Espanha

Supercopa da Espanha na Arábia Saudita é uma unanimidade – negativa – entre clubes, jogadores e treinadores

Por mais lucrativa que seja para a Real Federação Espanhola de Futebol, a realização da Supercopa da Espanha na Arábia Saudita não tem agradado os protagonistas do torneio

A Supercopa da Espanha de 2023/24 é a quinta edição do torneio a ser realizada na Arábia Saudita. Ao ser sediado no país Oriente Médio, mais de 6.600 quilômetros do seu país de origem, o torneio se tornou uma grande fonte de renda para a Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) e foi um dos pontapés iniciais no plano saudita de utilizar o futebol para diversificar a economia e tirar o foco das inúmeras violações de direitos humanos. Os demais — e principais — envolvidos, no entanto, têm deixado bem evidente suas insatisfações com a organização da competição no local.

Clubes, jogadores, treinadores e torcedores têm manifestado publicamente o descontentamento em disputar a Supercopa na Arábia Saudita. E as reclamações são variadas, indo desde a parcialidade e artificialidade dos torcedores nas arquibancadas a favor dos gigantes Real Madrid e Barcelona até as restrições de liberdade no país.

Torcida a favor dos dois grandes

Por parte dos clubes, jogadores e treinadores, as principais críticas são relacionadas aos torcedores que foram acompanhar as duas semifinais durante esta semana. Osasuna e até mesmo o Atlético de Madrid não possuem o mesmo poder e atenção midiática que as potências Real Madrid e Barcelona e acabaram jogando com uma atmosfera semelhante a de um jogo como visitante, apesar da partida ser em campo neutro. Segundo o jornal espanhol Relevo, apenas 700 torcedores somados das quatro equipes deixaram a Espanha e viajaram até a Arábia Saudita.

Destaque do Osasuna na derrota por 2 a 0 para o Barcelona, o goleiro Sergio Herrera lamentou que os torcedores rojillos não pudessem testemunhar o momento histórico do clube, que pela primeira vez disputou a Supercopa da Espanha e falou em tom sarcástico sobre o El Clásico na final. Ele ainda lembrou o apoio que seu time recebeu na decisão da Copa do Rei da temporada passada, disputada contra o Real Madrid no Estádio Olímpico de La Cartuja, em Sevilha.

— O que mais nos deixa tristes é não poder contar com o apoio de todo o nosso torcedor nas arquibancadas, ainda mais em uma partida tão importante. Lembro-me de na final da Copa (do Rei) olhar para as arquibancadas e ver mais de 20 mil rojillos ali. Já têm a final que esperavam — disse o arqueiro depois do jogo de quinta-feira (11).

Diego Simeone, técnico do Atlético de Madrid, foi outro a utilizar da ironia para comentar sobre o apoio — ou falta dele — nesta Supercopa. De acordo com o Relevo, por volta de 1% daqueles que foram ao no Al-Awwal Stadium, em Riade, na quarta-feira (10) torceram para os colchoneros na derrota por 5 a 3 para o Real Madrid na prorrogação.

— Estou muito feliz por todo o pessoal da Arábia que veio torcer pela gente. Muita gente dentro do estádio torcendo pelo Atlético, é uma partida muito importante. É o crescimento do clube, sentimos eles muito próximos durante todo o jogo nas arquibancadas. É muito importante para o crescimento do clube — declarou Simeone.

Até mesmo quem se classificou para a decisão do torneio não ficou satisfeito com o comportamento dos torcedores. Importante na classificação do Real Madrid com um gol e uma assistência na prorrogação, o atacante Joselu criticou o clima frio das arquibancadas no clássico com o Atlético de Madrid.

— Um dérbi um pouco frio, não é a mesma coisa que jogar com os nossos torcedores. Muita gente (a favor) do Real Madrid e nós notamos isso — pontuou o jogador merengue.

Violações dos direitos humanos

As violações dos direitos humanos por parte do governo da Arábia Saudita também é assunto nesta Supercopa da Espanha, mas (infelizmente) em menor escala. Rubén García, do Osasuna, foi um dos poucos a abordar o tema e afirmou não concordar com as restrições de liberdade, mas ponderou que a cultura no país é totalmente diferente da que está acostumado.

— Me explode a cabeça que não se normalize que um homem goste de outro homem. Me surpreende negativamente que companheiros não falem sobre isso. Deveria estar aqui para passar um tempo, absorver essa cultura, conhecer seus pensamentos, motivos, dia a dia, rotinas e modo de entender a vida para saber por que eles têm esse freio com as mulheres, com os direitos LGTBI e tantos outros. Claro, vendo isso da Espanha, parece outro mundo, mas eles têm outra religião, outra cultura e outra forma de se relacionar e de ver a vida. Tenho que respeitar, claro, mas não compartilho (da mesma opinião) — disse o meio-campista à ABC.

Toni Kroos, do Real Madrid, foi mais enfático. No último verão europeu, o alemão foi perguntado pela revista norte-americana Sports Illustrated sobre o êxodo de jogadores para a Arábia Saudita e questionou as motivações dos atletas que escolhem atuar por lá, alegando que o chamado “projeto ambicioso” de transformar o esporte no país nada mais é do que aceitar caminhões de dinheiro. O camisa 8 do time merengue ainda declarou a “falta de direitos humanos” o impede de um dia jogar no futebol saudita.

Na vitória sobre o Atlético de Madrid pela semifinais da Supercopa, Kroos começou no banco de reservas e substituiu Luka Modric no segundo tempo. Desde o momento que pisou no gramado, ele virou alvo de protestos dos torcedores sauditas presentes no estádio, sendo o único jogador a ser vaiado nesta edição do torneio até o momento. Em resposta, o alemão usou as redes sociais para ser sarcástico.

— Foi divertido hoje! Torcida incrível — escreveu o atleta no X, antigo Twitter.

Até falta de cerveja virou crítica

Por fim, a atmosfera fria em Riade mesmo nas horas que antecederam os confrontos das semifinais também foi destacado negativamente, mas pelos torcedores. O Relevo entrevistou um torcedor do Osasuna que se surpreendeu com a falta de cerveja. Na Arábia Saudita, o consumo e comercialização de bebidas alcoólicas é expressamente proibido.

Na Espanha, um vídeo de bailarinos dançando a famosa dança sevilhana descoordenadamente enquanto pessoas com uniformes de Barcelona e Osasuna faziam embaixadinhas também recebeu críticas e foi motivo de piada.

Foto de Felipe Novis

Felipe NovisRedator

Felipe Novis nasceu em São Paulo (SP) e cursa jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Antes de escrever para a Trivela, passou pela Gazeta Esportiva.
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