Brasil

Futebol no Brasil tenta ser regional e nacional ao mesmo tempo, e o calendário sofre

Enquanto houver embate das federações estaduais dentro da CBF, não há vitória para o futebol brasileiro

O calendário brasileiro trata-se de um esforço permanente de colocar três litros numa garrafa de dois. Nunca cabe. O motivo do problema é óbvio.

O jogo no Brasil nasceu regional, virou nacional e está tentando ser as duas coisas ao mesmo tempo.

As raízes regionais do futebol no Brasil se mostram ainda na existência dos campeonatos estaduais e, especialmente, na força política das federações estaduais dentro da CBF. Essas tensões são naturais e inevitáveis — a própria política nasce do fato incontestável de que nenhuma decisão vai ser vista como desejável por toda a população.

Daí a estupidez do slogan “a minha política é o Brasil” de 2013 — qual tipo do Brasil? Essa é a pergunta.

E qual tipo do futebol brasileiro? Dá para achar algum tipo de meio termo? Muito difícil. A visão nacional está vencendo. Eu lembro quando o Estadual era considerado mais importante que a Libertadores — que parece absurdo da perspectiva de 2024. Mas a força política das federações dentro da CBF está atrasando a vitória.

Futebol argentino lida com problema de raiz semelhante

Tem uma forte tensão dentro do futebol argentino — um pouco diferente do Brasil, um pouco parecida — que explica as dificuldades por lá de manter um formato de campeonato e de estabelecer um número fixo de participantes.

Esse ano foram 28 times disputando dois campeonatos, o primeiro com play-off e o segundo de pontos corridos. Ano que vem vai mudar. Vão ter dois campeonatos com play-off. E parece que 28 times não foi considerado um número ideal. Vai subir para 30. Como explicar?

Velez Sarsfield, atual campeão argentino (Foto: Imago)

A maioria dos países da América do Sul espanhola tem um ponto em comum, herança da lógica colonial. São dominados por uma grande capital — o porto, de onde saem as matérias primas e onde entram os produtos manufaturados.

O futebol segue essa dinâmica, especialmente porque o esporte vingou na época em que essas capitais estavam crescendo rapidamente com a chegada de imigrantes da Europa e do Oriente Médio, e também com pessoas do interior procurando emprego.

Todos os grandes times históricos do Uruguai são de Montevideo, do Chile são de Santiago, do Peru são de Lima, do Paraguai são de Assunção — e da Argentina são de Buenos Aires.

É muito diferente da Europa, onde muitos times fortes e tradicionais são de cidades industriais da periferia.

Na Argentina, porém, a capital dominava tanto que o futebol da elite estava restrito ao times de Buenos Aires até 1967, quando se iniciou a ideia de ter dois campeonatos no ano — o Metropolitano e, aberto também aos clubes regionais, o Nacional.

A revolução provocada por Cesar Menotti e a ‘interiorização' do futebol argentino

O lendário César Luis Menotti (1938-2024), ex-treinador da seleção argentina
O lendário César Luis Menotti (1938-2024), ex-treinador da seleção argentina (Foto: IMAGO/Magic)

A importância de Cesar Menotti, o técnico que levou a Argentina para a sua primeira vitória na Copa do Mundo em 1978, é imensa neste sentido. O Menotti construiu um time capaz de enfrentar a nova ameaça da Holanda. O seu pensamento foi o seguinte: o tradicional futebol argentino pode vencer, mas temos que acelerar o ritmo, ficar mais dinâmico.

Por isso o contestado Osvaldo Ardiles era tão importante no meio campo. O próprio Ardiles me contou que até ele escalaria o classudo JJ Lopez, do River Plate, no seu lugar. Mas Ardiles era ritmo em pessoa, conectando-se com o ataque em alta velocidade e correndo para receber de volta.

E Ardiles veio de um projeto especial de Menotti. Com um homem de Rosário, o técnico estava bem ciente das dificuldades dos jogadores de fora de Buenos Aires, que sofreram sempre com a desconfiança da capital.

Menotti, então, formou um time somente das províncias, para ajudar esses jogadores a se sentirem mais confortáveis vestindo a albi-celeste. Ardiles saiu desse projeto e, a partir dali, a seleção argentina passou a ser um time verdadeiramente nacional.

Nos últimos anos, tem um projeto de fazer uma coisa parecida com os clubes, e transformar o campeonato argentino num torneio verdadeiramente nacional. E tem resultados. Até a última rodada, o Talleres de Córdoba estava brigando pelo título. Trata-se de uma força crescente, com uma das médias de público mais altas no país.

Na semana passada, a Copa foi vencida pelo Central Córdoba, que, apesar do nome, é de Santiago del Estero, no norte do país, e vai disputar a Libertadores pela primeira vez no ano que vem.

Tem novas forças aparecendo, então. Mas quem vai abrir espaço para eles? Aí fica o problema.

Um campeonato nacional maior

Um legado das décadas da dominância de Buenos Aires e a grande quantidade de times de bairro com tradição é impressionante. Tem um em cada esquina, e todos têm histórias de grandes campanhas e ótimos jogadores. Um exemplo óbvio é Argentinos Juniors. O estádio é do tamanho de um selo postal — mas ali foi o começo de Diego Maradona, entre outros, e o clube já ganhou a Libertadores.

Como manter um lugar para os times de bairro da capital e também abrir espaço para os clubes das províncias? Tendo um campeonato com 30 times.

O futebol argentino está tentando ser metropolitano e nacional ao mesmo tempo, uma corda bamba onde vai ser muito difícil manter o equilíbrio.

Foto de Tim Vickery

Tim VickeryColaborador

Tim Vickery cobre futebol sul-americano para a BBC e para a revista World Soccer desde 1997, além de escrever para ESPN e aparecer semanalmente no programa Redação SporTV. Foi declarado Mestre de Jornalismo pela Comunique-se e, de vez em quando, fica olhando para o prêmio na tentativa de esquecer os últimos anos do Tottenham Hotspur.
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