Klopp e Heynckes: as mentes brilhantes por trás do sucesso
O veterano encaminhando o adeus, o jovem com uma carreira promissora pela frente. O craque que se tornou um técnico ainda mais genial, o futebolista modesto que perseverou graças à inteligência acima da média. O conciliador que transformou uma guerra de egos em triturador de adversários, o motivador que montou uma equipe jovem e extremamente eficiente. Jupp Heynckes e Jürgen Klopp possuem perfis notadamente distintos, mas também com méritos inegáveis para o duelo na decisão da Liga dos Campeões.
Bayern Munique e Borussia Dortmund se firmaram com as duas melhores equipes da Europa graças ao bom futebol, à forma como desmantelaram rivais poderosos e aos elencos coesos. Méritos totais dos técnicos, que chegam a Wembley com objetivos diferentes. Heynckes, para dar o desfecho perfeito para uma carreira respeitável. Klopp, para colocar seu nome em definitivo entre os grandes estrategistas do continente. Dois treinadores fora de série, que merecem os aplausos independente do resultado da final.
Jürgen Klopp, o figurão de Dortmund
Carisma. É difícil ver os gestos ou ouvir as palavras de Jürgen Klopp e não se cativar. Um sujeito que por vezes parece uma caricatura em carne e osso, com seus óculos negros, os cabelos bagunçados e o sorriso gigantesco. Que a cada entrevista comprova sua capacidade, não só pela maneira como analisa o jogo, mas também pelas metáforas que constrói sobre a vida. E que demonstra seu entusiasmo com o Borussia Dortmund em todos os momentos.
Parece difícil dissociar paixão e trabalho na trajetória de Klopp. Nascido em Stuttgart, só foi um jogador mediano pela técnica, não pela inteligência. Afinal, são raros os atacantes capazes de se transformar em defensores já como profissionais e permanecerem intocáveis na equipe. O alemão não está apenas entre os recordistas em partidas disputadas pelo Mainz 05, como também saltou dos gramados diretamente para o banco de reservas, tamanho moral no clube.
Foram sete anos no comando do Mainz, tempo suficiente para que Klopp fizesse história. Colocou o Karnevalsverein na Bundesliga pela primeira vez e também na Copa da Uefa. Ao todo, foram 18 anos de clube, interrompidos apenas em 2008. Apesar das aproximações de Bayern Munique e Hamburg, o Borussia Dortmund fechou com o promissor técnico. A cidade de 200 mil habitantes parou durante uma semana para se despedir daquele que tinha adotado como seu ídolo.
Entretanto, Klopp saiu do Mainz para fazer história em Dortmund. O comandante encontrou um clube em reconstrução e com uma torcida fanática, cenário ideal para que suas virtudes aflorassem. Ao lado da diretoria aurinegra, Klopp levou a cabo o ótimo trabalho de observação e de formação desenvolvidos no Borussia. Principalmente, por não ter pudores em lançar suas jovens promessas, como Mario Götze e Shinji Kagawa.
Graduado em Ciências do Esporte na Universidade Goethe de Frankfurt, aplicou seus conhecimentos na evolução da equipe. Klopp foi um dos entusiastas do . Um estudioso da educação física e, obviamente, das táticas. Em entrevista ao Guardian, o técnico afirmou crer que não é preciso ter sempre as melhores peças para vencer. Tudo é possível através da estratégia.
Fã incondicional de Arrigo Sacchi, o homem responsável pelo maior Milan da história, e pupilo de Wolfgang Frank, pioneiro na Alemanha ao abolir o líbero na formação do Mainz durante a década de 1990, Klopp aplicou bem os ensinamentos de seus mestres. O Dortmund atual é incisivo, direto em suas ações e eficiente em suas conclusões. Sobretudo, um time muito físico, que exige agilidade com a bola e muito empenho sem ela.
A forma como Klopp lida com o grupo também faz a diferença. Motivador nato, estabeleceu a noção de coletividade com primazia, ainda que a ambição tenha lhe tirado alguns de seus melhores. Nos tempos de Mainz, de tão próximo de seus comandados, o Hamburg repensou a possibilidade de contratá-lo simplesmente por ser chamado de “Kloppo”, algo que indicaria a falta de respeito. Um grave erro, que custou a chegada de um grande técnico.
Com um ótimo elenco em mãos, Klopp montou um verdadeiro esquadrão. Seu trabalho precisou de apenas três temporadas para conquistar a Bundesliga, duas vezes. Mais duas temporadas para gerar um resultado tão impressionante na Liga dos Campeões, sobrevivendo ao grupo da morte e deixando gigantes europeus para trás. De tão respeitado, passou a atrair o interesse de clubes de peso e a receber ligações regulares de seus pares, como Mourinho.
Se não fosse para Dortmund, talvez, Klopp não atingisse um patamar tão destacado aos 45 anos. O ambiente favorável, no momento ideal. Comentarista de TV em duas Copas e uma Euro, o treinador sabe lidar com a imprensa para atrair o público, fazer ressoar suas ações. De qualquer forma, não fosse o futebol vitorioso dos aurinegros, tanto carisma junto ao público não adiantaria em nada.
Segundo suas próprias palavras, Klopp comanda “o projeto de futebol mais interessante do mundo”. E é muito difícil colocar o alemão em xeque pela declaração. Um clube de massa, que lota o estádio em todos os jogos e, mais do que isso, dá espetáculo nas arquibancadas. Um time ofensivo, cheio de jovens promessas e empenhado. Um técnico capaz de tirar o melhor do elenco, cativar a torcida e conquistar troféus. Uma fórmula de sucesso que chega a Wembley para se consagrar, graças à genialidade Jürgen Klopp.
Jupp Heynckes, a lenda de Munique
Era tudo ou nada. Jupp Heynckes parecia acabado para o futebol em 2009. Bicampeão da Bundesliga, bicampeão da Copa da Alemanha e dono de uma Liga dos Campeões, o veterano não se firmava em lugar algum. Ao longo da década, havia rodado sem brilho por Benfica, Athletic Bilbao, Schalke 04 e Borussia Mönchengladbach. Neste, clube de sua cidade natal e do qual é um dos maiores ídolos, foi ameaçado de morte e deixou o cargo por medo.
Sua sorte só começou a mudar quando viu as portas abertas do Bayern Munique, o mesmo clube com o qual conquistou seus principais títulos na virada entre os anos 1980 e 1990. Uli Hoeness, que admite a demissão de Heynckes como seu maior erro, o chamou de volta. Os bávaros viviam um turbilhão após a frustrada passagem de Jürgen Klinsmann e precisavam de alguém para colocar ordem na casa nos últimos cinco jogos na Bundesliga.
Passagem curta, mas suficiente para demonstrar que o treinador ainda era capaz de comandar em alto nível. Recebeu outra oportunidade no Bayer Leverkusen e os bons resultados, bem como a relação próxima com a cúpula bávara, o levaram de volta a Munique em 2011. O melhor que poderia acontecer na reta final de sua carreira. Nem sempre reconhecido por seu trabalho, Heynckes lidera um time que já entra para a história por seu desempenho impressionante.
A popularidade atual faz jus ao que o cidadão de Mönchengladbach conquistou ao longo de seus 68 anos, 50 deles vivendo o futebol. Profissionalizado no Gladbach, foi peça-chave em um dos maiores times já vistos no futebol alemão, tetracampeão nacional e vice europeu. Terceiro maior goleador da Bundesliga, é o único jogador a ter sido artilheiro das três principais competições europeias – Copa dos Campeões, Copa da Uefa e Recopa. Talento reconhecido com os títulos na Euro de 1972 e na Copa do Mundo de 1974.
Tamanha influência no Gladbach alçou o centroavante ao posto de técnico logo após pendurar as chuteiras. Substituiu seu grande mestre, Udo Lattek, técnico mais vezes campeão da Bundesliga e primeiro a ganhar as três competições continentais. Heynckes permaneceu oito temporadas no clube, promovendo um trabalho de reconstrução. Sem títulos, mas com consistência suficiente para a idolatria.
De Mönchengladbach, partiu para as taças com o Bayern entre 1987 e 1991, para boas campanhas com o Athletic Bilbao e com o Tenerife, para o título da Liga dos Campeões com o Real Madrid. Permaneceu apenas uma temporada em Chamartín, mas foi capaz de renovar o espírito de um clube que não conquistava a Europa havia 32 anos. Montou uma equipe eficiente na defesa, pronta para liberar seu talento no ataque. Foi acusado de não saber controlar o grupo e, também pelo quarto lugar em La Liga, acabou demitido precocemente.
Desde aquela Champions, Heynckes precisou esperar 15 anos para reatar o elo, voltar a levantar uma taça. As condições do Bayern quando o assumiu pela terceira vez, em 2011, eram similares àquelas que vivenciou em Madri. O elenco era repleto de estrelas, mas também de estrelismos, enclausurado sob a política de terror de Louis van Gaal. O novo treinador teve que superar outra vez um cenário de crise, mas com muita qualidade à disposição para ascender.
Heynckes lidou com um elenco dividido e demorou para ter controle da situação. A primeira temporada foi tensa, ainda que os resultados em campo tenham aparecido. Já o grande salto de qualidade aconteceu nos últimos meses. O treinador montou um grupo com 22 jogadores em condições de serem titulares e, apesar dos egos, manteve todos satisfeitos. Sem precisar ser rigoroso, reconciliou o Bayern rumo às vitórias. É a figura paternal, segundo muitos de seus comandados.
Mais do que gerir muito bem o elenco, Heynckes faz seu time jogar. E muita bola. Novamente, organizou uma equipe muitíssimo segura na defesa, dedicada no trabalho sem a bola, mas livre para criar sem ela. A qualidade técnica do meio-campo é determinante para o futebol vistoso do Bayern, de muitos golaços e goleadas. Sucesso marcante posto em prática graças a seu estilo minucioso, detalhista em demasia, como relatam aqueles mais próximos.
Os últimos dias da trajetória de Heynckes no futebol têm sido gloriosos. Comandou o Bayern mais devastador da história da Bundesliga. Tem a possibilidade de levar o clube ao topo da Europa após 12 anos e, quem sabe, torná-lo o primeiro alemão a garantir a Tríplice Coroa, caso também fature a final da Copa da Alemanha. Uma carreira que já merecia respeito por tudo o que tinha conquistado. E que, graças ao desfecho fantástico, se firma ainda mais entre as maiores da história do futebol alemão.