Brasileirão Série A

Atibaia: o refúgio do Botafogo que mostra que o futebol brasileiro segue preso na década de 90

Utilizado por grandes equipes para isolamento em meio à crises, Atibaia servirá de retiro ao Botafogo antes do jogo contra o Red Bull Bragantino

Na madrugada da última sexta-feira (10), logo após mais uma derrota traumática de virada por 4 a 3, a delegação do Botafogo viajou de ônibus do Rio de Janeiro para Atibaia, no interior onde São Paulo. O local, cerca de 430 quilômetros de distância da capital carioca, foi escolhido para o elenco alvinegro se isolar em meio à crise até domingo (12), quando o clube enfrenta o Red Bull Bragantino, às 16h (horário de Brasília), em mais um confronto direto no topo da tabela do Campeonato Brasileiro.

A ida para Atibaia já estava decidida antes mesmo da derrota para o Grêmio, a quarta consecutiva. A ideia de ficar concentrado longe do Rio de Janeiro surgiu com o objetivo de evitar novos protestos da torcida, blindar o grupo e aumentar o foco para o importante duelo contra o Bragantino. Buscar refúgio na cidade, que possui um resort com ala especialmente dedicada ao futebol de alto rendimento, é prática comum no futebol brasileiro há pelo menos 30 anos.

Em junho de 1993, o Palmeiras atravessava um jejum de mais de 16 anos de títulos. Após perder o primeiro jogo da final do Campeonato Paulista daquele ano para o Corinthians, o então técnico alviverde Vanderlei Luxemburgo pediu à diretoria que o elenco se refugiasse em Atibaia durante a semana que antecedeu o jogo de volta, acalmando os ânimos e se distanciando da pressão da torcida e da mídia. O plano funcionou, e o clube sagrou-se campeão estadual ao derrotar o maior rival por 4 a 0.

Desde então, as mais tradicionais equipes do futebol brasileiro tem ido até o local para realizar pré-temporadas ou repetir a ideia de Luxemburgo em meio a um momento conturbado. O retiro futebolístico funcionou diversas vezes, mas em situações bem diferentes da que o Botafogo se encontra.

A ida para Atibaia na sexta-feira pareceu ser muito mais para evitar protestos violentos durante a preparação para encarar o Red Bull Bragantino do que visando respaldar o grupo alvinegro. Afinal, a vida de um jogador de futebol em 2023 é bem diferente do que era em 1993, quando não existiam redes sociais e as críticas, cobranças, piadas e até ameaças não estavam a um toque no celular de distância.

Faz sentido ir até a cidade tendo em vista o protesto realizado na quarta-feira (8) por um grupo de torcedores na frente do CT do clube, com palavras de ordem como “Brasileiro é obrigação” e ameaças como “se não ganhar, a porrada vai comer”. Também é extremamente compreensível escolher o local pela proximidade com Bragança Paulista, onde acontecerá a partida pela 34ª rodada do Brasileirão.

Por outro lado, não dá para achar que a viagem vai isolar os jogadores da pressão externa ou dar mais tranquilidade ao time, ainda mais em um período tão curto de tempo e com alguém com os dias contados no comando da preparação, como é o caso do técnico Lucio Flavio, que deve estar no banco no domingo pela última vez no ano. Obviamente a decisão foi tomada na tentativa de atenuar a crise de alguma forma, mas não passa muita confiança de que acarretará numa melhora de resultados e mostra que o futebol brasileiro ainda acha que está na década de 90.

Alguns dos últimos retiros de grandes equipes em Atibaia

Desde o sucesso obtido pelo Palmeiras de Luxemburgo em 1993, boa parte os principais clubes brasileiros foram ao menos uma vez para Atibaia, seja para uma pré-temporada ou para buscar refúgio em meio à alguma crise. Por mais a ideia do treinador tenha funcionado pela primeira vez há 30 anos, ela ainda é repetida até hoje — e não apenas pelo Botafogo.

O Palmeiras talvez tenha sido justamente quem mais utilizou o plano em momentos complicados nos últimos 10 anos. Em junho de 2015, Marcelo Oliveira era o técnico do Alviverde e optou por um período de treinos no interior paulista após ser derrotado por 1 a 0 pelo Grêmio em sua estreia. Funcionou, e o time engatou uma sequência de quatro vitórias seguidas, começando por uma goleada por 4 a 0 sobre o São Paulo. Ao todo, foram oito jogos de invencibilidade, com sete triunfos e somente um empate.

Em novembro do mesmo ano, a campanha irregular no Campeonato Brasileiro resultou em mais uma ida para Atibaia. A semana no local não rendeu resultados imediatos, com dois empates e duas derrotas na sequência, mas foi considerada fundamental pelos palmeirenses na conquista da Copa do Brasil no início de dezembro. Lá foi gravado um vídeo marcante para a torcida dos jogadores falando da certeza do título semanas antes da decisão.

Já em março de 2016, Marcelo Oliveira foi substituído por Cuca, que começou sua passagem pelo Palmeiras com quatro derrotas consecutivas, incluindo uma goleada por 4 a 1 para o Água Santa. O Alviverde então passou dois dias em Atibaia e ficou sem perder por oito partidas, apesar de ter sido eliminado no Campeonato Paulista e na fase de grupos da Libertadores. O clube passou mais dois dias no local em setembro, mas vivia uma situação bem diferente, estando na liderança isolada do Brasileirão e invicto há nove jogos.

Nesta década, por outro lado, as viagens de times brasileiros para Atibaia não deram muito certo. No início de 2021, o Vasco, então comandado justamente por Vanderlei Luxemburgo, passou alguns dias treinando na cidade antes de um confronto decisivo contra o Bahia na briga contra o rebaixamento do Campeonato Brasileiro de 2020, atrasado em decorrência da pandemia de coronavírus. O técnico, entretanto, não obteve o sucesso de 30 anos atrás e viu o Cruzmaltino ficar sem vencer por cinco partidas após a viagem e acabar caindo para a Série B.

O Grêmio também foi duas vezes para Atibaia naquele ano. A primeira ida, em março, tinha o objetivo de concentrar a equipe antes do segundo jogo da final da Copa do Brasil contra o Palmeiras, após ter sido derrotado por 1 a 0 em Porto Alegre. Não deu certo, e o Tricolor perdeu por 2 a 0 no Allianz Parque e terminou vice-campeão.

Meses depois, em julho, o Grêmio voltou para o interior paulista para se refugiar enquanto frequentava a zona de rebaixamento do Brasileirão. Os dias no equipado resort não fizeram a diferença, e o time gaúcho seguiu brigando na parte inferior da tabela até ter seu rebaixamento sacramentado na última rodada.

Por fim, outro clube carioca utilizou as instalações de Atibaia em 2022. Em junho, a viagem para Atibaia foi a última cartada de Paulo Sousa para tentar se manter no comando do Flamengo, resgatar o caminho das vitórias e amenizar a crise. Curiosamente, o plano também foi colocado em prática antes de um duelo contra o Red Bull Bragantino, mas fracassou. O Rubro-Negro foi derrotado por 1 a 0 no Nabi Abi Chedid, e o técnico português entregou o cargo.

Foto de Felipe Novis

Felipe NovisRedator

Felipe Novis nasceu em São Paulo (SP) e cursa jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Antes de escrever para a Trivela, passou pela Gazeta Esportiva.
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