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Mulheres perguntam à Fifa: por que vamos jogar a Copa em campos sintéticos?

Mais de 40 jogadoras de futebol profissional, de 12 seleções diferentes, incluindo a brasileira Marta, a americana Abby Wambach e a alemã Nadine Angerer estão irritadas com a Fifa. O motivo: discriminação de gênero. Isso porque a Copa do Mundo do Canadá está prevista para começar em 6 de junho do ano que vem apenas em gramados artificiais, inclusive as semifinais e a decisão, no BC Place, de Vancouver (foto). Se a entidade não resolver o problema em pouco tempo, corre o risco de ser processada na Justiça.

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Foi esse o teor da carta que essas atletas enviaram à entidade e à Federação Canadense no último mês de julho (ainda sem resposta). Com o auxílio de uma firma de advocacia de Washington, ameaçam um processo com base na lei canadense, que exige condições iguais para os dois gêneros. De acordo com a carta, a diferença de tratamento violaria o código de direitos humanos do país e a Carta Canadense de Direitos e Liberdades.

Por isso, as mulheres estão confiantes na pressão que exercem sobre a Fifa, com a ajuda de celebridades como Kobe Bryant. Descartam (pelo menos neste momento) o boicote porque acreditam que Joseph Blatter passaria vergonha demais para quem tenta mais uma reeleição se fosse obrigado por uma decisão judicial a propiciar condições idênticas para homens e mulheres.

Os organizadores da Copa do Mundo defendem-se dizendo que o Mundial feminino sub-20 que sediaram já foi disputado em campos sintéticos e que a proposta foi aprovada pela Fifa no processo de candidatura. O problema é que não houve, de fato, um processo de candidatura porque o único rival era o Zimbabue, que se retirou da corrida antes do final. Argumentam que a grama não resistiria às várias partidas em seguida e garantem que seus campos sintéticos cumprem o mais elevado padrão da entidade.

Pouco importa se são os melhores do mundo ou não. Não é segredo para ninguém que esse tipo de gramado é considerado inferior no mundo do futebol. A dinâmica do jogo muda bastante porque a bola corre mais rápido e pula mais alto. Além disso, uma forma muito eficiente de sentir dor é tentar dar um carrinho ou um peixinho nesse tipo de gramado, como mostram as pernas de Sydney Leroux, da seleção americana, na foto abaixo. Nadine Angerer, melhor jogadora do mundo em 2013, disse que as goleiras sofrem particularmente porque precisam pular e aterrissar “em concreto”.

Vamos estender mais um pouco o assunto e lembrar que Thierry Henry recusou-se mais de uma vez a jogar no gramado sintético do Seattle Sounders para não agravar a lesão que tem no tendão de aquiles. Sem contar que nunca uma partida da Copa do Mundo masculina foi disputada em qualquer coisa que não fosse grama verdinha e bem cultivada e, até esse Mundial do Canadá, as principais partidas femininas também não.

Imagine por um segundo a gritaria que aconteceria se homens fossem obrigados a jogar a Copa do Mundo em gramados sintéticos. Na verdade, não precisamos nem imaginar. O campo do estádio de Michigan foi reformulado para Manchester United e Real Madrid jogarem um amistoso (é bom ressaltar: uma partida que não valia absolutamente nada). A mesma coisa foi feita no Luzhniki, de Moscou, para a decisão da Liga dos Campeões de 2008, e será novamente para o Mundial de 2018.

Em 1994, os Estados Unidos, aquele país que fica ao sul do Canadá, sediaram o Mundial e o Pontiac Silverdome, também de Michigan, precisou trocar o seu campo artificial por um de verdade, por ordens da Fifa. O custo foi de U$ 2 milhões, segundo o cientista no comando da operação, Trey Rogers. Ele calcula que hoje em dia, com a tecnologia avançada, não passaria de U$ 400 mil por estádio fazer o mesmo no Canadá. Um custo, na pior das hipóteses, de U$ 2,4 milhões para fazer isso nas seis cidades-sede (Vancouver, Edmonton, Winnipeg, Ottawa, Montreal e Moncton). Dinheiro de bala para quem acabou de lucrar U$ 2 bilhões com a Copa do Mundo do Brasil, mesmo que a estimativa do especialista seja muito otimista.

Blatter, em Vancouver, falou sobre as maravilhas dos gramados artificiais e como eles estão cada vez mais se parecendo com os de verdade. Mas isso não significa que sejam ideais, e a maior prova é que nenhuma partida da Copa do Mundo da Rússia, cujo clima talvez seja pior que o do Canadá, está prevista para ser disputada no campo sintético. É impossível manter o Mundial feminino como está sem passar a mensagem de que o futebol das mulheres não é tão importante quanto o dos homens. E, por mais que a oposição seja fraca, isso faria com que o homem que bate tanto na tecla da luta contra o racismo chegasse às eleições presidenciais com o rótulo de machista na testa.

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Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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