Aos 44 anos, Shinji Ono encerrará uma das trajetórias mais belas do futebol japonês
Shinji Ono disputou três Copas do Mundo pelo Japão, de 1998 a 2006, e ofereceu uma qualidade técnica enorme, mesmo com uma carreira atravancada pelas lesões

O nome de Shinji Ono remete diretamente a anos áureos da seleção do Japão. O meia disputou as três primeiras Copas do Mundo em que estiveram os Samurais Azuis e era um ícone da equipe que recebeu o Mundial em 2002. Ono também construiu uma história respeitável por clubes, que inclui títulos da Copa da Uefa pelo Feyenoord e da Champions Asiática pelo Urawa Red Diamonds. Dá para discutir inclusive se a carreira do habilidoso armador não poderia ser maior: inegável talento, teve sua trajetória prejudicada pelas lesões. Porém, não interrompida. Afinal, aos 44 anos, Ono segue na ativa como jogador profissional. Nesta semana, de qualquer maneira, o veterano confirmou seu adeus. Irá pendurar as chuteiras ao final da J-League.
Ono defende o Hokkaido Consadole Sapporo. O meia chegou ao clube em 2014, com apenas uma breve passagem pelo Ryukyu entre 2019 e 2020. O medalhão, todavia, vem sendo pouco aproveitado e disputou apenas duas partidas nesta temporada, ambas pela Copa do Imperador. “Meus pés, que têm sido meus companheiros há 39 anos, desde que eu descobri o futebol, estão pedindo para que eu os deixe descansar. Assim, decidi parar de jogar futebol profissionalmente ao final da temporada. Ainda há alguns jogos pela frente, então eu continuarei a me preparar bem para estar presente o máximo possível. Obrigado pelo apoio até o fim”, escreveu Ono, em suas redes sociais.
A despedida de Ono tende a ser bastante emotiva. É um jogador querido no Japão, sobretudo pelos serviços prestados à seleção e pelos lances mágicos que oferecia em campo. O armador possuía um talento único para conduzir a bola e para dominá-la, com os dois pés, além da precisão imensa nos passes. O meia também reitera a longevidade de alguns dos maiores craques da história do seu país. O adeus de Ono acontece apenas um ano depois da aposentadoria de Shunsuke Nakamura, outra lenda. Entre os ícones dos Samurais Azuis na virada do século, quem se recusa a se dobrar ao tempo é mesmo o Rei Kazu Miura, na ativa aos 55 anos. A dedicação de Ono, ainda assim, não deixa de ser exemplar.
O fenômeno precoce
O futebol se tornou um caminho para Shinji Ono desde muito cedo. O garoto nascido na cidade de Numazu, na prefeitura de Shizuoka, era o sexto de dez irmãos. Vivia numa família carente, criado apenas pela mãe. Seu talento com a bola, no entanto, se tornou evidente ainda na infância e o menino seria convidado para treinar mesmo sem dinheiro para bancar uma escolinha de futebol. Fã de Diego Maradona, se destacou bastante desde as categorias de base. Estava claro como um talento especial surgia. Membro das seleções de base, Ono disputou o Mundial Sub-17 em 1995. Já em 1997, após terminar sua formação no futebol estudantil, recebeu uma proposta do Urawa Red Diamonds.
A ascensão de Ono foi meteórica a partir de 1998. O meia brilhou no Campeonato Asiático de Juniores e foi eleito o melhor jogador da competição. Isso garantiu as primeiras oportunidades na seleção adulta, aos 18 anos. Ono viajou à Copa do Mundo de 1998 como reserva e entrou em campo nos minutos finais contra a Jamaica, durante a fase de grupos. Conseguiu algumas jogadas de efeito e se provou como um fenômeno. Não deixaria mais a equipe nacional a partir de então. Mostra de seu talento, também foi eleito a revelação da J-League em 1998, voando pelo Urawa Reds.
Ono vivia grande fase quando disputou o Mundial Sub-20 em 1999. O meia usava a braçadeira de capitão e liderou o Japão rumo à decisão do campeonato, com suas jogadas mágicas sendo frequentes na campanha. Todavia, suspenso, viu apenas do lado de fora a final contra a Espanha. E outro momento duríssimo ocorreu nas semanas seguintes, durante o Pré-Olímpico Asiático. Ono tomou um carrinho violento contra Filipinas e sofreu uma ruptura ligamentar no joelho. A recuperação seria bastante penosa e teria seu impacto no desempenho do craque. Ele daria a volta por cima, mas sua curva de crescimento nunca atingiu as expectativas projetadas.
Com o desfalque de Ono, o Urawa Reds foi rebaixado na J-League. O jovem também se ausentou dos Jogos Olímpicos, por causa de suas condições físicas. No entanto, mesmo jogando a segunda divisão, esteve presente na Copa da Ásia em outubro de 2000 e fez parte do time que conquistou o título continental. Seria um momento importante de sua recuperação, em que faturou também o acesso de volta à elite do Campeonato Japonês e depois participou da marcante campanha do Japão na Copa das Confederações de 2001, quando a equipe perdeu a decisão diante da França. O camisa 18 era o dono da meia esquerda dos Samurais Azuis.
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O sucesso na Europa
Shinji Ono se transferiu ao Feyenoord em 2001/02. O japonês chegava como uma aposta em Roterdã e viveu um momento especial do clube, com a conquista da Copa da Uefa logo na primeira temporada. Ono era titular absoluto na campanha e contribuiu com gols decisivos, balançando as redes de Freiburg e Rangers. Na decisão contra o Borussia Dortmund, o camisa 14 deu a assistência para o gol de Jon Dahl Tomasson, que fechou a conta em 3 a 2 e garantiu o troféu ao Stadionclub. Seu pioneirismo para os jogadores japoneses se consolidava naquele momento.
E ainda teria a Copa do Mundo. Aos 22 anos, Ono era titular do Japão que recebeu o Mundial em 2002. O meia ainda chegou a ser dúvida para o torneio, por causa de uma apendicite, mas se recuperou a tempo de disputar as quatro partidas da campanha. Teve seu destaque especialmente no jogaço contra a Bélgica, com uma assistência para Takayuki Suzuki e muita criatividade pelo lado esquerdo. Era a consolidação da imagem do meia cerebral, num time muito bem servido de talentos, com as presenças de Hidetoshi Nakata e Junichi Inamoto no mesmo setor. Ono terminou 2002 eleito o Jogador Asiático do Ano.
Ono continuou como uma figura de relevo no Feyenoord. O meia passou a atuar inclusive mais recuado, como volante, sem perder a maestria. Talentos que surgiam no clube, Robin van Persie e Dirk Kuyt costumam colocar Ono entre os melhores com quem jogaram, assim como adversários do calibre de Wesley Sneijder. Contudo, as lesões voltaram a atravancar seu desenvolvimento. Foram quatro temporadas completas no De Kuip, com 148 partidas disputadas, além de 24 gols e 24 assistências. Tornou-se um jogador muito querido pela torcida holandesa. Já pela seleção, Ono ganhou a chance de disputar as Olimpíadas de 2004, como um dos atletas acima do limite de idade, mas sem vida longa no torneio. Também reapareceu em sua terceira Copa do Mundo, chamado por Zico para o Mundial de 2006. Entrou em campo apenas na partida contra a Austrália, sem influência na fraca campanha dos Samurais Azuis.
Campeão também na Ásia
Naquele momento, Shinji Ono já tinha retornado para casa. O meia voltou a vestir a camisa do Urawa Red Diamonds em janeiro de 2006. Eram tempos áureos sob as ordens de Guido Buchwald, numa equipe que contava também com uma colônia brasileira composta por Washington Coração Valente, Robson Ponte, Nenê, Alex Santos e Marcos Túlio Tanaka. Ainda em 2006, Ono foi parte importante da equipe que faturou a J-League e a Copa do Imperador. Já o ápice aconteceu em 2007, com a conquista da Champions Asiática. Ono disputou todos os jogos até as quartas de final, ausente apenas na reta decisiva. Voltou a tempo de jogar o Mundial de Clubes com os Reds, que terminaram na terceira colocação.
Em 2008, Shinji Ono tentou a sorte novamente na Europa. Foi para a Bundesliga, tão aberta aos talentos japoneses. Entretanto, não disputou mais do que 32 partidas pelo Bochum em três temporadas, outra vez atrapalhado pelas lesões. Também em 2008, o meia disputou o seu último jogo pela seleção do Japão, após 56 aparições e seis gols. As três Copas do Mundo mediam a grandeza de Ono, de qualquer forma. Às vésperas de completar 30 anos, muito desgastado pelos problemas físicos, o craque saía dos holofotes. Mas continuava honrando sua paixão pelo futebol.
Ono voltou a ser um nome de destaque nos tempos de Shimizu S-Pulse, com três temporadas pelo clube entre 2010 e 2012. Depois disso, o armador foi se aventurar na Austrália e se deu bem, campeão da A-League com o Western Sydney Wanderers em 2012/13. Foram duas temporadas em bom nível, antes de retornar ao Japão. Desde 2014, Ono virou um símbolo do Hokkaido Consadole Sapporo. Auxiliou o time do norte do país a voltar à primeira divisão. Em 2019, mudou-se ao sul e passou a atuar em Okinawa, pelo Ryukyu, na segunda divisão. Foram mais duas temporadas no arquipélago, até o retorno a Sapporo em 2021.
Durante as últimas três temporadas, Ono disputou apenas cinco partidas pela J-League. Não atuou pelo campeonato nesta temporada, diante do peso da idade e do acúmulo de problemas físicos. A permanência no clube é mais uma ode ao futebol feita pelo veterano, satisfeito em participar da rotina de treinos e de servir como uma boa influência aos mais jovens. Ono tem muitas histórias para contar, tantas delas belíssimas. Seu lugar na história do futebol japonês está escrito. E, com seu adeus, será o momento de aplaudir essa trajetória ímpar.