Botafogo, tinindo, sobe a régua, afina o time e constrange o Flamengo
Time de Artur Jorge fez parecer que goleada contra o rival foi pouco e agora chega embalado para decisão na Libertadores
Quando esse Botafogo em algum momento no futuro breve finalmente bater campeão depois do trauma do ano passado, terá havido a goleada sobre o Flamengo no domingo de Nilton Santos como definidor do time que subiu a régua do futebol praticado no Brasil. Entre o mata-mata contra o Palmeiras e diante do rigoroso calendário, não que se mostre imbatível, longe disso, mas é impactante ver o líder repetir o time da quarta-feira copeira para alcançar a maior goleada sobre o grande rival em mais de 50 anos. O resultado, largo, ainda foi pouco.
Porque alguém sempre vai dizer que o futebol precisa de tempo e processos (lembram daquele papo de que para vencer a Libertadores é preciso antes virar frequentador das fases finais, experimentar os grandes jogos etc), mas é ingênuo diminuir sua necessidade de urgência. O novo Botafogo tem essa demanda de escalar a montanha e fincar a bandeira, e precisava para ontem de uma imposição clara e evidente, sem nenhuma margem de dúvidas. Seis pontos contra o Flamengo, quatro gols que podiam ser cinco, seis, e um furacão de constranger o lado de lá, cansado, desfalcado, pesado e, até nas opções do técnico, meio resignado com o desnível.
Botafogo de Artur Jorge tem ajustes recentes e bem sucedidos
É claro que as comissões técnicas precisam mediar as baterias de seus principais jogadores, mas também o embalo de um time é importante para o momento em que a temporada chega ao seu ponto de tensão. Esse novo Botafogo afinou seus ajustes mais recentes, com Mateo Ponte subindo para Gregore sair na base do lado direito, por exemplo, e toda a desenvoltura que Almada e Igor Jesus deram de imediato, abundância de combinações possíveis para um ataque que nem nos deixa tempo de lembrar as lesões de Eduardo, Jeffinho e Jr. Santos. Vai ter jogador bom assim lá em General Severiano.
Luiz Henrique é um parágrafo à parte já que dá a impressão de poder decidir jogos ainda que estivesse num time medíocre – foi cair logo no mais físico e esperto de todos, uma máquina de achar espaço vazio para preencher e infernizar a defesa rival. O melhor atacante do país tem ainda mais companhia para ocupar a área e abrir clarões no meio da zaga, e fez parecer, num intervalo de poucos dias, que qualquer ideia de Abel Ferreira ou Tite seriam insuficientes para detê-lo. Quando cansarem, haverá Matheus Martins e Tiquinho no banco, babando por meia hora como se fosse a última. É uma insanidade o que o Botafogo te machuca com meio palmo de vacilo.
E se a vitória por 4 a 1 ficará como o videotape de síntese, Marlon Freitas é o ponto que garante o pleno funcionamento de uma equipe recente, talentosa, e que não tem deixado se perder como em outros tempos. Tem jogado muita bola para controlar e ditar o ritmo, achando tempo ainda para garantir as cavadas de gol nas costas dos beques rivais, aquele lance que todo mundo vai falar que foi mal marcado pelo adversário, mas poucos vão achar o tapa na medida furando a linha de impedimento. O futebol do camisa 17 está tinindo, ponto certeiro de maturação.
O que esperar do decisivo Palmeiras x Botafogo?
Mas tudo muito bem, tudo muito bonito, um técnico bom, uma zaga firme, uma espinha ótima com reforços melhores ainda, o texto falando aí em cima que é o time que tudo funciona bonitinho e coisa e tal, mas vem um jogo eliminatório contra os caras que têm quatro semifinais seguidas do torneio, só. Aí o Palmeiras acha um gol no início, a gente rasga os parágrafos acima e tudo vira o mais belo caos da Copa Libertadores da América.
É um patamar recente incomparável, que se não entra em campo estrita e diretamente, conta, claro que conta, porque você pega um Gómez, um Veiga, e o que eles já viveram do ambiente de quarta-feira (trocentas vezes só da pandemia para cá) o Botafogo ainda vai caminhar muito para alcançar. O time paulista, mesmo ainda sem achar o tom certo do onze atual, criou sua confiança e seu método capaz de vencer qualquer adversário amassando em sua casa – futebol vertical, intenso, de laterais e escanteios rápidos, lançamentos no vazio, cruzamentos no segundo pau e sem nenhum fetiche por posse de bola, concentrado no jogo aéreo e na casca dum vestiário que coleciona faixas de campeão. É por isso que a gente gosta tanto de um mata-mata, afinal. Sempre dá-se um jeito de igualar.
Costumo achar que confronto de grandes brasileiros na Libertadores é um duelo cinquenta a cinquenta, sempre, que fica por um pênalti, uma expulsão, uma casquinha, um raspão, uma cera. Quando saiu o gol do Flaco López para ganhar do São Paulo, a noite chegando pela janela (que lua!), tive a impressão que os de verde buscando o gol em casa era coisa séria demais, difícil de resistir. Mas o domingo só acaba quando termina, e veio o clássico do Nilton Santos para Marlon, Luiz Henrique e companhia puxarem a expectativa para cima e lembrarem que, calma lá, estamos aqui diante de uma turma que não dá pinta de sucumbir ali na frente. Então pega o cinquenta a cinquenta e arredonda de novo, até as casas decimais, em meio a meio cravado, mesmo num placar que já começa dois a um. Um jogo enorme, valendo muito… Uma nota, maestro Zezinho. Que beleza de Palmeiras x Botafogo vem aí.