Após a pior campanha de sua história, o Galatasaray trouxe uma baciada de medalhões e reconquistou a Süper Lig de imediato
O Galatasaray conta com um elenco cheio de figurinhas carimbadas nessa temporada, que chegou a emendar 14 vitórias consecutivas no Campeonato Turco, novo recorde da liga

O Campeonato Turco se acostumou a contar com medalhões de diferentes cantos, mas poucas vezes se viu um investimento tão pesado quanto o do Galatasaray para a atual temporada. Os Leões rechearam o seu elenco com figurinhas carimbadas: Mauro Icardi, Dries Mertens, Juan Mata, Nicolò Zaniolo, Sérgio Oliveira, Lucas Torreira e ainda outros passaram a compor o time dos aurirrubros. Foi uma baciada de reforços, necessária depois de uma campanha caótica em 2021/22 – quando o Gala chegou a flertar com o rebaixamento e terminou com o 13° lugar na Süper Lig, sua pior colocação na história do campeonato. E mesmo que tantas contratações tenham levado um tempo para dar liga, o dinheiro gasto se compensa com o sucesso. Com uma rodada de antecipação, o Galatasaray voltou a conquistar o título turco depois de quatro anos. Sobrou na tabela com uma sequência absurda de vitórias (14 no total) e se impôs sobre o rival Fenerbahçe – que já completa nove anos sem a taça.
Depois de um período de muita força no início da década passada, o Galatasaray passou a conviver mais com as crises durante as temporadas recentes. Os Leões até comemoraram um bicampeonato nacional em 2017/18 e 2018/19. Contudo, depois disso, a pandemia gerou limitações nas finanças e alguns astros da equipe precisaram deixar Istambul porque o clube não tinha dinheiro para bancar seus salários – entre eles, Radamel Falcao García. O Galatasaray foi apenas o sexto colocado na Süper Lig 2019/20, com uma breve recuperação pelo vice em 2020/21, numa edição extremamente equilibrada do campeonato. Isso até que o fundo do poço ocorresse em 2021/22, com o pior desempenho da história dos aurirrubros.
O Galatasaray teve uma campanha melancólica no Campeonato Turco 2021/22. Os Leões não começaram tão mal, mas, a partir de novembro, emendaram uma sequência de 14 partidas com uma mísera vitória. O péssimo desempenho fez o time despencar para o 15° lugar e flertar com o rebaixamento. Ao menos, a reação veio na hora certa e livrou a equipe dos temores, mas o 13° lugar marcava o pior resultado do Gala na história da Süper Lig. Naturalmente, viriam mudanças. O histórico técnico Fatih Terim deixou o cargo ainda em janeiro, depois de quatro anos de trabalho. Domènec Torrent evitou a queda, mas não engrenou e também deixou o Estádio Nef ao final da temporada.
Sequer o presidente do Galatasaray, Burak Elmas, resistiu no cargo. O mandatário havia assumido em 2021 e recebeu diversas críticas pela maneira como conduziu o clube. Chegou inclusive a entrar em conflito com torcedores nas arquibancadas, diante das cobranças pela falta de resultados. Com a destituição de Elmas pelo conselho do clube, eleições extraordinárias ocorreram na intertemporada. O empresário Dursun Özbek retornou à cadeira que já tinha ocupado de 2015 a 2018.
Uma escolha importante do Galatasaray para a sua reformulação estava no novo técnico. Buscaram uma bola de segurança, com Okan Buruk. O ex-meio-campista surgiu com a camisa do Galatasaray e atuou em 12 temporadas pelo clube, divididas em duas passagens. Fazia parte do célebre time que foi tetracampeão nacional na virada do século e esteve presente no título da Copa da Uefa de 1999/00, assim como era reserva da seleção turca na Copa do Mundo de 2002. Após pendurar as chuteiras, Buruk treinou diversas equipes medianas do país. Conseguiu ser campeão da Copa da Turquia pelo modesto Akhisarspor e depois faturou o inédito título da Süper Lig com o Istambul Basaksehir. Quando o Galatasaray abriu as portas para o antigo ídolo em junho de 2022, trazia de volta um homem da casa e também um treinador bem sucedido.
Okan Buruk precisou arregaçar as mangas no mercado de transferências. O Galatasaray se desfez de uma série de jogadores presentes na pior campanha da história do Campeonato Turco. Figurões como Arda Turan, Sofiane Feghouli e Ryan Babel saíram sem custos, enquanto a venda de Marcão pelo menos gerou algum dinheiro. Nada comparado aos quase €35 milhões despejados em compras. E isso porque muitos dos principais reforços chegavam sem contratos, apesar dos salários graúdos.
As principais adições do Galatasaray eram esses medalhões em fim de carreira, que buscavam se recolocar no futebol. Dries Mertens se despediu do Napoli como um dos maiores ídolos da história, assim como Juan Mata foi importante ao Manchester United em tempos de vacas magras. Ambos, em declínio, não renovaram com seus clubes e chegaram de graça. Mauro Icardi veio por empréstimo do Paris Saint-Germain, mas sem espaço na equipe, que esperava bem mais se desfazer do argentino em seus vestiários. Os Leões também garantiram o empréstimo de Haris Seferovic junto ao Benfica e de Milot Rashica após o rebaixamento do Norwich.
O restante dos negócios do Galatasaray se concentrou em jogadores que não passaram dos €6 milhões, e muitos deles vinham em baixa. Lucas Torreira tentava reencontrar seu melhor futebol, trazido do Arsenal. Sérgio Oliveira até foi bem utilizado na Roma, mas o Porto não contava mais com seus serviços. Léo Dubois perdeu espaço no Lyon, Yusuf Demir não conseguiu emplacar sua contratação em definitivo junto ao Barcelona e tinha voltado ao Rapid Viena. Somavam-se a esses outras apostas – como o zagueiro Abdülkerim Bardakci (Konyaspor), o meio-campista Fredrik Midtsjö (AZ), o ponta Yunus Akgün (Adana Demirspor). Ao todo, o Gala trouxe 13 jogadores durante o início da temporada.
Poucos eram os remanescentes de outros tempos para garantir liderança nos vestiários. A braçadeira de capitão permanecia com Fernando Muslera, um goleiro criticável, mas amado em Istambul. Jogador mais antigo do grupo, o uruguaio completa 12 anos com os Leões. Outro ídolo que também tinha retornado anteriormente ao Estádio Nef era Bafétimbi Gomis, símbolo do bicampeonato anterior na Süper Lig. O zagueiro Victor Nelsson e o lateral Sacha Boey permaneceram como duas figuras importantes na defesa. Já no ataque, o Galatasaray preservou suas principais jovens apostas dos últimos anos: Baris Yilmaz e principalmente Kerem Aktürkoglu, um dos jogadores mais talentosos dos aurirrubros. Foram eles que ajudaram a dar liga a um time que praticamente começava do zero.
O Galatasaray começou a temporada sem se mostrar tão confiável, especialmente pela derrota diante do Giresunspor na segunda rodada. Os empates frequentes também freavam o time, que era apenas o oitavo colocado após 11 rodadas. Porém, Okan Buruk achou sua melhor formação a partir de novembro. Os Leões cresceram na competição e deram sinais claros de melhora antes da pausa para a Copa do Mundo. Foram três vitórias consecutivas, incluindo os 2 a 1 no clássico contra o Besiktas e os impressionantes 7 a 0 em plena casa do Basaksehir. A esta altura, já se via uma formação bem qualificada. Torreira e Oliveira formavam a base no meio, Rashica e Aktürkoglu abriam nas pontas, Mertens e Icardi se combinavam pelo centro do ataque. Podiam não ser mais jogadores no auge, mas era uma equipe respeitável no papel e funcional em campo.
A pausa para a Copa do Mundo poderia quebrar o ritmo do Galatasaray. Porém, apenas cinco jogadores do clube estiveram no Mundial e só Haris Seferovic, que nem emplacou no clube, não voltou ao final da fase de grupos. O período serviu para azeitar a máquina. Àquelas três vitórias seguidas, somaram-se mais dez. O Galatasaray não tomou conhecimento nem do rival Fenerbahçe, com a vitória por 3 a 0 no Sükrü Saraçoglu em janeiro. Também ganhou do então campeão, o Trabzonspor. Todavia, o terremoto que provocou uma das maiores tragédias da história da Turquia culminou na paralisação do campeonato por quase um mês.
Depois da mobilização de todo o país em prol dos resgates, inclusive com auxílio do Galatasaray e de seus jogadores, a retomada do Campeonato Turco gerava uma motivação específica aos líderes: a equipe poderia promover a estreia de Nicolò Zaniolo, principal reforço da janela de inverno. Diante de uma série de circunstâncias, entre a atitude intempestiva do jovem para deixar a Roma e a escassez de tempo para encontrar compradores, o Gala fez uma pechincha ao pagar €15 milhões pelo talento. Além dele, Kaan Ayhan e Sam Adekugbe vinham por empréstimos para encorpar um pouco mais o elenco na reta decisiva da Süper Lig. Uma estratégia que se pagou.
O Galatasaray completou 14 vitórias consecutivas, novo recorde histórico do Campeonato Turco, até perder para o Konyaspor no meio de março. Os tropeços ficaram um pouco mais frequentes desde então, também com a derrota por 3 a 1 no clássico contra o Besiktas. Ainda assim, as vitórias eram mais numerosas e os Leões preservaram a vantagem de cinco pontos à frente do Fenerbahçe. Por conta dos jogos adiados em decorrência do terremoto, os rivais até chegaram a encostar na tabela enquanto o Gala tinha partidas a menos. Entretanto, os aurirrubros reafirmaram sua competência com uma sequência de quatro vitórias nas últimas quatro rodadas.
Nesta terça, enfim, o Galatasaray celebrou o título na visita ao Ankaragücü. A vitória era importante para manter a vantagem de cinco pontos sobre o Fenerbahçe antes da rodada final, quando acontece o clássico no Estádio Nef. Graças à goleada por 4 a 1, o Gala obrigará o Fener a vê-lo erguer o troféu em casa. Icardi abriu o placar e Milson até empatou para o Ankaragücü, mas Icardi voltou a retomar a vantagem antes do intervalo. Baris Yilmaz e Sergio Oliveira fecharam a contagem no segundo tempo, em partida que contou com três assistências de Aktürkoglu.
Mauro Icardi é a grande figura da campanha, com 21 gols e sete assistências, vice-artilheiro do campeonato. Aktürkoglu também arrebentou com nove gols e 11 assistências, líder da competição nesta estatística. Mertens (seis gols) e Rashica (quatro gols) completaram o quarteto principal, enquanto Gomis (oito gols) e Mata (três gols) deixaram suas marcas mesmo frequentando mais vezes o banco. Trazido depois, Zaniolo ainda garantiu três gols em nove partidas. No meio, Sergio Oliveira e Lucas Torreira formaram uma dupla muito consistente. O português apareceu bem sobretudo nos clássicos, enquanto o uruguaio se tornou um xodó da torcida por sua pegada. E enquanto Victor Nelsson se firmou como principal esteio na linha de zaga ao lado de Bardakci, Muslera fez uma temporada em alto nível com 15 partidas sem sofrer gols.
O Galatasaray amplia sua vantagem como maior campeão turco, dono de 23 títulos, contra 19 do Fenerbahçe. A diferença se amplia enquanto os Canários amargam um jejum de nove anos na liga nacional. Os Leões também se garantem na Champions League, mas apenas na segunda fase preliminar. Fenerbahçe e Besiktas vão para a Conference League, enquanto Adana Demirspor ou Istambul Basaksehir ficarão com a última vaga no torneio. Por conta da queda dos turcos no Ranking da Uefa durante os últimos anos, com o modesto 20° lugar, o cenário não é favorável aos clubes do país. É ver se o Galatasaray, nesse período de renovação, consegue dar um impulso também internacional e recobrar o destaque da Süper Lig além das fronteiras.