Tite não pode ser refém do Titismo e dos Titistas no Flamengo
Admiradores do treinador tentam, sem sucesso, proteger o trabalho dele no Flamengo de críticas
É indiscutível que o desempenho do Flamengo sob o comando de Tite decepciona. Ainda que a equipe esteja disputando três torneios com chances de conquista, o futebol apresentado pelo elenco mais caro e completo do futebol brasileiro não justifica a fama.
A figura central do debate no Flamengo é Tite. O treinador que comandou o Brasil em duas Copas do Mundo e alcançou o auge levando o Corinthians ao título da Libertadores e do Mundial, em 2012.
Talvez Tite tenha chegado à Seleção com um ciclo de atraso. A Copa dele era a de 2014, pelo desempenho e pelo momento. Mas a politicagem da CBF resolveu apostar na fusão populista de dois treinadores campeões do mundo, Felipão e Parreira, o que deu nos 7 a 1.
Para uma parcela importante de torcedores e analistas de futebol, Tite é o melhor treinador brasileiro. Alguns o chamam de professor em coletivas e prestam reverência pública. Para eles, Tite, seus pronunciamentos e seu vocabulário particular, são sinônimos de atualização, estudo, preparo e modernidade.
O ciclo de duas Copas do Mundo não fez com que Tite realizasse o desejo de trabalhar num bom time ou numa boa seleção da Europa. O que ele mostrou no comando da Seleção Brasileira não foi suficiente para seduzir empregadores europeus.
O retorno ao futebol de clubes, após seis anos no de seleções, está longe de ser auspicioso.
Quando foi sondado pelo Corinthians, Tite mandou dizer que não treinaria nenhum clube no Brasil em 2023. Mas assinou com o Flamengo. Medida justificável sob o ponto de vista do profissional. Assumir um time vitorioso e com elenco e bolso recheados foi uma medida estrategicamente correta.
Sobrou coragem a Tite para enfrentar a eterna nostalgia de Jorge Jesus na alma flamenguista. O rubro-negro vive preso em 2019, como aquele filme “O Dia da Marmota”, com Bill Murray e Andie Macdowell. Na produção, Murray se vê preso a um mesmo dia de sua vida, que se repete, não importa o que ele faça. É o desejo de nove entre dez rubro-negros, acordar e ver Jorge Jesus no Ninho.
Trabalho de Tite deixa a desejar no Flamengo
Para mim, Tite faz um trabalho abaixo de sua capacidade no Flamengo. Pelo material humano que tem em mãos, deveria estar levando a campo um futebol de mais qualidade técnica e tática. A solidez defensiva, marca registrada do treinador, se perdeu.
Em especial nas bolas paradas. O controle de ritmo sumiu. Para piorar, os jogadores do Flamengo parecem de vidro, tamanha a quantidade de lesões graves. O treinador ensaiou um discurso de excesso de jogos que os fatos contradizem. Há quem jogue mais, melhor e com menos lesões no Brasil.
Mas Tite é protegido pelos titistas juramentados. Sempre aparece um porém, um mas para avaliar o Flamengo sob seu comando. Elogios e críticas fazem parte do universo do futebol. Outros treinadores que passaram pelo clube não contaram com a boa vontade do Titismo na análise jornalística. Talvez por não usarem o mesmo vocabulário, por não terem sido arautos de uma suposta modernidade. Ou por representar o triunfo de uma forma de se pensar futebol.
A entidade Maracanã parece estar cansada de Tite. Mas é movida a paixão. Vide o caso Gabigol. Pode mudar com vitórias convincentes.
Tite tem uma chance de ouro para sustentar seu trabalho no Flamengo diante do Peñarol, neste 26 de setembro. Não é uma oportunidade para provar sua capacidade, o que ele já fez há muito tempo.
A ocasião que se apresenta é de mostrar que sabe ser ousado, agressivo e que sua visão de futebol não se resume à cartilha do discurso reunião de executivo de vendas que adotou, principalmente após assumir a Seleção.
Sim, a Seleção mudou Tite. Como mudou outros treinadores que por ela passaram. Desde o relacionamento no dia-a-dia à postura geral. Treinadores de seleção, no Brasil, parecem entender que, ao assumir o cargo, passam a frequentar um ambiente elitista, exclusivo. Justiça seja feita: Parreira e Felipão não mudaram, sempre foram as mesmas pessoas.
O Flamengo pode, sim, virar o placar diante do Peñarol e chegar às semifinais da Libertadores. Tem elenco e técnico para isso. Falta jogar como time e calçar as chuteiras da realidade.
Essa mudança passa por Tite. A linha entre convicção e teimosia é tênue em seu trabalho no Flamengo. Cabe a ele mudar o traçado.