Olimpíadas

Como boxeadora, atacante de Zâmbia sofreu com ‘exame de gênero’ por nível de testosterona

Com nível acima de testosterona, Barbra Banda foi cortada da Copa Africana, o mesmo que aconteceu com pugilista que disputa as Olimpíadas

A luta de boxe feminino da categoria até 66 kg entre a argelina Imane Khelif e a italiana Angela Carini nesta quinta-feira (1), pelos Jogos Olímpicos de Paris, ganhou uma repercussão além dos ringues.

A pugilista europeia desistiu da luta com 46 segundos, ação que foi depois justificada por uma intensa dor no nariz.

Antes que a derrotada pudesse explicar o porquê da desistência, portais de imprensa e perfis ligados à extrema-direita nas redes sociais insinuaram que Carini não quis lutar porque a adversária seria transexual por não ter passado no polêmico “teste de feminilidade” da Associação Internacional de Boxe (IBA).

O caso aconteceu às vésperas de Khelif disputar o ouro no Mundial de Boxe de 2023 e ela foi desclassificada.

Segundo o Comitê Olímpico Internacional (COI), a argelina foi eliminada, pois teria excedido os níveis de testosterona no corpo. A IBA nega essa versão, e o presidente da associação diz que a atleta teria cromossomos masculinos, algo jamais provado, sendo que a lutadora nasceu mulher.

No universo do futebol, esse mesmo exame de verificação de gênero causou polêmica há dois anos no futebol africano, conforme publicou o perfil Copa Além da Copa no X (ex-Twitter), e a Trivela relembra o caso.

Barbra Banda, de Zâmbia, foi impedida de disputar Copa Africana

Em julho de 2022, a Associação de Futebol de Zâmbia (AFZ) revelou que sua melhor jogadora, a atacante Barbra Banda, foi reprovada em um “exame de gênero” e, por isso, não poderia atuar na Copa Africana que seria disputada dias depois.

— Todas as jogadoras tinham que passar por um exame de gênero, uma exigência da CAF, e infelizmente ela não atendeu aos critérios estabelecidos pela CAF. Infelizmente, nós acabamos tendo de ir para o torneio sem a nossa principal jogadora. — disse Andrew Kamanga, presidente da AFZ, à BBC.

À época, um membro da Confederação Africana de Futebol (CAF) negou à BBC que teria uma “uma decisão do comitê médico da CAF” impedindo a participação de Banda, o que irritou Kamanga.

— Todo mundo no país foi levado a acreditar que a AFZ não fez nada e decidiu por sua conta excluir a jogadora. As federações são obrigadas a realizar esses testes e passar os resultados para a CAF, que também faz os seus testes se achar necessário. Então, não é justo dizer que a CAF não é parte da situação. — finalizou o mandatário do futebol de Zâmbia.

Os níveis de testosterona da atacante zambiana estavam acima do limite de 10nmol/L permitido pela CAF no exame de gênero, considerado por entidades de direitos humanos e pelo COI ultrapassado.

A Human Rights Watch, organização internacional de direitos humanos, afirmou que o procedimento de verificação de gênero são “violações flagrantes dos direitos humanos porque são estigmatizantes, estereotipados e discriminatórios”.

Antes da Copa Africana, Barbra Banda recebeu um tratamento de supressão hormonal, mas parou por conta dos efeitos colaterais, segundo o diretor de comunicação da FAZ, Sydney Mungala, em entrevista à ESPN.

— Com as jogadoras adotando essa opção [de desistir do tratamento], a decisão final foi que elas não poderiam ser incluídas na lista final da competição. — disse.

Em entrevista à Trivela, a cardiologista do esporte Nicolle Queiroz, pós-graduada em endocrinologia e especialista em hormonização, explicou alguns dos possíveis efeitos colaterais ao utilizar medicamentos para baixar a testosterona.

— Por exemplo, para poder diminuir a testosterona utiliza o ciproterona, que pode desenvolver alguns tumores, retenção hídrica, aumento de pressão. De forma mais grave pode acontecer tromboembolismo pulmonar [normalmente causada por coágulos nas artérias pulmonares]. A gente precisa de estudos mais contundentes voltados a isso, mas existe, sim, o risco de um efeito colateral. — aponta a especialista.

A doutora também detalhou que algumas mulheres sofrem com o hiperandrogenismo, distúrbio que pode aumentar a produção de testosterona.

— Nessa doença, os hormônios não se expressam segundo seu carácter biológico. Isso pode trazer alterações no ciclo menstrual, na característica feminina, etc. Em mulheres que têm a testosterona mais elevada, há uma nota de corte que as organizações esportivas aceitam. Mas não há um número específico, tipo 1000 de testosterona, que vá garantir um desempenho esportivo superior. — conclui.

A Copa do Mundo Feminina utiliza também uma “verificação de gênero”, pouco detalhada pela Fifa, que, diferente da CAF, não obriga que todas as jogadoras passem pelo teste – uma atleta só será testada se acontecer um pedido de outra seleção.

Barbra Banda não teve problemas para disputar o último Mundial, em 2023, marcando um gol na campanha da Zâmbia, que ficou na fase de grupos.

A atacante também brilhou nos Jogos Olímpicos. Em 2021, marcou dois hat-tricks, contra China e Holanda.

Nas Olimpíadas disputadas em Paris neste momento, voltou a marcar três gols em um jogo, na derrota maluca por 6 a 5 para a Austrália. Em ambas, a Zâmbia caiu na primeira fase.

Por clubes, a centroavante atua pelo Orlando Pride, mesmo time da Rainha Marta.

Vale citar a jogadora poderia estar no Real Madrid, mas o nível de testosterona nos exames médicos impediu o negócio.

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COI considera teste de “feminilidade” desrespeitoso

O COI não recomenda “políticas que exigem que as mulheres modifiquem seus níveis hormonais para competir”, acreditando que os regulamentos são desrespeitosos e podem ter impacto na saúde dos competidores.

Porém, isso é apenas uma recomendação, e a decisão final é das federações internacionais de cada modalidade.

No caso do boxe, centro da polêmica, é a entidade máxima do esporte olímpico quem cuida por meio da Paris Boxing Unit (PBU) após escândalos de corrupção na IBA.

Seguindo o mesmo que fez em Tóquio, em 2021, não realiza testes hormonais, conferindo o gênero dos atletas a partir dos passaportes.

— Todas as que competem na categoria feminina o fazem cumprindo as regras de elegibilidade da competição. São mulheres em seus passaportes e está estabelecido que são mulheres. O teste de testosterona não é um teste perfeito. Muitas mulheres podem ter níveis de testosterona iguais ou semelhantes aos dos homens, sem deixar de ser mulheres. — disse o porta-voz do COI, Mark Adam.

Foto de Carlos Vinicius Amorim

Carlos Vinicius AmorimRedator

Nascido e criado em São Paulo, é jornalista pela Universidade Paulista (UNIP). Já passou por Yahoo!, Premier League Brasil e The Clutch, além de assessorias de imprensa. Escreve sobre futebol nacional e internacional na Trivela desde 2023.
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