Condução do Flamengo em renovação de Gabigol pode repetir erro fatal de 40 anos atrás
Ao segurar o processo de renovação de Gabigol, o Flamengo repete condução da situação de Zico, ídolo supremo que deixou o clube após não chegar a acordo
A negociação pela renovação de contrato de Gabigol com o Flamengo ganhou contornos que pouquíssimos esperavam. Se antes tudo estava bem encaminhado, o cenário atual é de maior nebulosidade e dependerá daquilo que o atacante apresentar dentro das quatro linhas em 2024. É um grande risco a ser corrido pela diretoria rubro-negra, especialmente se tratando de um ídolo.
A situação pode repetir um erro cometido há 40 anos, envolvendo o maior ídolo da história do clube: Zico, o Galinho de Quintino. O intuito não é trazer comparações entre os atletas, e sim enriquecer o debate com relação à escolha da diretoria do Flamengo de, novamente, segurar a renovação de um símbolo rubro-negro por conta de incertezas. Pode custar muito caro, ainda mais em ano de eleição.
Parabéns @Flamengo 128 anos ❤️? CRF pic.twitter.com/WDOmYmJjCb
— Gabriel Barbosa (@gabigol) November 15, 2023
O que fez a situação da renovação de Gabigol mudar?
Para uma situação antes bem encaminhada mudar assim, de maneira abrupta, deve existir pressão. Por mais que o departamento de futebol mantenha a postura favorável à renovação, nem mesmo ele esteve mais tão otimista depois da temporada ruim de Gabriel Barbosa pelo Flamengo. Foi a pior em números, sem dúvida, já que o atacante marcou 20 gols e distribuiu 4 assistências. Nem mesmo o ano pandêmico havia sido tão abaixo.
Dessa forma, ganhou força o discurso vindo da Gávea, em especial do departamento financeiro do clube, que vê o alto salário de Gabigol, atrelado com o tempo de contrato estabelecido, como um empecilho para as contas do clube. O atacante receberia uma valorização salarial nos moldes inicialmente acordados, ainda que já seja um dos maiores vencimentos do clube.
Antes inegociável, Gabi vive seu momento de maior incerteza no Flamengo. A renovação não está descartada, pelo contrário, ainda é considerada provável por fontes ligadas ao dia a dia do clube, mas, nesse momento, aquele acordo encaminhado está longe de um final feliz. Vai depender de uma série de fatores que podem, ou não, justificar o longo vínculo, com valorização salarial.
Performance de 2024 vai pautar renovação
A principal situação a ser analisada para confirmar a renovação de Gabigol é dentro das quatro linhas. Se a performance em campo foi muito ruim em 2023, o Flamengo espera uma volta por cima na próxima temporada para, aí sim, fecharem o acordo com os moldes originais. Do jeito que está, fica difícil de justificar mais quatro anos de contrato, além da valorização salarial.
Gabi terá o desafio de superar a reserva momentânea com Tite, algo que está incomodando, como revelou em entrevista ao podcast “Podpah”.
— Praticamente todos os jogadores saíram jogando com ele, e eu não, tá ligado? Claro que eu fico p*, quero jogar. Eu não estou suave, falei isso para ele. Óbvio que não estou feliz, quero jogar. Fui para a Inter (de Milão), Benfica, e saí porque não estava jogando. Não é pensamento individualista, todos já foram titulares com ele, eu ainda não fui. Sei que não tenho que ficar aqui falando, é mostrar o meu máximo, quando ele precisar vou estar lá — disse.
Apesar disso, a confiança interna na volta por cima de Gabigol é maior do que se espera. O entendimento é que o centroavante jogou boa parte da temporada com um problema muscular e, por isso, não conseguiu manter a melhor forma física. O trabalho de recuperação começou antes mesmo do fim da temporada, no intuito de recuperar o atleta o mais rápido possível.
Empresário de Gabigol mantém confiança no acordo
Júnior Pedroso, representante de Gabigol, vê a negociação com o Flamengo de outra maneira. O empresário confirma acordo pré-estabelecido com o Rubro-Negro e diz que confia na seriedade de Marcos Braz e Bruno Spindel para não melar a negociação. Segundo ele, não existe outro cenário que não seja a renovação do atacante com o clube.
— Existe um acordo econômico que foi muito bem conduzido pelo Bruno Spindel e Marcos Braz durante uma negociação de um pouco mais de um ano. Começamos em setembro de 2022 e finalizamos em meados de outubro de 2023 com uma ligação dos representantes do Flamengo nos parabenizando pela negociação. Também ligaram para os pais do Gabriel (Valdemir e Lindalva) e abordaram o Gabi pessoalmente no CT. Desde então estamos aguardando cautelosamente pelas minutas de contrato para avançarmos para os próximos passos: a assinatura e o anúncio oficial — revelou, antes de concluir:
— Não existe outro cenário. Nós negociamos com pessoas sérias. Passamos mais de um ano negociando com Braz e Spindel, com diversas reuniões no Rio e por telefone. Em outubro selamos o acordo verbalmente. Se isso mudou, aguardamos uma comunicação por parte do Flamengo. Negociamos com pessoas sérias, que cumprem acordos — finalizou, em entrevista ao ge.
Fantasma da renovação de Zico assombra
A condução da negociação, no entanto, assusta os rubro-negros mais antigos, cascudos, pois lembram do processo de outro grande ídolo do Flamengo. 40 anos antes, Zico viveu processo semelhante, em que o clube colocou a incerteza na renovação do maior ídolo. O resultado foi a venda milionária do Galinho de Quintino à Udinese, da Itália, mesmo contra a vontade do próprio jogador.
Zico revelou que não desejava sair do Flamengo e que se sentiu magoado pela postura da diretoria. A proposta mudou, a renovação não aconteceu, e o craque deixou o Rio de Janeiro.
— Quem tentou e conseguiu o patrocínio fui eu. Consegui um patrocínio da Adidas que me pagasse o que ia ganhar lá (na Itália). A Adidas iria pagar o valor (da transferência) e o dividiria em 24 meses. O Flamengo veio me dizer que essa proposta da Adidas já fazia parte da oferta que o Flamengo tinha feito (recusada por Zico). Aí eu vi que o Flamengo não queria renovar. Vou dar um exemplo: vamos dizer que o Flamengo me ofereceu 20, e eu consegui 40 com a Adidas. Aí eles disseram que esses 40 já estavam incluídos na proposta que na verdade era de 20. Mas não estavam, queriam mesmo era me vender — analisou, em 2014.
A curiosidade nessa história parte de personagens da diretoria. À época, o Flamengo era presidido por Antônio Augusto Dunshee de Abranches, pai do vice-presidente jurídico, Rodrigo Dunshee de Abranches. O atual dirigente, inclusive, é um dos mais cotados para liderar a chapa de situação do presidente Rodolfo Landim na eleição desta temporada.
Por isso a condução das negociações da renovação de Gabigol serão tão importantes. Esse raio, tão forte e impactante, não pode cair duas vezes no mesmo lugar. Ainda que algumas partes do contrato possam — e devam — voltar a serem discutidas, o Flamengo não pode sonhar em perder o ídolo. Seria mais um erro, talvez a última pá de cal, da atual diretoria do clube.