Copa do Brasil

Paulo Junior: Do início ao beijo, São Paulo controla Maracanã de maior renda e pior Flamengo

No palco onde o ingresso médio custou R$ 400 reais, Flamengo apresenta um futebol pobre e é controlado pelo São Paulo

O estádio do Maracanã, palco dos grandes sonhos do futebol mesmo depois de insistentes reformas que diminuíram sua excepcionalidade e gigantismo, confirmou seu simbolismo na elitização das arenas brasileiras ao viver no domingo sua tarde de renda recorde na história do futebol local, R$26 milhões, ou R$400 na média por ingresso, que só não deve ser mais marcante porque provavelmente terá a marca quebrada já na semana que vem, no Morumbi. É uma vergonha que não haja no país nenhuma preocupação, cuidado ou regulamentação sobre o preço das entradas do futebol, excludentes e constrangedoras.

Para fazer valer o borderô inflacionado, talvez só se Zizinho ou Zico reencarnassem fardando rubro-negro, mas pior. O dia que o flamenguista pagou o bilhete mais caro de sua vida coincidiu com o mais frustrante dos grandes jogos de sua notável geração – Arrascaeta fora, Everton Ribeiro no banco, Gerson, Bruno Henrique e Gabriel infrutíferos, Pedro nem sombra de quem foi clamor de Copa do Mundo. Para não dizer que não sobrou nada daqueles tempos de sonho, o lateral-direito Rafinha viveu a concentração e o acerto típicos de seus maiores dias, só que agora com a camisa rival.

Não condiz com a grandeza do São Paulo jamais ter conquistado uma Copa do Brasil, à parte os anos em que os times da Libertadores da América não disputaram o torneio por conta de uma aberração da CBF. Se a taça tardia for confirmada, terá sido uma campanha inesquecível ao eliminar os dois maiores rivais, Palmeiras e Corinthians, e bater um poderoso Flamengo no Rio de Janeiro, graças a um primeiro tempo que garantiu a vitória por 1 a 0 e não viu nenhum chute a gol do elenco mais estrelado do continente.

Lucas Beraldo, 19, não tem 50 jogos na vida, mas já possui algumas partidas para chamar de suas, a mais notável delas numa decisão de muita autoridade. Caio Paulista atestou seu grande momento como lateral-esquerdo, dando firmeza aos lados tal qual o já citado Rafinha no duelo com Bruno. E Alisson, quem diria diante daquele ponta de Cruzeiro e Grêmio, de fato aos 30 anos deu num camisa 8 de mediar o meio-campo de Flamengo x São Paulo valendo taça nacional.

Mais à frente, Rodrigo Nestor desfilou sua passada de sempre, muito esperto nas escolhas e a perna esquerda para dar o cruzamento na medida para Calleri espantar o azar. Cobrado por perder gols fundamentais nas duas últimas disputas de Sul-Americana, lhe faltava nesta altura da relação com o clube um gol deste porte, decisivo, num gesto de grande área que garantisse a vitória. Tocar no Calleri e ser gol nas jornadas copeiras, enfim.

E olha que Dorival tinha uma decisão a ser tomada, a ausência de Luciano no onze titular. Fez sentido. O São Paulo preencheu o campo sempre em maioria, não correu grandes riscos diante do time da casa e carregou o jogo ao seu gosto numa final como visitante, mesmo que precisasse abrir mão de seu camisa 10 que põe pilha e dá ritmo ao ataque em dias difíceis. Quando ele veio a campo no lugar do pouco influente Lucas para a meia hora final, o tom do confronto já estava dado. Não parece ser para agora que o treinador vai pensar em encaixá-los juntos, já que ambos gostam de jogar com a liberdade de construir atrás do centroavante e faltam só 90 minutos para a glória.

Do lado flamenguista, foi impressionante, ainda que esperado, que à medida que a final avançava diminuía a expectativa pela melhora do time. Isso porque se as grandes referências históricas do clube não vivem um grande momento individual, o que se dirá então de tentativas como Everton Cebolinha ou Thiago Maia no segundo tempo. A equipe até melhorou um pouquinho na volta do intervalo por mera lei da inércia. O São Paulo naturalmente reduziu as saídas, e não dava para o time carioca jogar menos. Mesmo assim, é difícil encontrar um torcedor que acredite numa boa partida daqui a uma semana. Não tem nada que aponte para isso.

Jorge Sampaoli, que saiu chutando o caminho para o vestiário ainda ao fim do primeiro tempo, não dá qualquer perspectiva de vitória ou, ainda antes disso, de competitividade de alto nível para esse Flamengo. Nenhum jogador tira seu melhor (nem Ayrton Lucas, que chegou à seleção há alguns meses, ataca com vigor parecido) e o coletivo é qualquer coisa. Aliás, cabe um mea-culpa: errei feio, aqui nesse mesmo espaço, acreditando que o rubro-negro, principalmente pela volta de Bruno Henrique, conseguiria dar respostas nessa reta final de temporada mesmo com um ambiente destruído pela agressão de um membro da comissão técnica a Pedro e a nítida constatação de que o argentino não é o comandante ideal para esse grupo. A Libertadores já foi, e a Copa do Brasil tem meia final disputada de forma muito abaixo do razoável. Desandou completamente e a manutenção do treinador soa como mera teimosia.

E aí surge a ironia inerente aos grandes personagens, o beijo de Gabigol. Como numa peça rodrigueana, ofertou o carinho à distância, da porta da sala de entrevistas, a Dorival Junior, seu ex-técnico e atual comandante adversário. O afago em frente às câmeras, entre a espontaneidade e a picardia, é o tempero que fecha um dia de total protagonismo do São Paulo nos momentos que estão, por enquanto, definindo a Copa do Brasil. Por que Arandir atendeu ao pedido do homem atropelado, moribundo, em O Beijo no Asfalto? Por que Gabriel, derrotado e vaiado, saiu de cena em tamanha doçura no meio de uma resposta do técnico vencedor?

O lado paulista tem uma mão na taça, e a história mostra que nunca houve um campeão visitante que tenha perdido o primeiro jogo em casa, busca inédita por parte carioca. Não é fácil imaginar uma virada tão grande em poucos dias que permita uma tarde flamenguista inspirada combinada a uma jornada são-paulina trágica. É possível, claro, afinal o placar marca apenas 1 a 0, mas que em clima parece muito mais. Uma goleada do São Paulo no astral e no controle do começo ao fim da estadia no Maracanã.

 

Foto de Paulo Junior

Paulo JuniorColaborador

Paulo Junior é jornalista e documentarista, nascido em São Bernardo do Campo (SP) em 1988. Tem trabalhos publicados em diversas redações brasileiras – ESPN, BBC, Central3, CNN, Goal, UOL –, e colabora com a Trivela, em texto ou no podcast, desde 2015. Nas redes sociais: @paulo__junior__.
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