Duelo dos Mais Queridos: São Paulo e Flamengo esquecem apelido na final da Copa do Brasil
Dois clubes que se orgulham de compartilhar o mesmo apelido, Flamengo e São Paulo deixaram de lado a alcunha de 'Mais Querido' na final
Arquibancadas lotadas no Maracanã, arquibancadas lotadas no Morumbi. A final da Copa do Brasil opõe duas das três maiores torcidas do país. Dois clubes que arrastam multidões por onde passam e que se orgulham de compartilhar o mesmo apelido. Flamengo e São Paulo são chamados de “O Mais Querido” em seus respectivos estados e se enfrentam neste domingo (24), às 16h (horário de Brasília), no duelo da volta da decisão, na capital paulista.
É curioso, aliás, que os dois mais queridos tenham “esquecido” suas raízes populares justamente nos jogos mais importantes do ano. As finais da Copa do Brasil são marcadas por ingressos com preços elevados e pouco acessíveis à imensa maioria dos torcedores destes dois clubes de massa.
Rivais “esquecem” apelido de Mais Querido na final
No último domingo (17), o Flamengo registrou o recorde de renda com bilheterias no futebol brasileiro. Foram astronômicos R$ 26.343.300, com um público pagante de 60.390 pessoas – o total foi de 67.350 torcedores. O tíquete médio foi de R$ 436,21.
O Morumbi também tem ingressos esgotados para a decisão. A entrada mais barata para o jogo da volta da final saiu por R$ 200. O valor é quase quatro vezes maior do que os R$ R$ 54,18 que o clube apresenta de tíquete médio nos jogos do Brasileirão. Há ingressos por R$ 1 mil nas cadeiras inferiores e por R$ 2 mil nos camarotes.
De Mais querido a Mais Popular
As origens do apelido
As origens do apelido de Mais Querido para o São Paulo remetem à inauguração do Pacaembu, em 1940. Ou melhor: três anos, em 1937. Era o início do Estado Novo, a ditura sob a presidência de Getúlio Vargas. Em um ato autoritário e contra as raízes estaduais, o presidente promoveu a queima em praça pública de todas as bandeiras estaduais, além de proibir o uso dos símbolos dos estados.
Em 27 de abril de 1940, entre 60 e 70 mil pessoas se acotovelaram nas arquibancadas no evento de inauguração do Pacaembu. Vargas, inclusive, estava presente na tribuna de honra. A festividade previa um desfile de clubes e delegações esportivas na pista atlética do estádio. Corinthians e Palestra Itália foram bastante saudados por seus torcedores.
Mas foi quando a delegação são-paulina apareceu, com as cores da bandeira do estado, que a multidão aplaudiu em uníssono, aos gritos de “São Paulo, São Paulo”. No dia seguinte, os jornais já estampavam manchetes em que chamam o São Paulo de clube mais querido. Os relatos são de que o próprio Vargas havia comentado com seus pares que o Tricolor era o clube mais popular da cidade.
Dias depois, o Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP) promoveu uma votação para decidir qual seria o clube mais querido da cidade de São Paulo. Corinthians e Palestra tinham torcidas maiores. Mas foi o São Paulo que ficou com o título, com 5.523 (47,9%) dos 11.528 votos.
Clube adotou rótulo de Mais Popular
A história escrita desde a inauguração do Pacaembu é de um São Paulo que empilhou títulos ao longo de oito décadas. O clube passou a se orgulhar muito mais de suas conquistas do que de sua popularidade. Mas isso mudou em 2023. Em meio a um jejum de 12 anos sem erguer uma taça de expressão nacional ou internacional, o Tricolor passou a se autoproclamar o clube “Mais Popular” em 2023.
E o São Paulo tem motivos para isso, que vão além das festas recentes da torcida. Dizer que o Estádio Cícero Pompeu de Toledo hoje mantém vivo o jeito “raiz” de torcer na cidade de São Paulo não é exagero. Enquanto os rivais Corinthians e Palmeiras inauguraram recentemente suas modernas arenas, o Morumbi resiste. Reformado e modernizado para ser mais confortável e acessível. Mas com as mesmas arquibancadas de quando foi concluído, em 1970.
Além disso, levantamento da Trivela mostra que o São Paulo pode se orgulhar, sim, de ser o clube mais acessível, numa comparação com os 12 clubes considerados grandes do país. O ingresso médio para ir a um jogo no Morumbi é o mais barato entre todos os gigantes do nosso futebol.
O tíquete médio no Morumbi é de R$ 54,18 para jogos do Campeonato Brasileiro. Um morador da cidade de São Paulo precisa gastar apenas 1,07% do valor do PIB per capita mensal para conseguir comprar uma entrada. A capital paulista tem um PIB per capita de R$ 5.062,50 – o mais alto entre as cidades com times na Série A.
Flamengo foi “Mais Querido” antes
Ainda que tivesse poucos anos de existência, o Flamengo ganhou a alcunha de “Mais Querido” dez anos antes do São Paulo receber o apelido e, inclusive, três temporadas antes do Tricolor ser fundado, em 1930. Na época, o Rio de Janeiro era a capital do Brasil e, com isso, o futebol era febre entre todos os cidadãos da Cidada Maravilhosa. O Rubro-Negro, por ser um clube de massa, recebeu tal título.
A votação de mais “sympathico” — como se escrevia — foi organizada pelo Jornal do Brasil, um dos mais famosos da época, em parceria com a água mineral Salutaris. Pouco importava se apenas cidadãos do Rio de Janeiro pudessem votar, ou que o pleito fosse por meio de um cupom publicado no diário ou no rótulo da garrafa: o título seria nacional, e a história estava sendo escrita.
No dia 3 de janeiro de 1928, o pleito terminou e deu a vitória ao Flamengo, com 254.850 votos, contra 183.742 do Vasco da Gama. O terceiro colocado foi o América, com 55.541 votos. O Flamengo então recebeu a taça Salutaris uma semana depois, no dia 10 de janeiro.
Crescimento da torcida
Claro que a torcida do Flamengo já era uma das maiores do país, mas ainda faltava um time que correspondesse e atraísse as massas ainda mais. O processo de nacionalização do clube começou bem antes do esperado, entre as décadas de 1930 e 1940, quando o craque Leônidas da Silva, principal jogador do Brasil na Copa do Mundo de 1938, vestia a camisa rubro-negra.
A difusão do futebol carioca começou pela rádio, na época em que o Rio de Janeiro ainda era a capital do país, a torcida do Flamengo. Outro craque, Zizinho, que comandou a Seleção Brasileira no período, fez com que o Rubro-Negro ficasse ainda mais popular. O ingrediente que faltava eram os títulos, mas isso tratou de ser resolvido com os tricampeonatos estaduais de 1942-1944 e 1953-1955.
Quando o Flamengo teve o melhor time do Brasil, no início da década de 1980, já tinha uma marca consolidada, que só fez crescer para as massas de todo o país. Aquele esquadrão, campeão de praticamente todos os campeonatos que disputou e liderado por Zico e companhia, deixou o torcedor ainda mais animado com o que viria por aí.
Era natural que, com o tempo, o Flamengo também ganhasse a alcunha de maior torcida do Brasil, algo que detém até os dias atuais. Tanto que, na última grande pesquisa da dados, organizada pelo instituto de pesquisa chamado Atlas, o clube da Gávea aparece em primeiro com larga margem.
- Flamengo – 21,6%
- Corinthians – 14,2%
- São Paulo – 9,9%
- Palmeiras – 7,7%
- Vasco – 6,2%
- Demais – 41,4%
Elitização nos últimos anos
Apesar de continuar sendo o clube que mais move massas e mexe com o dia dos torcedores, o Flamengo tem se tornado um clube para poucos nos últimos anos. Ao contrário de outras equipes, o programa de sócios-torcedores do Rubro-Negro não beneficia aqueles que mais estão presentes no Maracanã ou em qualquer outro estádio, e sim os que pagam o plano mais caro, o Diamante, que custa cerca de R$ 330 por mês.
Dessa forma, é natural que a arquibancada do Flamengo esteja cada vez mais desanimada, embora alguns jogos, como o do Inferno, em 2022, e a festa na ida da final da Copa do Brasil, resgatem o orgulho de um torcedor que só quer acompanhar o seu time. Afinal, como todos, dentro e fora do dia a dia, estão cientes, a Nação Rubro-Negra é o maior patrimônio do clube.