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Dois anos depois do encontro com Messi, Murtaza enfrenta a realidade como refugiado em Cabul

Murtaza Ahmadi proporcionou uma cena tocante, das mais fortes possíveis para simbolizar o futebol. O menino com o saco de plástico albiceleste amarrado no corpo, nome e número de Lionel Messi pintados com caneta às costas, demonstrou como não há nada que impeça um sonho. E o deslumbramento de sua imaginação infantil se tornaria real quando pôde conhecer o ídolo, quando não o largou durante amistoso no Catar. No entanto, a realidade crua também dilapida o sonho. Quase três anos depois, uma reportagem da EFE mostra o outro lado da história. Murtaza passou parte deste tempo enclausurado e agora vive como refugiado no Afeganistão.

Murtaza hoje tem sete anos. Não mora mais em Jaghori, cidade no sul de seu país. Em novembro, o Talibã iniciou uma ofensiva sobre a região, antes considerada pacífica, e forçou mais de dois terços da população a fugir. Entre estes refugiados está a família do menino, há duas semanas habitando em Cabul. “Sinto falta de nossa casa em Jaghori. Aqui não tenho uma bola e não posso jogar futebol ou sair de casa”, disse o menino, à EFE. Sequer pôde levar a bola e as camisetas autografadas que ganhou de Messi, no desejado encontro.

A vida enclausurado, porém, não é uma novidade. Segundo conta seu irmão mais velho, Murtaza ficou sem ir à escola por dois anos. Temiam pela segurança do garoto. Após o encontro com Messi, vizinhos passaram a desconfiar que o craque dera uma fortuna à família. “A situação ficou complicada e vivíamos com medo, porque as pessoas de nosso povoado pensavam que Messi nos tinha dado um monte de dinheiro. Por causa de tudo isso, temíamos que sequestrassem Murtaza e praticamente o fechamos em casa”, reconta Humayoon Ahmadi.

Neste intervalo, a família de Murtaza chegou a fugir ao Paquistão e a pedir asilo aos Estados Unidos, o que não foi aceito. Precisaram voltar a Jaghori, onde não se sentem mais seguros. Ainda passaram pela província de Bamyan, até chegarem a Cabul – onde Murtaza, seus pais e seus quatro irmãos dividem uma casa com outra família. Sem mais poder trabalhar no campo, como antes, se sustentam através da ajuda de familiares e de ONG's. “Cada vez que Murtaza escuta uma bomba ou o som de um disparo, corre para se esconder sob minhas roupas”, conta a mãe, Shafiqa.

Na época do encontro no Catar, Murtaza pediu para Messi levá-lo, sob o medo dos conflitos. O craque prometeu presentear o menino quando fosse um pouco maior. A necessidade, neste momento, é real. E o garoto volta a ser retrato, agora de um povo que sequer pode ficar em sua casa por conta do medo. Cerca de 300 mil pessoas se tornaram refugiadas no Afeganistão em 2018.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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