No caminho da vaga, Botafogo parou para se livrar do trauma, e saiu maior
Mesmo com o susto, alvinegro teve sua maior noite de Copa Libertadores diante de um Palmeiras aguerrido até o fim
O goleiro John ficou parado e preferiu o poético golpe de vista, que de golpe nunca teve nada, mas aqui, sim, se fazia necessário. Mais do que seguir na Copa Libertadores, o Botafogo precisava ver seus males de fim de jogo, de fim de campeonato, baterem na trave e dessa vez irem para longe, dramática e definitivamente, jogando um agregado largo no lixo, de novo num lapso inexplicável, mas dessa vez não, por pouco. Precisar talvez não seja o verbo certo, porque o alvinegro já viveu emoções demais, mas enfim, caiu bem. A partida, em sua dimensão indomesticável e que só acaba bem tarde para um Palmeiras que não se cansa, sorriu para a Estrela Solitária, enfim.
O Alvinegro eliminou o tricampeão num sufoco à contramão de seu folclore, porque na lista das coisas que só acontecem com o Botafogo haverá de se dizer a partir de agora que jogando pelo empate abriu 2 a 0 como senhor da Copa, se permitiu pegar uma curva errada, mas acabou salvo pelos mesmos fenômenos que já foram de derrubar, primeiro porque o bate-rebate resvalou na mão em falta do quase algoz, segundo por conta da batida final, no poste, a alguns centímetros imprecisa, e terceiro para gritar que era para ser só um borrão, uma rasura, não a catástrofe. Uma das maiores vitórias da história botafoguense é um 2 a 2 de classe e suor, difícil de explicar porque soberano tecnicamente ao mesmo tempo que um caos de possibilidades, resvalando no abismo. É como se o Botafogo tivesse acelerando para a vaga, pronto para terminar a viagem, mas precisasse parar perigosamente para resolver as contas com um trauma. Chegou maior ainda.
Do desfecho desse mata-mata local, que já se torna eterno pelo que ofereceu a corações em risco nos últimos duelos, também é possível dizer que o campo viu mais ou menos o previsto em São Paulo. O Botafogo, mesmo com a vantagem, não é de esperar, e buscou seu jogo com a desenvoltura de sua frente. Se Luiz Henrique machuca, Matheus Martins precisa de um guardanapo de dúvida da defesa para abrir o clarão de gol; Savarino, de outro.
É muita técnica individual e muita esperteza no ataque, uma turma que se resolve com meia chance, reunião bonita de talento na tomada de decisão – e não é um ou outro, não, são seis, os quatro titulares mais os dois que vão entrar, todos em semanas ótimas na medida do toque, na fineza da passada em ritmo perfeito. Um senhor quadro ofensivo, sem lugar para burocracia, e onde é proibido engrossar qualquer lance. Almada, Savarino, Luiz, Matheus, Tiquinho e Igor Jesus, olha, que banca. Arthur Jorge media muito bem as mudanças e tem qualidade demais no banco, a ponto de sacar um autor de gol ainda com a garganta quente, porque quem entra é melhor ainda.
Do Palmeiras também se imaginava isso, uma equipe que risca problemas da agenda (e são muitos) com o melhor bololô na área do continente, capaz de pegar uma atuação sublime da zaga rival – o um contra um de Bastos é uma coisa bem séria – e ainda assim fazer dois, quase três gols de cruzamento e presença física. Toda cavada palmeirense viaja sem restrições, pronta para virar um lance salvador. Quase deu na Copa do Brasil, quase deu na Libertadores. Se não dá, sempre quase dá. Uma máquina de buscar resultado.
Palmeiras da atual temporada decepciona?
Mas também não muito mais do que isso. O Palmeiras de 2023-24 se apresenta bastante aquém de sua possibilidade técnica, e vê pouco jogo de gente boa de bola. Foi salvo por Endrick e agora apostou o mesmo em Estêvão, um craque de 17 anos que subiu já sendo o melhor e mais procurado jogador do time, o que é sintomático. Lázaro, Felipe Anderson e Maurício ainda não aconteceram, a volta de Dudu, idem, e pilares dos quadros na parede como Gomez, Marcos Rocha, Zé Rafael e Veiga não vivem seus dias mais inspirados. Flaco Lopez seguirá fazendo seus gols, Rony continuará entregando tudo, mas a diferença de nível peça a peça depara o lado de lá do campo foi flagrante (vale lembrar que o titular na reta de chegada do título brasileiro mais recente era Breno Lopes). Abel Ferreira sacou Ríos, talvez pelo cartão, e ali acabou a última chance de um rabisco diferente pelo meio. Um time previsível: roda até chegar no moleque ou, se não der, cruza logo.
Mas essa sensação de luta no fim, ida aos pênaltis vetada pelo VAR e uma falta quase no ângulo, se acabam por ser uma justa última impressão ao palmeirense que chegou a celebrar a virada, não pode omitir que o Botafogo fez ida e volta para ganhar bem. É que o futebol tem dessas, quase pegou o melhor time e lhe arrancou a vaga sem cerimônia, só para confundir nossas impressões e nos pegar em elaborações furadas. No fim, passou quem joga mais, agora premiado mesmo diante dum vacilo de dez, quinze minutos derradeiros.
O torcedor do Botafogo primeiro queria apenas ver seu clube vivo, depois foi convidado a ser campeão, até que lhe mostraram a parte boa da festa e veio um tombo, brusco. Ganhou a maior noite de Libertadores de sua história, a farra preferida de todo e qualquer frito de bola no continente, abrindo as cortinas para quem promete ficar no clube. Nunca é fácil, vai entender, vai ver não é para ser mesmo, porque faltaria a cena dos fantasmas indo embora, do trauma, resignado, se encolhendo. Foi o bastante para estar nas quartas de final da Copa, a bola de pé em pé para arrancar um bicho-papão, e quem vai dizer que não poderá fazê-lo nas próximas vezes de Bastos limpando ataques inteiros, Marlon Freitas equilibrando o funcionamento, Savarino carregando a bola, Igor Jesus beijando a rede… É muita gente boa, correndo e jogando muito, junta. É o Botafogo que tem um dos melhores times da América, veja só você. Ficou pequeno até para aquela coleção de zicas, uma mais brava que a outra, guardadas no passado e assistindo só de longe, sem acreditar.