O sucesso da Venezuela nas Eliminatórias ecoa duas gerações célebres na base
Rondón e Rafael Romo participaram da geração que levou a Venezuela pela primeira vez ao Mundial Sub-20, enquanto Yangel Herrera e Soteldo são estrelas do famoso time vice-campeão de juniores

A Venezuela raras vezes viu o horizonte tão aberto em busca de uma inédita classificação para a Copa do Mundo. A Vinotinto chegou a brigar pela vaga no qualificatório ao Mundial de 2010, quando o time de César Farías ficou a dois pontos da repescagem. Também seria uma campanha digna em 2014, a cinco pontos da repescagem, e na sexta colocação. Desde então, os venezuelanos sofreram uma queda de desempenho, mas o aumento de vagas na Copa de 2026 se tornava uma porta aberta. E a equipe faz por merecer os elogios em campo. Os sete pontos em quatro rodadas soam inacreditáveis, para quem fez apenas dez pontos em toda a campanha nas Eliminatórias para a Copa de 2022. Neste momento, a Venezuela parece colher os frutos de suas melhores gerações nas seleções de base – justamente aquelas que disputaram Mundiais.
Até pelo nível de concorrência na América do Sul, a Venezuela tem poucos sucessos também entre suas seleções de base. A Vinotinto disputou apenas duas vezes o Mundial Sub-20, mas acabou marcada por boas campanhas. O time de 2009 levou o país pela primeira vez à fase internacional do torneio e avançou com dignidade até as oitavas de final. Ainda assim, a geração mais famosa é a de 2017, que alcançou uma histórica decisão, perdida contra a Inglaterra. Ambos os elencos de juniores, agora, têm seus reflexos na equipe adulta. O time que derrotou o Chile nesta terça-feira, em inapeláveis 3 a 0 pelas Eliminatórias, teve quatro titulares que participaram daquelas campanhas. Nomes essenciais à ambição da Vinotinto.
Daquele time sub-20 de 2017, o mais famoso da Venezuela, 12 jogadores chegaram a atuar pela seleção principal. A transição foi facilitada desde aquela época, quando Rafael Dudamel conciliava os dois trabalhos e passou a puxar vários garotos ao time de cima. Alguns deles se mantêm ainda hoje. Yangel Herrera é o eixo central no meio-campo e Yeferson Soteldo protagonizou o triunfo sobre o Chile, enquanto outros cinco companheiros estavam no banco. Já do time de 2009, 11 atletas conseguiram convocações à seleção adulta venezuelana. Aquela geração atualmente é representada nas duas pontas do campo, com a segurança de Rafael Romo no gol e os tentos de José Salomón Rondón na frente.
A geração de 2009 da Venezuela

A Venezuela rompeu barreiras no Campeonato Sul-Americano de 2009, realizado no próprio país. A Vinotinto terminou a fase de classificação na liderança de seu grupo, à frente de Argentina e Colômbia. Já no hexagonal final, a quarta colocação dos venezuelanos foi histórica. O time derrotou Colômbia e Uruguai, bem como empatou com a Argentina, enquanto perdeu para Brasil e Paraguai. Foi o suficiente para levar os anfitriões pela primeira vez ao Mundial Sub-20, com a então bicampeã argentina se ausentando do torneio. E o papel foi honroso na Copa do Mundo de Juniores. A Venezuela venceu Nigéria e Taiti em seu grupo, o que valeu a classificação só atrás da Espanha. Nos mata-matas, porém, o time caiu numa virada de Emirados Árabes Unidos durante as oitavas de final.
Rondón já era um grande nome naquele time sub-20. O centroavante atuava no Las Palmas e manteve sua trajetória na Europa. A carreira condecorada tem grandes momentos especialmente por Málaga, Zenit, West Brom e Newcastle, até pintar recentemente no River Plate. Virou tudo o que se esperava na seleção adulta, com o recorde de gols pela Vinotinto. O caminho de Rafael Romo é que não foi tão linear. O goleiro foi vendido à Udinese em 2009, mas mal teve chances. Rodou por empréstimos, antes de se aventurar em clubes de Chipre, Bélgica, Dinamarca e Estados Unidos. Atualmente atua pela Universidad Católica do Equador. Até por isso, não se firmou na seleção. Foi reserva na Copa América em 2019 e 2021, mas suas participações sempre foram intermitentes. Ganhou a titularidade nestas Eliminatórias, exatamente em sua maior sequência na meta da seleção.
O restante da geração de 2009 não vingou. Um nome que empolgava era do atacante Yonathan Del Valle. Até passou por Auxerre e Rio Ave, mas sua carreira se limitou a médios e pequenos da Turquia. Foi o camisa 7 na Copa América de 2016, sua única competição internacional. O meia Yohandry Orozco era outro que gerava expectativas e disputou a Copa América em 2011, mas fez sua última aparição pela seleção em 2016. Passou pelo Wolfsburg, mas sua carreira se desenvolveu mesmo entre Deportivo Táchira e Deportes Tolima. Atualmente está na Malásia, pelo Selangor. Já o zagueiro José Manuel Velázquez disputou duas edições da Copa América, com 29 aparições pela Vinotinto. Teve alguns bons momentos em Portugal e segue por lá, no Santa Clara, mas não é convocado desde 2021. Por fim, o meio-campista Rafael Acosta esteve na Copa América de 2015, mas não deu grandes saltos e hoje defende o cipriota Alki Oroklini.
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A geração de 2017 da Venezuela
A campanha da Venezuela no Sul-Americano Sub-20 de 2017 impressionou mais porque o time sequer tinha o fator casa para ajudá-lo. A Vinotinto passou no saldo de gols durante a fase de grupos, com quatro empates, mas segurou Uruguai e Argentina. Já no hexagonal decisivo, a Vinotinto ficou na terceira posição. Venceu Equador e Uruguai, resultados fundamentais para que o Brasil acabasse eliminado – num time que reunia figuras como Lucas Paquetá, Richarlison, Lucas Perri, David Neres, Douglas Luiz, Caio Henrique, Guilherme Arana e Gabriel Magalhães. Era só um aperitivo para aquilo que os venezuelanos aprontariam no Mundial.
A Venezuela já fez barulho na fase de grupos. Foram nove pontos em três rodadas, numa chave que tinha a tradição de Alemanha e México, além do lanterna Vanuatu. Nos mata-matas, a Vinotinto passou pelo Japão e pelos Estados Unidos na prorrogação. Na semifinal, o triunfo sobre o Uruguai veio nos pênaltis. A única derrota ocorreu mesmo na decisão, contra uma badalada Inglaterra, mas ainda assim num 1 a 0 apertado. Florian Neuhaus, Edson Álvarez, Takefusa Kubo, Federico Valverde e Tyler Adams estavam entre os adversários eliminados pelos venezuelanos.
O sucesso respaldou Rafael Dudamel no comando da seleção principal, onde estava desde 2016. Naturalmente, seus garotos também foram valorizados. Yangel Herrera saiu com muito moral do torneio, a ponto de levar a Bola de Bronze. Foi contratado pelo Manchester City e nunca jogou por lá, mas os empréstimos garantiram ótima experiência na Espanha. Não à toa, hoje brilha no vice-líder Girona e é destaque no meio-campo da seleção. Já Soteldo era um coadjuvante em 2017, muitas vezes saindo do banco. O atacante se projetou no futebol chileno, antes de se tornar ídolo do Santos. Também se transformou num diferencial técnico para a Vinotinto, vide a forma como bagunçou o jogo diante do Chile nesta Data Fifa.
Outros membros daquela geração de 2017 são coadjuvantes da atual seleção. O atacante Sergio Córdova não explodiu, mas jogou por muito tempo no Augsburg e atualmente veste a camisa do Alanyaspor. Foi titular contra o Brasil. Outro que enfrentou a Seleção é o meia Samuel Sosa, caçula do time sub-20, com 17 anos na época. Chegou a ficar um tempo na Espanha pelo Alcorcón e hoje veste a camisa do Emelec. Mais um que encarou os brasileiros foi o lateral Christian Makoun, que teve uma chance na base da Juventus, mas fez seu nome na MLS, atleta do New England Revolution atualmente. O goleiro Joel Graterol, hoje no Pantetolikos, também é reserva da Vinotinto e já jogou duas Copas América. Nahuel Ferraresi, do São Paulo, é mais um daqueles novatos hoje no banco na seleção.
E isso porque nem todo mundo daquele time de 2017 virou como se esperava. O melhor exemplo é o ponta Adalberto Peñaranda, visto como o craque daquele time e que até havia jogado a Copa América de 2016. Teve chances na Udinese, no Granada, no Watford, no Málaga e no Las Palmas. Hoje se encontra no Sarajevo, fora da seleção desde o ano passado. Outro que aparentemente ficou pelo caminho é o goleiro Wuilker Faríñez, que foi titular da seleção durante um bom tempo e teve algumas atuações espetaculares, inclusive na Copa América de 2019. Vivia ótima fase no Millonarios, mas a mudança para o Lens não deu certo e hoje ele é um mero reserva. O centroavante Jan Hurtado não se provou em Boca Juniors ou Red Bull Bragantino, reserva da LDU Quito. Ainda há o lateral Ronald Hernández, presente em duas Copas América, que hoje perdeu espaço no Atlanta United.
Os efeitos na seleção principal

A transição desses garotos da seleção sub-20 para o time principal da Venezuela não seria muito linear, especialmente para aqueles que vieram do vice-campeonato mundial em 2017. A maior empolgação aconteceu sob as ordens de Rafael Dudamel, a partir de 2016. A Vinotinto teve uma série de empates na reta final das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2018. Já estava eliminada, mas empatou com Peru, Colômbia, Argentina e Uruguai, além de vencer o Paraguai. Tarde demais para reagir, no que era um trabalho ruim sob as ordens do antecessor Noel Sanvicente. Não à toa, o time fechou a campanha com míseros 12 pontos, na lanterna.
Dudamel manteve o ritmo nos meses seguintes. A Venezuela chegou a vencer a Argentina num amistoso em Madri, em março de 2019. Também ganhou de Estados Unidos e Japão ao longo daquele ano. O reflexo do momento positivo se viu na Copa América, quando a Vinotinto segurou um histórico 0 a 0 com o Brasil na Fonte Nova, avançando aos mata-matas. Caiu para a Argentina nas quartas de final. O problema é que a evolução se quebrou na virada para 2020, quando Dudamel optou por deixar a seleção. Estava com as relações deterioradas internamente, sobretudo pelo uso político dos resultados da Vinotinto por diferentes lados. Óbvio, também pesou a proposta do Atlético Mineiro, na malfadada passagem pelo futebol brasileiro.
Desde então, a Venezuela demorou a se acertar em campo. Nem dá para dizer que as crises do país afetaram diretamente, com um elenco atuando basicamente no exterior. Porém, a bagunça interna na federação atravancou a Vinotinto e também se refletiu em escolhas frustradas no comando técnico. O português José Peseiro foi péssimo, com uma vitória em dez jogos. Também se esperava muito mais de José Pekerman, que durou outros dez jogos e até ganhou cinco, mas saiu em litígio com os dirigentes – os acusava de pagamentos atrasados e lacunas no projeto, embora os cartolas venezuelanos também reclamassem de suas exigências. Os dez pontos nas Eliminatórias refletiam a pior campanha neste século e, no formato de pontos corridos, só superior ao qualificatório de 1998. Na Copa América de 2021, a Venezuela morreu na fase de grupos, na lanterna e sem uma vitória sequer.
As gerações mundialistas na base seguiam à disposição da Venezuela. Mas a melhora dos resultados só acontece quando a Vinotinto acerta concomitantemente sua mão no treinador. Fernando Batista era o assistente de Pekerman e tinha como sua maior experiência as Olimpíadas de 2020 à frente da Argentina. O irmão de Sergio Batista consegue um excelente início de trabalho, com duas vitórias nas Eliminatórias, além do empate contra o Brasil. Ajuda também o apoio de outros jogadores de renome, mesmo sem tanta história nas seleções de base. São os casos do zagueiro Yordan Osorio, do volante Tomás Rincón, do meia Jefferson Savarino, do ponta Darwin Machís e do centroavante Josef Martínez, que auxiliam a formar a espinha dorsal.
As Eliminatórias Sul-Americanas estão mais abertas do que nunca. E também estão niveladas por baixo. Mesmo seleções com tradição em Copas do Mundo não vivem seus momentos mais confiáveis, como Chile, Peru e Paraguai. Há alguns talentos à disposição, mas não com a abundância de outrora, e os trabalhos coletivos também não compensam. Neste nível, um treinador competente faz muita diferença. É o que se nota na Venezuela, também com seus recursos técnicos. Além do mais, a Vinotinto sabe que a qualidade do elenco atual é rara dentro de sua própria história. Não querem deixar o bonde passar, até porque o auge daqueles garotos de 2017 pode não durar tanto e o tempo passa aos trintões que foram os meninos pioneiros de 2009.