Newell´s Old Boys: Os Leprosos conquistam a Argentina
No começo de dezembro, o Newell´s Old Boys sagrou-se campeão do Torneio Apertura argentino de 2004. Esse título significou muito, não só para o time como também para o futebol argentino em si, pois desde 1992, quando o próprio Newell´s ficou com o taça, o campeonato não era ganho por uma equipe do interior.
O campeão de 2004 teve a menor pontuação da história dos campeões, se levarmos em conta os campeonatos curtos argentinos, mas isso não desmerece o título da equipe rubro-negra, que havia ganho o título em 1992 com um time muito forte sobre o comando de Marcelo Bielsa.
Em 2004, num campeonato em que River e Boca mostraram um futebol pobre, o time de Rosário foi comandado por uma estrela que voltou ao futebol argentino para mostrar que ainda tem futebol: Ariel Ortega, o ´Burrito´.
Os comandados pelo técnico Américo ´Tolo´ Gallego, considerado pela imprensa argentina como o melhor técnico do país da atualidade, contaram com a defesa menos vazada do torneio e ainda se deram ao luxo de, na última rodada, perder por 2 a 0 para o Independiente em Avellaneda, sagrar-se campeão graças ao empate do Vélez com o Arsenal. Mais de 15 mil pessoas saíram de Rosário para pintar de vermelho e preto Avellaneda e ficar com um olho em campo e outro no placar eletrônico, acompanhando o andamento do jogo do Vélez. Quando o placar informou que o jogo em Buenos Aires havia acabado empatado, pouco importou a derrota do Newell´s, que de quebra saiu de uma fila de 12 anos e assegurou a primeira vaga argentina para a Libertadores de 2006.
Nome e apelido
O nome de origem inglesa não é coincidência. O clube de Santa Fé foi fundado pelo imigrante e professor inglês Isaac Newell, que resolveu colocar seu nome na equipe. Ele lecionava inglês no colégio Anglo Argentino, mas o contato com as artes e as ciências não era a única atividades do colégio à beira do Rio Paraná: lá também se praticava futebol em clima de descontração. O esporte sempre foi visto com bons olhos tanto por Isaac quanto por seu filho Claudio, que, por sinal, já mostrava aptidão para o esporte.
Aos poucos, as partidas começaram a ficar mais sérias, e boa parte do colégio passou a se reunir no pátio para jogar futebol. Foi nesse pátio do colégio, em 1903, entre alunos e professores, que foi decidido que dali sairia um time de futebol. Foi consenso entre todos que o nome do time deveria ser uma homenagem ao grande incentivador de tudo: Isaac Newell.
A primeira formação desse novo time foi composta pelos alunos mais antigos do colégio Anglo Argentino, por isso o nome oficial do clube acabou sendo Newell´s Old Boys (garotos velhos do Newell).
Se o nome do clube é curioso, o apelido não fica atrás: o time é conhecido como Leprosos. E não pensem que os torcedores se irritam com essa denominação. O apelido surgiu de uma história que envolveu o maior rival do Newell´s, o Rosario Central. Certa vez, uma comissão de damas do Hospital Carrasco enviou notas dirigidas aos presidentes de alguns clubes da cidade de Rosário, para que organizassem um campeonato em Santa Fé para angariar fundos para o tratamento contra a lepra. Os convidados mais ilustres foram os dois maiores times de Rosário: o clube rubro-negro topou ajudar e participou do torneio, já o Rosario Central recusou o convite. Conclusão: o Newell´s acabou ficando com o apelido de Leprosos e o Central de Canalhas. Essa é a maior rivalidade de Santa Fé: Leprosos x Canalhas.
O interior é nosso
A conquista do campeonato de 2004 foi muito comemorada. Ele trouxe a força do interior de volta para Argentina e de quebra fez o Newell´s passar seu maior rival em número de conquistas – esse foi o quinto título rubro-negro, contra quatro do Rosario Central. O Newell´s é também o time com mais campeonatos fora dos cinco grandes de Buenos Aires (River, Boca, Independiente, Racing e San Lorenzo).
Suas últimas conquistas haviam sido o bicampeonato de 1991 e 1992, quando o Newell´s formou um time muito bom, comandado pelo ex-técnico da seleção argentina Marcelo Bielsa. Os torcedores do São Paulo lembram bem do clube, que encarou o time paulista da época de Telê Santana e conseguiu levar a decisão da Libertadores para os pênaltis, sendo vice-campeão do continente perdendo a disputa no Morumbi diante de 100 mil pessoas na partida derradeira. Até hoje os Leprosos se gabam de terem sido duas vezes vice-campeões da Libertadores (1988 e 1992). Aí, novamente aparece a provocação contra o Rosario Central, que só tem um título internacional insignificante (na visão dos torcedores do Newell´s) de campeão da Copa Comenbol.
Apesar de ser um clube antigo, aliás, como quase todos na Argentina, o Newell´s tem em seu currículo títulos relativamente recentes. A fila do clube de Rosario durou 71 anos. O primeiro título só veio em 1974. Depois, viveu a grande fase, com três conquistas em cinco anos (os campeonatos de 1988, 1991 e 1992). Apesar da fila, o Newell´s não é conhecido por grandes fracassos – ele visitou pouco a segunda divisão, tendo estado lá somente uma vez (1960), depois de ter chegado à elite em 1948. Ou seja, são mais de 50 anos na primeira divisão com somente um rebaixamento.
O melhor time de todos os tempos do Newell´s foi realmente o de 1991 (campeão contra o Boca Juniors em La Bombonera, onde o Boca nunca havia sido derrotado em uma final) e 1992, que contava com Gamboa, Navarro Montoya e outros grandes jogadores. No entanto, o título de 1988 teve ainda um fato curioso e histórico: o campeonato foi ganho com 100% dos jogadores formados pelo clube. Algo raro não só na Argentina como também em todo o mundo.
Realmente, o Newell´s é um time muito respeitado. O rótulo de sexto melhor da Argentina é merecido, não só pelo número de títulos como também pela estrutura e patrimônio.
Patrimônio
A rivalidade entre os torcedores dos times de Rosário é grande e chega a ponto de incluir personalidades. Os torcedores do Central afirmam que Che Guevara torcia para o time, mas os do Newell´s estranham o fato de Che sempre usar as cores preta e vermelha. Outro motivo de orgulho para os torcedores do rubro-negro é que Fidel Castro tem uma camisa do time autografada que lhe foi dada por seu amigo Diego Maradona.
Aliás, Maradona jogou pouco tempo no Newell´s, no final da carreira. Além dele, outro astro passou pelo clube: Batistuta, antes de se transferir para o Boca, jogava pelo time de Santa Fé. Atletas brasileiros também não foram incomuns no time, que já contou na década de 60 com o volante Roberto Belangero, ex-Corinthians, e o atacante Juari, ex-Grêmio, e mais recentemente, na década de 90, com o zagueiro campeão mundial Ricardo Rocha.
Além de grandes jogadores, um fato marca a história do clube: o primeiro jogador argentino a se transferir para a Europa, em 1929, foi Julio Libonatti, que jogava justamente no Newell´s.
Outro fato que engrandece os Leprosos é seu patrimônio: o Estádio Parque Independencia, conhecido como ´Coloso´, é o maior coberto da Argentina, com capacidade para 41 mil pessoas. Além do estádio, o Newell´s tem dois complexos esportivos – um em Bella Vista e outro em Ricardone, além de um colégio e 75 filiais pelo mundo.
O título do Newell´s prova que um clube de estrutura boa colherá os frutos do bom investimento. E tem a honra de recolocar o interior argentino no cenário do futebol mundial.