso é o United of Manchester, dissidência do Manchester United após a chegada da família Glazer em 2005. A Áustria também tem o seu exemplo e nesta terça-feira, pela primeira vez, o Áustria Salzburg, da terceira divisão, enfrentou o Red Bull Salzburg, atual potência do país, pela segunda rodada da Copa da Áustria. Foi goleado em casa por 4 a 0, como era de se esperar, mas brilhou nas arquibancadas.

Da euforia à raiva

Houve entusiasmo quando a Red Bull expressou interesse em investir no Áustria Salzburg em 2005. Os torcedores esperavam que uma injeção de dinheiro poderia resgatar as glórias dos anos noventa, quando conquistaram três vezes o título do Campeonato Austríaco e disputaram a final da Copa da Uefa de 1994. A empresa de bebidas energéticas, como ficaria claro nos anos seguintes, tinha outros planos. Era o início de um império esportivo.

– Foi euforia. O clube sofria com problemas financeiros há 20 anos. Essa era a oportunidade de acabar com eles – disse o fundador do primeiro grupo de torcedores do Áustria Salzburg, em 1992, Moritz Grobovschek, ao jornal francês Le Monde. – Eles não queriam ser patrocinadores. Queriam controlar o clube. Achamos que era um erro.

A mudança de nome não foi exatamente o problema. A própria campanha europeia de 1994, com derrota para a Internazionale na decisão, foi como Casino Salzburg. A treta mesmo é que a Red Bull revolucionou toda a identidade visual do clube. Mudou as cores do roxo para vermelho e branco das bandeiras da Áustria e também transformou o escudo. Os torcedores reclamaram, mas o máximo que conseguiram foi manter a cor original nas meias do goleiro.

E aí, a raiva aumentou.

– A empresa havia acabado de destruir uma enorme parte das nossas vidas. Abandonaram as cores. Apagaram a história. Negociamos com eles por um tempo e tudo que ofereceram no fim foi manter o roxo na meia do goleiro. Nós queríamos manter nosso clube, nossa história, nossas cores. Não era possível fazê-lo com aquela empresa, então decidimos começar nosso próprio clube. Honestamente, nós não tínhamos a mínima ideia do que estávamos fazendo. Era, e ainda é, muito trabalho, mas também bem divertido – disse Stefan Schubert, membro do conselho, à BBC.

A dissidência

O Áustria Salzburg foi fundado por torcedores dissidentes no ano seguinte. Começou a militar na sétima divisão. Segundo Grobovschek, que se se tornaria presidente do clube, o primeiro time foi montado por fãs, jogadores aposentados e ex-atletas do antigo Salzburg. A primeira partida foi uma derrota por 6 a 0 para o Anif na Copa da Áustria. Nada que desanimasse: “Ver mais de 1.000 torcedores vestidos de roxo e branco todo fim de semana nos deu forças para continuar”.

O clube dissidente conseguiu quatro acessos consecutivos para subir à terceira divisão, que parece ser o seu teto por enquanto. O Áustria Salzburg se estabeleceu nela desde 2010, com exceção de uma passagem pela Segundona, em 2015/16, e duas pelo quarto degrau da pirâmide.

Schubert não esperava grandes protestos no primeiro encontro com o Red Bull Salzburg, embora o Áustria Salzburg não tenha perdido a chance de dar uma cutucada no rival, usando um logotipo redondo e preto e branco com as letras “RB” em suas peças promocionais nas redes sociais, em vez do escudo com os touros que, entre outras coisas, motivou o racha. Ele diz que a existência do Áustria Salzburg é o “maior protesto possível”.

– Nós sabíamos que esse dia chegaria e tenho certeza que muitos torcedores esperavam esse sorteio na copa. Grandes jogos significam um grande palco, algo que não temos com muita frequência na terceira divisão. Então a maioria dos torcedores está empolgada pelo sorteio. É sem dúvida o maior jogo dos últimos anos. Os torcedores vão se concentrar em criar um grande clima – disse.

Claus Salzmann, atual presidente do Áustria Salzburg, também tentou evitar maiores problemas. Disse ao Salzburger Nachrichten que conversou com representantes dos torcedores e temia apenas turistas que não costumam comparecer ao estádio.

– Pessoas que não vão a um jogo há anos e agora vêm causar problemas. Todos nos garantiram que não haverá problemas da parte deles. O resultado não é tão importante para mim. O principal é que não haja incidentes fora de campo – disse.

Torcida do Salzburg dá show

Enquanto o Áustria Salzburg tenta escalar a montanha do futebol austríaco, o Red Bull decolou. Tornou-se o clube dominante do país, agora habitué da Champions League, com 14 títulos desde a aquisição e dez consecutivos. Revelou jogadores como Sadio Mané e Erling Haaland. Não era muita surpresa quem venceria o confronto, e os dissidentes até conseguiram chegar ao intervalo perdendo por apenas 1 a 0, antes de levaram três gols na etapa final.

Segundo o relato Salzburger Nachrichten, não houve incidentes sérios entre as torcidas e os piores rumores de confusão não se confirmaram. Ao contrário, o maior show ficou por conta das arquibancadas, começando com um mosaico em que (aparentemente) Mozart bate na cabeça de um touro com um violino. A faixa abaixo diz: “Em Salzburg, nós tocamos o violino”.

No intervalo, a torcida da casa preparou um lindo show de fogos de artifício para recepcionar os jogadores que, embora tenham perdido, deixaram-na bem orgulhosa.

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Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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