Brasileirão Série A

Paulo Junior: Inter se sacode com Coudet, que saiu outro dia. Até quando?

Esse eterno revezamento de passagens efêmeras e soluções imediatas para até daqui a pouco chega ao Inter a duas semanas do maior desafio da temporada

A duas semanas de seu maior desafio da temporada, o Internacional anunciou o retorno do técnico Eduardo Coudet para sacudir o desempenho do time que enfrentará o River Plate, em Buenos Aires, abrindo o mata-mata da Copa Libertadores com uma visita ao mais temido time para além das fronteiras brasileiras. Um movimento justo diante do que se via em campo no recorte recente, alguém que pode mobilizar um time sem grandes brilhos, ainda que represente o mais do mesmo do futebol brasileiro, esse eterno revezamento de passagens efêmeras e soluções imediatas para até daqui a pouco.

A expressão Dia da Marmota se popularizou em referência à repetição da rotina em que tudo segue sempre tudo igual, ao constante retorno ao lugar de sempre. O termo vem de uma tradição nos Estados Unidos em conferir ao bichinho a previsão da duração do inverno; ele sai da toca e, de acordo com sua relação com a luz e a sombra, sabe-se se a primavera está para chegar ou se a estação mais gelada ainda vai longe. Bill Murray cravou a história no cinema em O Feitiço do Tempo, vivendo um repórter de TV que acorda toda manhã na… mesma manhã. Pegou. Quem nunca bateu assim no despertador logo cedo.

Tem um pouco disso em acompanhar a bola no Brasil, presa numa situação frequente, cíclica, inevitável. É o Eduardo Coudet, já e de novo, o cara que deixou o próprio Inter na liderança do campeonato há menos de três anos pelo desejo de trabalhar na Europa. Uma escolha natural com o fim do ciclo de Mano Menezes e que, mais uma vez, não surpreenderá se tocar uma passagem curta, daqui até ali em dezembro, à espera de uma nova proposta para atravessar o oceano. É assim quando toca o alarme por aqui. De repente chamar um roedor hibernando para saber se um técnico dura um campeonato todo.

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Não é muito fácil analisar os treinadores no nosso futebol porque são raras as campanhas com começo, meio e fim, com direito de passar pela má fase, conviver com as intempéries da temporada e permitir uma visão geral sobre o período. Coudet comandou o Inter por apenas 40 e poucos jogos, deixando uma ótima impressão de briga por título nacional ao atravessar boas rodadas na ponta da tabela. O futebol impositivo e a postura vigorosa do time deixaram muitos fãs na arquibancada do Beira-Rio, mesmo que seja impossível prever se o Colorado bateria campeão – foi vice na última bola, já com Abel Braga, naquela rodada maluca de pandemia. Havia também, obviamente, o porém chamado Grenal. Foram seis encontros com o maior rival e nenhum resultado positivo, o que parece uma eternidade sublinhada no currículo.

Como foi a passagem de Coudet pelo Atlético-MG

Neste ano, no Galo, foram 35 jogos, trajetória que terminou em junho também muito antes do previsto, com outras questões de relacionamento e alguma novela para que firmasse uma saída sem pagamento de multa. O time mineiro despencou com Felipão até aqui, nenhuma vitória em um mês. E não se trata de achar que todo técnico tem que ter um longo período para trabalhar, mas fica cada vez mais óbvio que quem mais gosta de processo longo é comentarista de futebol. O resto, nem aí.

Uma das marcas de Coudet é a preparação física, exigindo muito gás do seu elenco para executar o jogo de pressão e intensidade que pretende. Yuri Alberto, hoje no Corinthians, contou recentemente sobre seu choque trabalhando com o argentino nos tempos de Inter:

Na primeira semana eu estava quase pedindo arrego. Corria muito. No treino físico você tinha que bater meta, chegava em casa com a panturrilha dura. Depois comecei a jogar, flutuava em campo”.

Com Chacho, prepare-se para maratonar e dar piques de voltas e voltas. Não à toa, sua equipe na área é próxima e robusta, com quatro profissionais.

A situação tem óbvias diferenças com 2020. Coudet é um comandante que, como o próprio admite, precisa de tempo para montar seus times. Naquela vez, ele pegou num início do ano, e agora tem poucas sessões de treino para buscar uma classificação diante do River Plate, ainda mais com a possibilidade do Brasileirão virar mera formalidade botafoguense. Os reforços também já chegaram, como Enner Valencia e Bruno Henrique, então a missão se dará mais em retribuir a confiança que lhe foi dada numa segunda chance com uma resposta rápida, acima de pensar num trabalho de médio prazo. O contrato, a princípio, é apenas até dezembro.

O que esperar de Coudet no Inter?

Em campo, uma evidente diferença é a tendência ao uso de uma dupla na frente, ao invés dos pontas, e aí ele pode ganhar com a combinação que favoreça o atacante da seleção do Equador, de pouco impacto nos seus dois primeiros jogos até aqui. Interessante também para ver o novo comportamento do meio-campo nessa virada para um jogo mais físico, a entender como irá lidar com nomes como De Pena e Alan Patrick, técnicos. Não por acaso ele contou com Edenílson e Patrick no Galo, ex-jogadores do Inter que ganham campo exatamente nessa imposição que Coudet tanto gosta.

Já Mano Menezes vive um momento de certa frustração. É verdade que fez um bom returno de Série A no ano passado, vice-campeão com expressivos 73 pontos. Mesmo que não tenha havido uma disputa por título real com o Palmeiras, ficou uma imagem de competitividade, mas que parou nisso mesmo para 2023. O time não conseguiu passar por duelos eliminatórios que pareciam acessíveis, contra Caxias e América-MG, e tem uma extrema dificuldade em atacar, clara nesses três jogos sem marcar em Cruzeiro, Fluminense e Palmeiras. Esperava muito mais dos times do gaúcho nessa década pós-seleção brasileira, onde chegou com méritos à época.

Se por tanto tempo repetimos que o futebol brasileiro só olha para o resultado, nesses clichês que a gente crava e depois tem dificuldade em desapegar, Mano cai com só uma derrota em 12 jogos, perdendo para o Fluminense no Maracanã, nada anormal, e empatando com o Palmeiras, sempre forte e atual campeão. Olha-se como nunca para o desapontamento com o campo, apesar dos nossos chavões.

É sempre apaixonante a forma com que o futebol nos ajuda a contar o tempo. Já faz 20 anos que aquele camisa 8, cabelo descolorido, jogou uma bola redonda aqui no Morumbi, contra o Corinthians. Um amigo da rua, que pintava o cabelo de loiro, dizia ele, por conta do Kurt Cobain, passou a ser chamado na quadra de Coudet. Era ruim que só.

Foto de Paulo Junior

Paulo JuniorColaborador

Paulo Junior é jornalista e documentarista, nascido em São Bernardo do Campo (SP) em 1988. Tem trabalhos publicados em diversas redações brasileiras – ESPN, BBC, Central3, CNN, Goal, UOL –, e colabora com a Trivela, em texto ou no podcast, desde 2015. Nas redes sociais: @paulo__junior__.
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