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Hulk ou Reinaldo? Hexacampeão com Atlético-MG compara time histórico com elenco de 2025

A Trivela conversou com João Leite, que tem mais jogos com a camisa do Atlético-MG, hexacampeão mineiro, sobre a reedição do feito em 2025

O Atlético-MG está prestes a entrar nos almanaques da história esportiva de Minas Gerais. Daqui 40 anos, é bem provável que nos arquivos, que já não são mais de baú, os jovens vejam Everson, Guilherme Arana e Hulk, assim como hoje os atleticanos leem sobre João Leite, Luisinho e Reinaldo.

Não é qualquer um que consegue o feito de conquistar seis vezes seguidas o título estadual. Entre os grandes, apenas Galo, Grêmio, Internacional, Bahia e América podem se orgulhar deste feito.

Há mais de quatro décadas o Atlético conquistava o hexacampeonato mineiro, feito que o Alvinegro está prestes a repetir no próximo sábado (15). Basta não perder por mais de três gols de diferença, que o feito histórico estará consumado.

João Leite, homem com mais jogos com a camisa alvinegra (684), esteve presente nas seis campanhas vitoriosas do Atlético no estadual, entre 1978 e 1983. Ele mesmo não precisa lembrar do feito histórico, as pessoas que o param na rua já fazem isso.

— Eu e Heleno, capitão do hexacampeonato, viajamos muito e é impressionante como as pessoas nos reconhecem. Heleno me falou “Como é que pode, as pessoas lembrarem da gente com essa paixão 30 anos depois?” — destaca o ex-goleiro em entrevista à Trivela.

João Leite, hexacampeão com Atlético-MG
João Leite, hexacampeão com Atlético-MG (Foto: Instagram/João Leite)

Além de ser um celeiro de craques, que evidenciou Luisinho, Batista, Walter Casagrande e Aílton Lira, o charme do Campeonato Mineiro era, entre as décadas de 1970 e 1980, passava pelas ondas do rádio, diferente das mais variadas plataformas de streaming disponíveis atualmente.

O rádio era não apenas o principal (muitas vezes único) canal de transmissão das partidas, como permitia ao torcedor ter acesso aos bastidores dos clubes. Mas existia uma limitação territorial que fazia com que os torneios regionais ganhassem proporções muitas vezes maiores do que competições internacionais.

— Eu dei entrevista dentro da banheira depois de jogo. Eu vi o Reinaldo com dois sacos de gelo no joelho, depois de levar cada cotovelada no nariz e na boca, e os repórteres entrevistando ele. A Libertadores era distante. Como transmitir um jogo no Defensor de Del Chaco, ou um jogo lá na Colômbia, no Peru. Então, o Campeonato Mineiro tinha esse peso. Jogou na Libertadores, lá em Guayaquil, ninguém viu. Não foi transmitido pela televisão. Não existia isso — João Leite.

Além de tudo isso, o Estadual conta com um campeonato à parte — o clássico entre Atlético e Cruzeiro. O ex-goleiro atleticano fez parte do título invicto de 1976, mas viu o Cruzeiro superar o Galo no ano seguinte, fazendo com que o lado preto e branco de Minas fizesse uma grande mudança em seu time, com a chegada de Procópio Cardozo.

João Leite destaca que a rivalidade entre Atlético e Cruzeiro faz com que o Campeonato Mineiro seja relevante a ponto de derrubar treinador e elenco.

— O jogo contra o Cruzeiro, historicamente, é muito difícil porque entra o fator psicológico. Às vezes, um Cruzeiro muito forte perde para o time do Atlético com limitação, vice-versa, devido à questão psicológica. Esse é o jogo que a gente fala que desemprega, assim como o Campeonato Mineiro. Muitas pessoas falam que não vale nada, mas derruba treinador e jogador. Imagine, no hexacampeonato nosso, o Cruzeiro foi “hexa vice” — reflete o ídolo alvinegro.

Caso vença no sábado, o feito será ainda maior que o de 1983, se sagrando campeão invicto daquele que seria o seu 50º título de Campeonato Mineiro, maior número do estado. João Leite preferiu desviar de forma bem humorada ao ter que eleger qual time é melhor.

“Eu acho que o atual é melhor. Eu estou com 69 anos, o Reinaldo deve estar com 68, então nós não venceríamos o atual, não”, brincou.

João Leite reponde sobre Atlético-MG de 2025

Qual o tamanho de Everson na história do Atlético?

“Ele é campeão brasileiro, ele jogou Libertadores, ele é um atleta de alto nível, moderno. Ele é um goleiro muito leve, sai muito bem com a bola nos pés, ele consegue ganhar o jogo desde lá de trás. Ele encaixa bem no que se busca do goleiro hoje, então ele é muito importante. Ele é um dos grandes goleiros da história do Atlético. Não podemos esquecer Renato, que é do primeiro título brasileiro em 1971, e não podemos esquecer o Luciano, que foi um grandíssimo goleiro. Fábio, que chegou à seleção brasileira. Marcial, Cafunga, que foi campeão brasileiro em 1937. E o Everson, em alguns momentos, foi criticado, mas sem razão nenhuma. Ele está adequado ao momento do futebol mundial, ele pode jogar em qualquer lugar do mundo hoje pelas características dele, que são muito importantes para o futebol atual.”

Cuca é o maior treinador da história do Atlético?

“Barbatana estava na base do Atlético e o Telê Santana no time principal. Eu nunca mais esqueci os ensinamentos dele. Eu tinha 17 anos, jogamos contra o Valéria em Itabira e o Telê me chamou para conversar para saber como fui. Por exemplo, a gente tinha um atacante bom no número 9 e tal. No nosso treino ele entrou na área com a bola, chegou a defesa, ele saiu com a bola da área. O Barbatana apitou e ele perguntou o que foi. O técnico falou assim ‘falta sua. Um atacante entra na área e sai da área. A área é sua proteção, você pode dar um drible, fazer o gol, você pode sofrer um pênalti. Quando você sai da área, depois de entrar na área?' Isso é inesquecível. Ou ouvir o Procópio acertar a defesa, dizendo o seguinte ‘Não marque a bola, marque o jogador'. Então é difícil.”

“É claro que o Cuca tem um lugar especial por causa dos títulos e ele tem uma característica que eu vejo que é fundamental para a cultura do Atlético, a cultura de atacar. No grito da torcida. E através dessa maneira de jogar que o Cuca impõe, nós ouvimos surgir, por exemplo, o “Caiu no Horto, tá Morto”, porque era um time muito forte, que atacava muito forte. Então ele tem um lugar especial, mas tem outros treinadores também que foram muito importantes e merecem ser lembrados.”

Qual o lugar do Hulk na história do Atlético?

“No Atlético de todos os tempos, com Victor, Cerezo, Reinaldo, Éder. É um jogador muito importante, que é um exemplo, que se cuida e tem toda uma estrutura fora do Atlético. Muitas vezes nós vemos pessoas analisarem o atleta dizendo ‘ah ele tem 30 anos, veterano'. Eu lembro que levei o doutor Júlio Garganta, reitor da Universidade de Futebol do Porto, à Assembleia. Ouvi ele falar e foi impressionante. Comecei a pensar ‘o futebol português vai mudar, porque os treinadores todos são formados na faculdade'. Hoje nós vemos a CBF fazer um treino e dar diploma para um treinador, enquanto os portugueses estão tomando o mercado.”

“Uma coisa que o doutor falou e me marcou foi ‘o Brasil não tem paciência com os atletas, com 17 anos ele tem que ser um Pelé, um Neymar'. Ele dizia que um atleta pode estar no alto da sua forma com 18, 25, 35, 40 e não existe paciência com os atletas. Nós estamos vendo Fábio, vai fazer 45 anos, e atuando em altíssimo nível.”

“A falta de paciência com os atletas é que está trazendo essa perda para o Brasil e a formação de treinadores também. Não dá para ser uma aula da CBF. Como é que é isso? Vai formar treinador dessa maneira?”

Hulk ou Reinaldo?

“Eu vi o Reinaldo com 17 anos, com três cirurgias gerais. Eu via ele chegar no vestiário com a boca arrebentada. Eu vi o Reinaldo sofrer muito, foi algo assim, impressionante. Eu vi o Reinaldo na Itália, nós tínhamos vencido o torneio de Paris, 3 a 0. Heleno, Eder e o último gol do Reinaldo foi impressionante. Fomos para o Torneio de Cesena. De repente, um alvoroço. Chegou o avião do presidente do Paris Saint-Germain, após vencermos o PSG por 3 a 0. Ele colocou na frente do diretor do Atlético duas malas, milhões de dólares para o Reinaldo e milhões de dólares para o Atlético. O presidente do Atlético não vendeu. “

“Então, eu vi o Reinaldo já com seus 27, 28 anos, sentir dor para subir escada de tanta pancada que ele levou. Era um outro futebol, não era esse futebol hoje que tem um VAR para ver se tomou um soco, se tomou uma cotovelada, se foi uma entrada violenta. Então, é uma conversa diferente.”

“O Reinaldo fez um jogo contra o Atlético em Ponte Nova quando era adolescente. Colocaram ele no ônibus e trouxeram ele para BH. Ele morava debaixo da arquibancada de Lourdes, do estádio Presidente Antônio Carlos, onde hoje é um shopping center. Esse é o Reinaldo.”

O Atlético pode chegar repetir o América de 1916 a 1925 e ser decacampeão?

“Eu torço. Um investimento que a SAF está fazendo no Atlético, no estádio, Cidade do Galo, uma estrutura muito forte. E outra coisa importante é você ter jogadores que deixam exemplo. Então o Hulk vai deixar um exemplo lá. Você quer vencer? Você tem que entrar na banheira de gelo, trabalhar com fisioterapeuta. É isso que eu acho que é possível por conta dessa organização que foi feita no Atlético.”

Foto de Romulo Giacomin

Romulo GiacominRedator de esportes

Formado em Jornalismo na UFOP, passou por Mais Minas, Esporte News Mundo, Estado de Minas e Premier League Brasil. Atualmente, escreve para a Trivela.
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