Coreia do Sul é tri nos Jogos Asiáticos e seus talentos se isentam do serviço militar
A terceira geração seguida de talentos sul-coreanos conquista o ouro nos Jogos Asiáticos e, por isso, não precisará cumprir o serviço militar obrigatório; Lee Kang-in está entre os beneficiados
Nenhuma outra seleção disputa com tanto afinco os Jogos Asiáticos quanto a Coreia do Sul. Uma vitória na competição continental, afinal, vale a liberação do serviço militar obrigatório no país. Enquanto os sul-coreanos contam com um trabalho normalmente qualificado dentro de campo, os jogadores ainda entram no certame com uma motivação extra. E tal impulso garantiu, neste final de semana, um inédito tricampeonato aos Tigres no torneio de futebol masculino dos Jogos Asiáticos. No último sábado, a Coreia do Sul ficou com a medalha de ouro ao vencer o Japão por 2 a 1 em Hangzhou, na China. Isso significa que todo o elenco sul-coreano, composto majoritariamente por atletas sub-23, estará livre de suas obrigações com as forças armadas – os campeões terão apenas que realizar um treinamento básico, que dura quatro semanas. A alegria é de Lee Kang-in e Jeong Woo-yeong, nomes de relevo do atual elenco.
O serviço militar na Coreia do Sul é compulsório. Todos os homens entre 18 e 35 anos precisam atuar pelas forças armadas de 18 a 21 meses. O alistamento deve acontecer até os 28 anos. Porém, há uma exceção concedida a esportistas: medalhistas olímpicos ou ganhadores do ouro nos Jogos Asiáticos (uma espécie de Jogos Pan-Americanos daquele continente) ficam isentos da obrigação. Por isso mesmo, a competição continental possui um peso tão grande aos jovens sul-coreanos dentro de campo. Futebolisticamente, não é a disputa mais relevante, mas o impacto é tremendo para o planejamento de suas carreiras profissionais. Imagine um atleta que atua na Europa, mas que não cumpriu o serviço militar obrigatório, precisando deixar seu clube para se alistar e se ausentar por no mínimo um ano e meio.
O episódio mais famoso ao redor dos Jogos Asiáticos aconteceu com Son Heung-min, há cinco anos. Em 2002, o governo sul-coreano isentou os atletas presentes na campanha até as semifinais da Copa do Mundo de cumprirem o serviço militar obrigatório. Por conta disso, existia uma expectativa de que, se os sul-coreanos fizessem um bom papel em 2018, Son poderia escapar da farda – embora, após certa controvérsia em relação à liberação do Mundial de 2002, a própria legislação tenha delimitado as exceções a medalhistas olímpicos e campeões dos Jogos Asiáticos. A lamentação do atacante pela eliminação na fase de grupos da Copa de 2018 foi entendida também como uma chance perdida de não se alistar. Contudo, ele participou dos Jogos Asiáticos em setembro de 2018 e liderou o time ao ouro. Desta maneira, o craque passaria por um treinamento básico nas forças armadas, mas não necessariamente por quase dois anos de serviços militares obrigatórios.
A geração campeã dos Jogos Asiáticos em 2018 garantiu a isenção a outros jogadores emblemáticos, com carreira reconhecida na Europa. Kim Min-jae, Hwang Hee-chan e Hwang In-beom eram outras figuras recorrentes na atual seleção principal que faziam parte daquele elenco. Já o time campeão dos Jogos Asiáticos em 2014 também contava com talentos como Park Joo-ho e Lee Jae-sung. Por conta do formato do torneio continental, baseado no futebol olímpico, os elencos nos Jogos Asiáticos costumam ser formados por jogadores sub-23, com no máximo três exceções acima do limite de idade. Foi assim que Son Heung-min e Hwang Ui-jo se beneficiaram em 2018, mesmo já atuando no exterior e ambos acima do limite de idade.
Os destaques da atual seleção
A atual geração da Coreia do Sul nos Jogos Asiáticos é liderada por Lee Kang-in. O meio-campista do Paris Saint-Germain é o nome mais conhecido do elenco e, aos 22 anos, não tinha cumprido o serviço militar obrigatório. Nem mesmo a Bola de Ouro no Mundial Sub-20 de 2019 safava o prodígio, que se mudou à Europa aos dez anos de idade para defender o Valencia. Desde então, tinha brilhado também pelo Mallorca, antes de se transferir ao Parc des Princes e interromper o início de sua trajetória pelo clube para disputar os Jogos Asiáticos. Outro nome conhecido na Europa é o do atacante Jeong Woo-yeong, que se transferiu para a base do Bayern de Munique aos 18 anos e se destacou especialmente no Freiburg. Contratado pelo Stuttgart nesta temporada, também se ausentou no início da Bundesliga.
O restante dos jogadores da Coreia do Sul no exterior atua em clubes de menos relevância na Europa. Lee Han-beom é zagueiro do Midtjylland desde o início da temporada, Park Kyu-hyun chegou à lateral do Dynamo Dresden no último ano, Hong Hyun-seok reforça a meia do Gent desde a temporada passada. Ainda há o defensor Kim-Tae-hyeon no Vegalta Sendai, do Japão. Já os demais atletas, 16 no total, atuam por clubes da K-League. Entre estes estão os três jogadores acima do limite de idade, incluindo Paik Seung-ho, meio-campista do Jeonbuk Hyundai Motors que disputou a última Copa do Mundo – e anotou até gol contra o Brasil.
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Vale dizer que os jogadores em serviço militar obrigatório na Coreia do Sul não precisam abdicar totalmente de suas carreiras. Há equipes dentro do Campeonato Sul-Coreano formadas por atletas nas forças armadas, com destaque ao Gimcheon Sangmu – atualmente na segunda divisão, após o rebaixamento na temporada passada. Todavia, o impacto de se interromper uma trajetória num clube de relevo, mesmo dentro do país, para atuar pelas forças armadas é óbvio. Por mais que muitos futebolistas façam trabalhos burocráticos no exército e não vão necessariamente para o front, deixa-se de providenciar o ambiente competitivo ideal. Não é o tipo de situação que a maioria absoluta dos atletas deseja passar, especialmente quando se coloca em xeque anos essenciais no auge da forma. A própria trajetória de Son no Tottenham pós-2018 é o grande exemplo. O atacante poderia ter vivido um hiato num período crucial de seu sucesso.
A conquista da vez
A Coreia do Sul fez uma campanha muito segura nos Jogos Asiáticos de 2023. A equipe sobrou na fase de grupos, com nove pontos em três rodadas. Os Tigres golearam o Kuwait por 9 a 0 na estreia, derrotaram depois a Tailândia por 4 a 0 e também fizeram 3 a 0 sobre o Bahrein. Já nas oitavas de final, nova goleada com os 5 a 1 sobre o Quirguistão, antes dos 2 a 0 sobre a anfitriã China nas quartas de final. Por fim, a vaga na decisão foi assegurada graças aos 2 a 1 para cima do Uzbequistão na semifinal.
Na decisão, a Coreia do Sul enfrentou o Japão. Os Samurais Azuis contavam com um elenco formado basicamente por jogadores em atividade na J-League. Os Tigres aproveitaram a ocasião para ganhar de virada por 2 a 1, conquistando o ouro e a isenção do serviço militar. Kotaro Uchino até abriu o placar para os japoneses aos dois minutos, num lance de velocidade. O empate sul-coreano veio com Jeong Woo-yeong, aos 27 do primeiro tempo, subindo de cabeça para concluir o cruzamento de Hwang Jae-won. Já o herói do triunfo foi Cho Young-wook, ironicamente o único jogador do elenco atual que defende o Gimcheon Sangmu. O gol saiu no início do segundo tempo, com uma batida rasteira, de novo com participação de Jeong e Hwang na construção.
A Coreia do Sul leva o ouro no futebol masculino dos Jogos Asiáticos pela sexta vez. As primeiras conquistas aconteceram em 1970, 1978 e 1986, antes do atual tricampeonato iniciado em 2014. O Irã é o segundo maior vencedor, com quatro outros, enquanto nenhuma outra seleção passa dos dois títulos. A motivação extra concedida pelo governo, sem dúvidas, tem seu impacto na mentalidade como os sul-coreanos tratam a competição. A Coreia do Sul ocupa ainda a terceira posição no quadro geral de medalhas dos Jogos Asiáticos de 2023, com 42 ouros. Fica atrás apenas dos 201 ouros da China e dos 52 ouros do Japão.