Espanha

Como Neymar fez os clubes passarem a colocar cláusulas de um bilhão em seus jogadores

Foi por conta da saída de Neymar do Barcelona que o "clube do um bilhão de euros" começou a ser formado

Se tornou constante vermos Barcelona e Real Madrid renovarem contratos com seus jogadores e colocarem cláusulas de rescisão de um bilhão de euros. Talvez parece um exagero para quem não está acostumado a ver algo assim. Afinal, quem pagaria um bilhão de euros por um jogador? Este é um ponto crucial nesta história: a ideia é que ninguém pague mesmo. Isso tem tudo a ver com o que aconteceu em 2017, quando o Paris Saint-Germain pagou a cláusula de rescisão e levou Neymar para a França.

O início de tudo: o caso Neymar

Primeiro de tudo, é preciso entender uma questão legal: na Espanha é obrigatório que os contratos dos jogadores profissionais tenham uma cláusula de rescisão. Não é permitido que os jogadores tenham contrato sem uma cláusula de rescisão previamente estabelecida. Por isso, é comum que os clubes coloquem valores que sejam impagáveis, ou que pareça assim, ao menos.

A percepção do que era impagável sofreu uma mudança radical em 2017. Foi quando surgiu a informação que o Paris Saint-Germain estava disposto a pagar a cláusula de rescisão de Neymar no Barcelona, que era de 222 milhões de euros. A cláusula foi colocada justamente para que ninguém pagasse e o clube só vendesse o jogador quando quisesse. Sempre foi essa a ideia desse tipo de cláusula de rescisão. Só que o PSG quebrou a banca, pagou os 222 milhões de euros e levou Neymar, mesmo que o Barcelona não quisesse vendê-lo.

Foi uma situação que deixou o Barcelona de mãos atadas. A cláusula de rescisão é prevista justamente para isso: se alguém paga aquele valor, o clube é obrigado a liberar o jogador, que tem a opção de ir se quiser. Neymar quis.

Isso causou um alvoroço no Barcelona, que emendou diversas escolhas erradas para tentar compensar e melhorar a sua imagem — notadamente, pagar 135 milhões de euros por Ousmane Dembélé, do Borussia Dortmund, (165 milhões, em valores corrigidos pela inflação) em agosto de 2017 e depois mais 135 milhões de euros para contratar Philippe Coutinho, do Liverpool (novamente, 165 milhões em valores corrigidos pela inflação). Nenhum deles deu o retorno esperado. No fim, o Barcelona saiu perdendo e ainda gastou todo o dinheiro enorme que recebeu.

A percepção que alguém poderia pagar uma cláusula que parecia impagável mudou a forma como os clubes passaram a lidar com a cláusula de rescisão dos seus jogadores. O valor de 222 milhões de euros é, até hoje, o maior valor de transferência pago por um jogador na história. Ninguém queria mais perder seus principais jogadores sem negociar, como foi com o Barcelona com Neymar.

Assim, já que é obrigatório ter uma cláusula de rescisão nos jogadores, Barcelona e Real Madrid passaram a chutar muito mais alto e colocar uma cláusula de um bilhão de euros nos contratos dos seus jogadores. É uma cláusula impagável e a ideia é ser assim mesmo. Caso alguém queira levar um desses jogadores, terá que negociar com o clube com o qual ele tem contrato. Sempre foi a ideia desse tipo de cláusula. Até o PSG, com o seu cheat-o-matic, obrigar os clubes a mudarem o que se considera impagável no futebol.

Barcelona criou a cláusula de um bilhão para proteger seus jogadores

Pedri renova com o Barcelona até 2026 (Reprodução/Barcelona)

São muitos jogadores que possuem essa cláusula nos seus contratos. Quando Pedri surgiu como um fenômeno da base do Barcelona, a sua renovação de contrato aconteceu, naturalmente. Para impedir que ele saísse sem negociação, o Barcelona colocou a cláusula de rescisão de Pedri em um bilhão de euros. Era o efeito Neymar se manifestando justamente no clube que tinha sofrido com isso.

Logo depois, no mesmo mês da renovação de Pedri, em outubro de 2021, o Barcelona anunciou outro integrante desse clube do bilhão: Ansu Fati. O herdeiro da camisa 10 de Lionel Messi ainda tinha mostrado pouco, mas já despertava especulações ao seu redor — o Manchester United foi um dos clubes que procurou os representantes do jovem para saber sobre as condições para a sua contratação. O Barcelona se protegeu.

O clube só cresceu. O zagueiro Ronald Araújo, discutivelmente o melhor defensor do elenco do Barcelona, foi outro que passou a integrar o grupo da cláusula bilionária. Em abril de 2022, o Barcelona anunciou a renovação de contrato de Ronald Araujo com a cláusula de um bilhão.

Meses depois, foi a vez do Barcelona outro contrato: o do jovem Gavi, mais 8um a surgir no clube e que já despertava interesse em outros clubes. Em setembro de 2022, o Barcelona anunciou a renovação de contrato de Gavi com a famosa cláusula de um bilhão de euros.

Era de se esperar que quando surgisse um novo talento na base do clube, esse procedimento fosse repetido. Lamine Yamal é exatamente isso. Aos 16 anos, se tornou o mais jovem jogador a marcar um gol em La Liga, foi para a seleção espanhola e já é visto como um potencial grande jogador do time. Sem perder tempo, no último dia 2 de outubro, o Barcelona anunciou a renovação de contrato de Lamine Yamal com a cláusula de um bilhão de euros incluída.

Real Madrid também sofre do efeito Neymar – e não só nas cláusulas

Vinícius Júnior, do Real Madrid (Andrew Yates / Sportimage/ Icon sport)

O Real Madrid também tem seguido o mesmo caminho da cláusula de um bilhão, mas, ao contrário do Barcelona, não para proteger seus jogadores da base, mas sim para proteger jogadores jovens que tem contratado sistematicamente, em uma mudança de política que tem sido implantada nos últimos anos.

O clube merengue não é um prodígio na utilização dos seus jogadores de base, embora consiga, sim revelá-los, quase sempre para que eles brilhem em outros lugares, como Juan Mata, Dani Parejo, Borja Valero e Saúl Ñíguez, para ficar em alguns exemplos. O clube sempre gostou de apostar em jogadores badalados, especialmente se eles brilham em uma Copa do Mundo (alô, James Rodríguez!).

Atualmente, o elenco do Real Madrid é composto por alguns excelentes jovens, parte de uma mudança de política de Florentino Pérez. O presidente que ficou conhecido por montar times galacticos passou a apostar em jogadores jovens. Curiosamente, isso também é culpa de Neymar: para evitar perder o próximo Neymar, o Real Madrid passou a buscar todos esses jovens talentos que pintam.

Vinícius Júnior foi o primeiro deles. Contratado em julho de 2018, Vinícius já era jogador do Real Madrid antes mesmo de estrear entre os profissionais do Flamengo, seu clube de formação. Tinha brilhado no Sul-Americano Sub-17 e o Real Madrid pagou caro para ficar com ele: 45 milhões de reais na época (em valores corrigidos pela inflação, 54 milhões).

O brasileiro superou a desconfiança e se tornou não só um destaque, mas o melhor jogador do Real Madrid atual. Ele é um dos que vai entrar no clube do bilhão. Há um acordo desde o a pré-temporada com o jogador para a renovação do seu contrato por mais cinco anos e colocando a famosa cláusula de um bilhão.

É o mesmo caso de outros dois brasileiros, também jovens, e que chegaram um ano depois de Vinícius Júnior. Rodrygo foi para o Real Madrid também logo que completou 18 anos, assim como Vinícius, vindo de um clube famoso pela sua base, o Santos. O Real Madrid pagou 45 milhões de euros (53,5 milhões, em valores corrigidos pela inflação) para levá-lo da Vila Belmiro ao Santiago Bernabéu. É outro que está com a renovação acertada, com a cláusula de um bilhão, mas ainda não anunciada.

Éder Militão chegou junto com Rodrygo ao Real Madrid, no verão europeu de 2019. Contratado junto ao Porto por 50 milhões (59,5 milhões de euros, em valores corrigidos pela inflação). Se adaptou rapidamente e é hoje um dos melhores zagueiros no futebol europeu, aos 25 anos. Os seus representantes já acertaram uma renovação de contrato, que hoje vai até 2025, com cláusula de rescisão de um bilhão de euros.

Sendo assim, não surpreende que o Real Madrid tenha anunciado que Federico Valverde e Eduardo Camavinga tenham renovado seus contratos com cláusulas de um bilhão de euros. É o comportamento padrão dos clubes e veremos o número de jogadores com cláusulas assim aumentar ao longo dos próximos meses. É a forma que os clubes encontraram de se proteger de perderem seus principais jogadores e ficarem com todo o poder de negociação -para vendê-los apenas se quiserem.

Isso até algum clube maluco resolver pagar a cláusula de rescisão de algum jogador de um bilhão de euros…

Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009.
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