Na Bancada

Torcer sem coletivo está nos fazendo mal: sobre “segunda tela”, imprensa esportiva e crises no futebol

*Por Rodrigo Barneschi, do Na Bancada

Sem ter muito o que dizer sobre mais um jogo espremido por um calendário criminoso, o narrador lança mão de uma informação de procedência e qualidade duvidosas: “Olha, a galera no Twitter está dizendo que o técnico mexeu errado no time”.

A “galera no Twitter” é o equivalente futebolístico do famigerado “mercado”. É uma expressão que, tão abstrata quanto imprecisa, serve para construir qualquer raciocínio, a favor ou contra.

A “galera no Twitter” nunca teve muita relevância, mas, nesses tempos pandêmicos em que não há mais manifestações vindas da arquibancada, a imprensa teve de recorrer ao descalibrado e ruidoso termômetro das redes sociais para dialogar com um público que, incapaz de apenas assistir ao jogo e sobre ele refletir, vive aprisionado a essa maluquice de “segunda tela”.

Criou-se, pois, um ciclo doentio de geração de crises artificiais. Funciona mais ou menos assim:

O torcedor resolve comentar o jogo em tempo real no Twitter > A imprensa trata o burburinho como se fosse a “voz da arquibancada” > A crise artificial está criada > O torcedor ataca a imprensa, mas continua retroalimentando o ciclo.

Lá atrás, quando as redes sociais começaram a ganhar força, era comum ouvir que “as novas mídias dão voz para todo mundo”. Deixo de lado minhas considerações sobre a frase em si para apontar o quanto faz falta a arquibancada: se antes a multidão podia ser vista, ouvida e sentida, com efeitos instantâneos sobre o jogo em si, agora a massa é virtual, e então apela-se para uma opinião pública fluida e não necessariamente conectada com o público habitual dos estádios.

Sem o anteparo da arquibancada, o monstro das redes sociais se desgarrou e nos trouxe até este cenário em que jogadores e técnicos são atacados por críticos apaixonados em tempo real e, portanto, sem qualquer caráter reflexivo.

É bem verdade que havia, antes mesmo da pandemia, um ecossistema digital já consolidado de pessoas que decidiram viver dentro de uma rede social, pouco atentas ao mundo externo e mais preocupadas com algoritmos e com as interações decorrentes de cada pretenso conteúdo publicado. Mas a arquibancada, como parte indissociável do que acontece dentro das quatro linhas, prevalecia e silenciava os ruídos digitais.

Sem arquibancada, os torcedores de estádio perderam o protagonismo, e os ansiosos comentaristas da “segunda tela” encontraram em determinados setores da mídia esportiva o agente catalisador perfeito para dar alguma noção de concretude ao que antes era nada além de estridência irreflexiva e inconsequente.

O que mais me incomoda é ver companheiros de arquibancada sucumbindo à rotina massacrante de criação de novas crises artificiais e cobranças que beiram a crueldade. A persistirem nesse caminho, a tendência é que fiquem cada vez mais desconectados da vivência de arquibancada, perdendo muito do vínculo emocional que diferencia um torcedor de um simples espectador.

A estes companheiros, que ainda podem ser salvos, deixo um humilde conselho: larguem o celular durante os 90 minutos de bola rolando! Se a vida sempre fez sentido no estádio, vendo futebol sem a intermediação de uma tela, por que agora, nesses tempos de exceção, vocês precisariam de uma “segunda tela” para viver o futebol?

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Rodrigo Barneschi é jornalista e torcedor. Já foi a 1.014 partidas de futebol em 79 canchas pelo mundo e não dispensa uma boa arquibancada de concreto. Sua experiência de décadas em estádios vai ser contada em um livro a ser lançado nos próximos meses. Membro do NA BANCADA. Twitter: @barneschi. 

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