Futebol Arte
Comecemos com um aviso: ´´Futebol Arte – A Cultura e o Jeito Brasileiro de Jogar´´ não é um livro teórico, textual. Na verdade, também não chega a ser um livro propriamente jornalístico. É, sim, uma coletânea de frases e declarações, além de trechos de músicas e narrações, amarrados por alguns pequenos textos do próprio autor do livro.
Mas não se engane: apesar de ser fragmentário, o livro tem uma linha de raciocínio. As declarações são bem escolhidas e pertinentes, vindo de personalidades de diversos campos (jornalistas, artistas, escritores). Não por acaso, o autor mais citado é Nelson Rodrigues.
Entre as citações, há verdadeiras pérolas, como a crítica de Lima Barreto ao futebol, de 1922: ´´Não é normal falar tanto no esporte que dizem que é bretão. Não é possível que as autoridades policiais vejam semelhante coisa. O Rio de Janeiro é uma cidade civilizada e não pode estar entregue a certa malta de desordeiros que querem se intitular sportmen. Os apostadores de briga de galo se portam melhor. Entre eles não há questões nem brigas. As apostas correm em paz e a polícia não tem o que fazer com eles; entretanto, os footballers todos os domingos fazem rolos e barulho e a polícia passa-lhes a mão na cabeça. Tudo tem limite e o football não goza de privilégio de coisa inteligente´´.
Mesmo com a qualidade dos textos, o que mais se destaca em ´´Futebol Arte´´ é a parte visual. Em suas 440 páginas, salta aos olhos o impressionante trabalho de pesquisa feito pelos autores, que desencavaram fotos, quadros e diversos objetos junto a centenas de fontes diferentes. As imagens é que são as protagonistas do livro, valorizadas por uma diagramação excelente.
O livro concentra-se em explicar por que a relação do brasileiro com o futebol é diferente da que existe em outros países. Começa com as origens do futebol no Brasil, depois enfoca as peladas, com as bolas, traves e campos improvisados e mostra como a paixão pelo futebol extravasa as quatro linhas – jogos de botão, álbuns de figurinhas e produtos relacionados ao esporte. Essas seções, aliás, tornam o livro uma pérola para os leitores mais velhos, que certamente lembrarão de sua infância. Com esse ´background´, ´´Futebol Arte´´ traça o paralelo entre a arte, o jeito brasileiro de ser e seu desempenho no campo de futebol, mostrando como o esporte tornou-se uma expressão artística, bem como o caminho inverso, com a arte representando o futebol. Como não poderia deixar de ser, os autores também dedicaram um bom espaço aos grandes astros – brasileiros, é claro -, sem os quais a adoração ao futebol não poderia existir.
Defeitos? Bem, certamente, o livro não é indicado para que busca uma visão puramente objetiva e argumentativa sobre futebol. Outro problema é o preço: apesar de ser um livro grande e de boa qualidade, não é qualquer um que pode pagar quase R$ 100 por ele.
Numa época em que os ´botinudos´ ganham cada vez mais espaço em nossos gramados e em que a Seleção está em crise, ´´Futebol Arte´´ é um bálsamo, tanto para relembrar os tempos de ouro de nosso futebol, como para conformar-se com a certeza de que, sempre, o futebol brasileiro será diferente. É um livro para ser lido e ser visto, para guardar na prateleira e retornar a ele várias vezes.
