Doze histórias para acompanhar de perto na Copa da Ásia de 2019

É uma pena que a Copa da Ásia, a principal competição de seleções do continente, não será transmitida na televisão brasileira. Não é isso, porém, que deve diminuir o interesse por uma edição especial do torneio. Pela primeira vez, 24 equipes estarão no certamente. O aumento permite o ingresso de estreantes e de outros times não tão tradicionais no futebol, enquanto o equilíbrio deverá se traduzir em um cenário aberto na luta pelo título. Por aquilo que fizeram no último ciclo mundialista, aparecem um passo à frente Irã, Japão e Coreia do Sul. Mesmo assim, não dá para descartar possíveis surpresas e azarões – em um certame que, vale lembrar, há 12 anos era faturado pelo Iraque sobrevivendo à guerra.
Entre sábado e domingo, publicaremos uma série de especiais sobre o passado e o presente da Copa da Ásia. Além disso, outros textos sobre o contexto geopolítico aparecerão ao longo da competição. Abaixo, 12 histórias a se acompanhar, entre as principais seleções e outras que podem despontar. Confira:
>>> A Copa da Ásia estará repleta de estreantes em 2019
>>> Como a Copa da Ásia ajuda a contar a história geopolítica do continente
>>> Um mapa interativo com todos os participantes da história da Copa da Ásia
>>> 25 anos do título que transformou a seleção japonesa
>> Destruído pela guerra, há 10 anos o Iraque se unia em um só orgulho
– A hegemonia do Japão, em um momento de mudanças
O Japão atravessou um longo período sem disputar a Copa da Ásia nos primórdios da competição. Sua estreia aconteceu apenas em 1988 e, a bem da verdade, em muitas das edições anteriores os nipônicos sequer figuraram nas eliminatórias. No entanto, o surgimento da J-League foi concomitante à dominância dos Samurais Azuis no cenário continental. De 1992 a 2011, eles conquistaram quatro títulos em seis edições do torneio asiático. Supremacia que tentam recuperar após o bom papel na Copa do Mundo de 2018. Não espere, entretanto, a mesma seleção japonesa. As mudanças começam pelo comando, onde Hajime Moriyasu impõe suas ideias, credenciado especialmente por seu trabalho anterior no Sanfrecce Hiroshima. Além disso, diversos jogadores renomados não foram convocados. Uma longa lista que inclui aposentados como Makoto Hasebe e Keisuke Honda, mas também Shinji Kagawa e Shinji Okazaki. Por conta disso, o elenco se baseia bastante na J-League, sobretudo no setor defensivo. Gaku Shibasaki é um dos pilares neste novo momento. Além disso, Takashi Inui terá responsabilidade redobrada. O ponta seria deixado de fora por Moriyasu, mas precisou ser chamado de última hora após a lesão de Shoya Nakajima, grande esperança do time até então. O camisa 10 foi ignorado rumo à Copa do Mundo e desponta como promessa nesta repaginação, ao lado de Ritsu Doan.
– Agora vai, Coreia do Sul?
A uma seleção que bate cartão na Copa do Mundo desde 1986, não conquistar a Copa da Ásia há quase 60 anos é motivo de vergonha. E a lista de fracassos da Coreia do Sul no torneio continental ainda inclui quatro vices desde o longínquo bicampeonato consumado em 1960. Naturalmente, há uma enorme cobrança para que os sul-coreanos rompam o jejum. O time atual possui os seus predicados. Fez uma Copa do Mundo razoável, embora siga em frente sob as ordens de Paulo Bento, ainda tentando estabelecer o seu trabalho à frente da equipe. Apesar de algumas dúvidas sobre o português, o elenco tem talento para sonhar alto. Son Heung-min desembarca nos Emirados Árabes aliviado pelo fim de seus entraves com as forças armadas e será o grande jogador a se acompanhar no torneio. Jo Hyeon-woo saiu com moral após as ótimas atuações na Copa do Mundo. E a lista de protagonistas conta ainda com uma série de atletas em evidência na Europa, como Ki Sung-yueng, Hwang Hee-chan e Ji Dong-won. Resta saber se serão suficientes para superar a pressão imposta pelos traumas recorrentes.
– A Austrália busca se reafirmar, mas com desfalques
Futebolisticamente, a mudança da Austrália para a AFC trouxe diversos saldos positivos. Os Socceroos se tornaram participantes costumeiros na Copa do Mundo e também demonstraram sua força na Copa da Ásia, com o título inédito em 2015. Repetir o bicampeonato, todavia, não deve ser tão simples. Depois de uma morna campanha no Mundial de 2018, os australianos mudaram o seu comando técnico, com a chegada de Graham Arnold – treinador multicampeão no futebol local. O problema será lidar com as ausências. As aposentadorias de Tim Cahill e Mile Jedinak deixam um vácuo na equipe nacional. Pior são as lesões, que tiraram Aaron Mooy e Daniel Arzani (dois dos melhores australianos na Rússia) da Copa da Ásia. Tom Rogic e Matthew Leckie também chegam distantes de suas melhores condições, em dúvida sobre o quanto poderão contribuir. Assim, cresce a responsabilidade sobre jogadores como Massimo Luongo, Robbie Kruse e Mat Ryan. A defesa segue como um ponto forte, mas o impacto ofensivo das perdas deixa suas interrogações.
– O Irã e a chance de consagrar o trabalho de Queiroz
Tricampeão da Copa da Ásia, o Irã não ergue a taça desde 1976. E esta parece a melhor chance para se recolocar no topo do continente. Afinal, Team Melli pode ser considerado como a melhor seleção asiática dos últimos anos. Sobrou nas Eliminatórias da Copa e fez uma campanha louvável no Mundial de 2018, mesmo sucumbindo na chave que também possuía Marrocos, Espanha e Portugal. Aquele era visto como o canto do cisne de Carlos Queiroz. No entanto, o lusitano seguiu à frente dos persas e agora terá a chance de um grand finale nos Emirados Árabes Unidos. A consistência da equipe é a chave aos iranianos, com um sistema defensivo muito forte e o jogo direto no ataque. Se há reticências sobre a campanha, está nos sentidos desfalques. Saeid Ezatolahi se lesionou e está fora da competição, enquanto Alireza Jahanbakhsh retorna de uma contusão recente. Assim, a responsabilidade dobra sobre Alireza Beiranvand, Saman Ghoddos, Mehdi Taremi e as outras referências do grupo. Boa notícia, Sardar Azmoun repensou sua precoce aposentadoria da equipe nacional e estará na Copa da Ásia.
– Emirados Árabes Unidos e o realinhamento da Ásia
Sediar a Copa da Ásia pode ser um fator decisivo, como a própria história da competição apresenta. Sete das 16 edições do torneio foram vencidas pelos países anfitriões. E os próprios Emirados Árabes Unidos, sede em 2019, têm ótimas lembranças da primeira vez em que receberam a competição. Foi em 1996, quando registraram sua melhor campanha, derrotados na final para a Arábia Saudita. Este é o momento para os emiratenses reafirmarem a relevância. O futebol local se fortaleceu bastante nas duas últimas décadas, com forte investimento em estrelas internacionais. Mais do que isso, os jogadores nativos também desabrocham, aumentando a representatividade da seleção. Na Copa da Ásia de 2015, alcançaram as semifinais e agora buscam mais. Os atacantes Ahmed Khalil e Ali Mabkhout são as principais faces do elenco, que lamenta a ausência do habilidoso Omar Abdulrahman, lesionado. Serão os protagonistas no time de Alberto Zaccheroni, que aposta em um estilo mais defensivo, para os astros resolverem na frente.
– A disputa particular entre Catar e Arábia Saudita
Caso você tenha acompanhado o noticiário de política internacional nos últimos meses, sabe que há um grande foco de tensão do Catar com os seus vizinhos, em movimento liderado pela Arábia Saudita. Em julho de 2017, um grupo de países árabes exigiu uma série de atitudes diplomáticas do governo catariano, incluindo o rompimento com o Irã. Como as medidas não foram aceitas, 13 governos cortaram suas relações com o Qatar. E as medidas acabam respingando sobre o futebol. Os Emirados Árabes estão entre os países que viraram as costas aos catarianos e, por conta disso, o acesso de jornalistas, torcedores e dirigentes para a Copa da Ásia 2019 é limitado. Ainda há riscos de as hostilidades contra a seleção do Catar se tornarem comuns. Como se não bastasse, o time dirigido por Félix Sánchez está no mesmo grupo da Arábia Saudita. Precisando se provar às vésperas da Copa do Mundo de 2022, os catarianos contam com os frutos de seus intensos investimentos nas categorias de base. Dominado por jogadores do Al-Sadd, o elenco tem como destaques Abdelkarim Hassan e Akram Afif. Já a Arábia Saudita tenta deixar uma impressão melhor do que a vista na Copa de 2018. Ainda sob as ordens de Juan Antonio Pizzi, os sauditas se caracterizam pela forte posse de bola, apesar da falta de agressividade. O investimento recente na liga local também pode repercutir, com o retorno dos jogadores que haviam feito um pouco eficaz “intercâmbio” na Espanha.
– Síria, Iraque, Iêmen, Palestina: o valor de uma bola
Seleções que sequer podem atuar em seus territórios, ligas nacionais aos frangalhos (ou inexistentes), jogadores que precisam realizar sacrifícios para se apresentar às convocações. Em diferentes graus, o sucesso dos quatro países citados acima rumo à Copa da Ásia é notável. A maior façanha é a do Iêmen, que estreará no torneio continental. Sob um denso conflito civil e com outros tantos problemas sociais, o país não possui um campeonato de futebol desde 2015. Mesmo no olho do furacão, os iemenitas asseguraram a classificação, graças ao trabalho contínuo realizado por sua seleção. A Palestina também tende a ser mera figurante, mas confia nos filhos da diáspora para compor o seu elenco e aumentar as chances de um papel digno. O Iraque, por sua vez, não deve repetir o milagroso título de 2007, mas indica o seu crescimento. O futebol no país restabelece a normalidade e os clubes fazem campanhas de destaque nos torneios continentais, apesar da base estrangeira no grupo convocado por Srecko Katanec. Por fim, as maiores esperanças se depositam sobre a Síria. A equipe já sonhou alto nas Eliminatórias, quase desbancando a Austrália rumo à repescagem. Segue com um grupo forte, por mais que os entraves internos prejudiquem a preparação. Atenção em Omar Al Soma e Omar Kharbin, estrelas no futebol saudita.
– Tailândia, Vietnã, Filipinas: as surpresas do sudeste?
Completamente fanático por futebol, o sudeste asiático não possui campanhas tão marcantes assim na Copa da Ásia. Mesmo quando o torneio foi disputado por lá, em 2007, o desempenho foi modesto. E uma boa chance para escrever uma história diferente acontece em 2019. São três representantes da região. Mais experimentada internacionalmente, a Tailândia não vem registrando resultados tão empolgantes, mas possui a experiência do técnico Milovan Rajevac (quadrifinalista com Gana na Copa de 2010) e alguns jogadores considerados como parte da “geração de ouro tailandesa”. As Filipinas, por sua vez, estreiam no torneio continental sob as ordens de Sven-Göran Eriksson e com um elenco repleto de jogadores nascidos fora do país, parte de um amplo programa de recrutamento de descendentes de filipinos feito pela federação. Os lamentos ficam pela ausência do goleiro Neil Etheridge, que preferiu não desfalcar o Cardiff City, titularíssimo na Premier League. De qualquer maneira, o maior candidato a surpresa é o Vietnã. Os Dragões Vermelhos atravessam uma longa série invicta e acumulam campanhas de destaque em competições menores do cenário continental. Com um time essencialmente jovem, podem despontar para mais.
– China, Índia e os efeitos do investimento
China e Índia rechearam seus campeonatos locais com medalhões nos últimos anos. Enquanto os chineses desembolsaram muita grana em diversos jogadores com mercado nas principais ligas da Europa, os indianos preferiram montar um torneio de tiro curto a veteranos à beira da aposentadoria. Ainda assim, o dinheiro despejado não se reflete necessariamente nas seleções. A cobrança maior se deposita sobre a China, naturalmente, também por criar um programa para o desenvolvimento de talentos. Apesar de todo o seu currículo, Marcello Lippi não tem protagonizado grandes feitos com seus comandados e terá na Copa da Ásia sua última chance, antes do término do contrato. Dá para esperar ao menos uma caminhada aos mata-matas, diante do grupo acessível e da excelente forma do artilheiro Wu Lei. Aos indianos, as expectativas são bem menores, até pelos resultados modestos e pelas rusgas internas com o técnico Stephen Constantine. A mera presença na fase final já é algo a se comemorar.
– A representatividade soviética
O Uzbequistão se firmou como a principal seleção da antiga União Soviética no continente asiático. Sempre disputou a Copa da Ásia desde sua independência e também fez campanhas notáveis nas Eliminatórias da Copa do Mundo, por mais que insistentemente bata na trave. A badalação dos uzbeques é menor do que em outros anos, mas seguem aptos a uma jornada digna nos Emirados Árabes Unidos. Héctor Cúper chegou revigorado após seu trabalho à frente do Egito e conta com uma base rodada por clubes do continente. O capitão Odil Ahmedov é a estrela. Além disso, outras duas antigas repúblicas soviéticas também marcarão presença. O Turcomenistão reaparece na Copa da Ásia após 15 anos. Seu sucesso se concentra no Altyn Asyr, principal clube do país, que cedeu 11 jogadores. O Quirguistão, por sua vez, faz história como um dos estreantes. Principal clube local, o Dordoi Bishkek também concentra os selecionáveis. E a ascensão passa pelo recrutamento de quirguizes nascidos ou crescidos em outros territórios.
– Os clássicos da fase de grupos
Seja por motivos geográficos ou meramente esportivos, a fase de grupos da Copa da Ásia oferecerá um bom número de jogos interessantes. O aumento no total de participantes tende a diminuir a importância desta fase inicial. Ainda assim, vale ficar de olho em alguns embates. No Grupo B, a Síria terá sua revanche contra a Austrália após as Eliminatórias da Copa, além de fazer uma partida de pano de fundo denso contra a Palestina. O Grupo C reserva um interessante Coreia do Sul x China, além do reencontro de Marcello Lippi e Sven-Göran Eriksson no China x Filipinas. O Grupo D terá Irã x Iraque, um dos maiores clássicos da Ásia. Arábia Saudita e Catar, como dito acima, movimentam a geopolítica no Grupo E. Por fim, no Grupo F, há ainda uma peleja soviética entre Uzbequistão e Turcomenistão.
– Técnicos estrangeiros, muitos
Desde 1980, a Copa da Ásia foi majoritariamente faturada por treinadores estrangeiros. O saudita Khalil Al-Zayani e o australiano Ange Postecoglou são as exceções, em uma lista que possui três brasileiros – incluindo o único bicampeão da história, Carlos Alberto Parreira. E a presença de comandantes de fora também é padrão em 2019. Alberto Zaccheroni, atualmente à frente dos Emirados Árabes Unidos, é quem pode repetir o bi. Marcello Lippi, Sven-Göran Eriksson, Carlos Queiroz, Héctor Cúper e Juan Antonio Pizzi são outros medalhões. A lista de europeus se engrossa por diversos nomes, que incluem Pim Verbeek, Srečko Katanec, Paulo Bento e Milovan Rajevac. À frente da Palestina, há ainda o argelino Noureddine Ould Ali. Assim, somente cinco técnicos dos países da confederação trabalharão na Copa da Ásia: Ýazguly Hojageldyýew (Turcomenistão), Hajime Moriyasu (Japão), Kim Yong-jun (Coreia do Norte) e Graham Arnold (Austrália), além do sul-coreano Park Hang-seo, fazendo grande trabalho no comando do Vietnã.