Brasil

Postura jurídica escancara falta de empatia da diretoria do Flamengo com a tragédia no Ninho

Na Justiça há mais de um ano com a última família a ser indenizada, de Christian Esmério, o Flamengo novamente recusou a pedida e mostrou pouca empatia

O Flamengo protagonizou mais uma gafe para a sua torcida, às vésperas do aniversário de cinco anos da sua maior tragédia, que tirou a vida de dez jogadores das categorias de base, no Ninho do Urubu. O Rubro-Negro já indenizou 25 das 26 famílias envolvidas no caso, mas segue em embate com a de Christian Esmério. No último desdobramento do caso, a falta de empatia do clube ficou escancarada.

Ao apresentar suas alegações finais, nesta segunda-feira (05), o Flamengo voltou a constestar os valores pedidos pela família de Christian Esmério, que ultrapassa os R$ 9 milhões. O departamento jurídico do Rubro-Negro escreveu que considera o desejo “exorbitantes” e quer pagar bem menos. A Trivela, assim como o Jornal O Globo, teve acesso ao novo capítulo na íntegra.

O que o Flamengo disse na sua defesa?

Ainda que tenha reconhecido a dor e o sofrimento causados pela tragédia, o Flamengo entende que os valores desejados pela família estão “fora do padrão”. Segundo a alegação do clube, a indenização por danos morais devem ser calculados entre R$ 150 mil e 500 salários-mínimos, considerandos a partir do valor da época, que girava em torno de R$ 998. Dessa forma, o máximo a ser pago pelo Rubro-Negro seriam R$ 499 mil, com juros.

“No caso concreto, por certo o sofrimento vivido pelos autores em razão da perda de seu filho de maneira tão trágica deve ser levado em conta, mas não se pode, no entanto, ser fixado dano moral em valor exorbitante e discrepante dos critérios estabelecidos pela jurisprudência”, escreveu o jurídico do Flamengo.

Além de pleitear a indenização de danos morais, o Flamengo tem decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para tentar, também, diminuir o valor da pensão. A defesa do clube entende que deve pagar dois terços de um salário mínimo, enquanto a vítima teria entre 16 e 24 anos e, depois disso, até os 65 anos, os valores diminuíriam para um terço. O montante é o oferecido e pago às demais famílias das vítimas.

Durante a defesa, o Flamengo voltou a confirmar que a tragédia não era previsível, embora outros processos estejam em curso, com provas sucintas de negligência. A culpa, de acordo com o Rubro-Negro, é da empresa fornecedora dos contêineres, que funcionavam como dormitórios no dia do incêndio. O clube ainda fez questão de relembrar os acordos com as outras famílias.
“O Clube de Regatas do Flamengo não cometeu qualquer ato ilícito que pudesse atrair para si a responsabilidade civil pelos danos sofridos” (..)

“A decisão pela indenização não tem condão de ser caracterizada como uma suposta confissão de culpa ou responsabilidade” (…)

“Somente revela que os dirigentes buscaram conduzir a situação com espírito de apoio e solidariedade por princípios morais”.

O que pede a família de Christian Esmério?

Christian era goleiro e tinha apenas 15 anos no dia do episódio. Sua família, dividida entre pais e irmão, pede um montante de R$ 9,3 milhões ao Flamengo, divididos entre danos morais e pensão, a serem pagos à vista. Como mencionado, o Rubro-Negro não aceita os valores e causa um imbróglio judicial na 33ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Por se tratar das alegações finais, o juiz deve publicar sentença em breve.

Christian Esmério era promessa do Flamengo e da Seleção Brasileira (Foto: Reprodução/Instagram)

Os valores, sem dúvida, são menores do que acordado entre Flamengo e as outras famílias, mas os pais de Christian estão buscando seus direitos na Justiça Comum, algo que praticamente não aconteceu. Todas as outras trabalharam diretamente com o clube. A audiência com a família de Esmério corre desde 2021, sem qualquer tipo de denominador comum.

O que a Trivela pensa sobre o assunto

Por mais que o Flamengo tenha argumentos jurídicos para, pelo menos, sustentar uma tese de que deveria pagar menos, os valores sequer deveriam ser discutidos pelo clube. Mesmo que ainda não tenha sido provado na Justiça, a tragédia aconteceu dentro das dependências do Rubro-Negro, no seu Centro de Treinamento. A diretoria tinha a chance de mostrar um lado empático, mas prefere a ganância.

Em janeiro, o Flamengo apresentou suas previsões financeiras para 2024, que colocam o clube em patamar de faturamento bilionário. Dito isso, surpreende a dificuldade de atingir os valores que correspondem a menos de 1% do montante. Como na pandemia, o Rubro-Negro foge do lado humanos para atender, único exclusivamente, seus próprios interesses. 

A diretoria do Flamengo fez poucas homenagens e teve pouca empatia com a tragédia no Ninho (Foto: Paula Reis/CRF)

Quem sofre nessa história, além das famílias, claro, é o torcedor do Flamengo. Aquele que vai ao Maracanã e lembra dos Garotos do Ninho com a música “Nossos 10”, aquele que cobra a diretoria e demais envoltos no imbróglio, sendo que ninguém, até o momento, foi preso. A tragédia, querendo ou não, é uma mancha na história do clube, mas os envolvidos fazem questão de aumentá-la.

Foto de Guilherme Xavier

Guilherme XavierSetorista

Jornalista formado pela PUC-Rio. Da final da Libertadores a Série A2 do Carioca. Copa do Mundo e Olimpíada na bagagem. Passou por Coluna do Fla e Lance antes de chegar à Trivela, onde apura e escreve sobre o Flamengo desde 2023.
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