40 anos do Mundial rubro-negro: como os jornais e revistas contaram a semana do Flamengo 3×0 Liverpool em 1981
Diante do aniversário da histórica vitória do Flamengo em Tóquio, relembramos o clima daqueles dias

* Texto publicado originalmente em 20 de dezembro de 2019
Uma semana antes da realização do Mundial Interclubes de 1981, o Flamengo entrou em campo. E não era qualquer compromisso: em 6 de dezembro, quase 170 mil pessoas lotaram o Maracanã para assistir à finalíssima do Carioca. Em tempos nos quais o estadual valia bastante, Carpegiani escalou força máxima para enfrentar o Vasco. Diante do regulamento confuso do estadual (pra variar), as vitórias dos rivais nos dois primeiros jogos não valiam tanto, já que os rubro-negros poderiam ser campeões com um triunfo no terceiro, pela melhor campanha nas fases anteriores. Foi o que aconteceu. Adílio e Nunes anotaram os gols na vitória por 2 a 1, em noite marcada pela invasão de um torcedor nos minutos finais. O “ladrilheiro” virou herói flamenguista. Já o time mal pôde comemorar. Um dia depois, o Fla embarcava ao Japão.
A disputa do Mundial aconteceu em meio a uma maratona de jogos ao Flamengo. Em apenas três semanas, a equipe conquistou a Libertadores no jogo-desempate contra o Cobreloa e também o Carioca, até seguir a Tóquio para encarar o Liverpool. O duelo contra os ingleses era o 21° do clube desde outubro, em agenda que incluiu viagens a Colômbia, Bolívia, Chile, Uruguai e Japão – além de cinco clássicos a partir de novembro. O desgaste imenso, ainda assim, não impediu os rubro-negros de vencerem 16 desses compromissos e só perderem três – os dois supramencionados contra o Vasco, além da visita ao Cobreloa em Santiago.
Não que a situação do Liverpool fosse exatamente mais tranquila. Embora a viagem fosse mais curta, os Reds entraram em campo cinco dias antes do Mundial, quando derrotaram o Arsenal pela Copa da Liga Inglesa por 3 a 0. Desde o início de outubro, a equipe de Bob Paisley disputou 16 partidas até se encontrar com o Flamengo. E precisava lidar com a pressão pelo início inconsistente no Campeonato Inglês. Mesmo após derrotar o Nottingham Forest em 5 de dezembro, o clube ocupava o modesto décimo lugar. Ao menos a situação na Champions era um pouco mais tranquila. Apesar da classificação apertada contra o AZ, os tricampeões europeus só voltariam a entrar em campo no início de março. Tinham um respiro, mas não tanto.
A loteria esportiva fazia prognósticos equilibrados ao Mundial. Por mais que o Flamengo atravessasse ótima fase e chegasse mais embalado ao Japão, o Liverpool merecia respeito – sem que os jornalistas deixassem de ponderar as oscilações no período, a falta de encaixe coletivo ou as desconfianças sobre o novato goleiro Bruce Grobbelaar. Os três títulos continentais conquistados nos cinco anos anteriores, afinal, falavam por si. E assim se pautou o noticiário ao redor da final em Tóquio: com empolgação por aquilo que poderia ser feito pelo Fla, mas sem desconsiderar os oponentes.
Dentro desta perspectiva, relembramos um pouco como foi vivido este passado. Abaixo, dia após dia, tentamos retratar o clima através de recortes dos jornais cariocas da época (Jornal do Brasil, Jornal dos Sports, O Globo), além das revistas Manchete e Placar. Cada data possui um breve resumo, que introduz as notas dos periódicos. A cobertura inclui as notícias ligadas a Tóquio publicadas a partir de 7 de dezembro, logo após a conquista do Campeonato Carioca, até 14 de dezembro, com o rescaldo da vitória por 3 a 0 no dia 13.
Para ampliar a visualização dos recortes, você pode clicar com o botão direito do mouse e selecionar ‘abrir as imagens em nova guia'. Além deste especial, publicaremos outros dois nas próximas horas: um abordando as declarações de Paisley e dos personagens do Liverpool sobre o Mundial; e outro com os relatos da imprensa estrangeira sobre a vitória rubro-negra. Aproveite a viagem:
7 de dezembro de 1981
O Flamengo viajaria na noite de 7 de dezembro, uma segunda-feira. Adílio era o único que embarcaria depois, com casamento marcado. O time primeiro passaria alguns dias em Los Angeles, para se acostumar com a mudança de fuso horário, antes de viajar para Tóquio na quinta-feira. A final aconteceria no domingo. O noticiário daquele dia até começava a apresentar o Liverpool, mas estava realmente voltado a falar sobre o título carioca. Destaque também à história do “Ladrilheiro”.
8 de dezembro de 1981
O Flamengo embarcou para Los Angeles e o noticiário sobre Tóquio vinha muito mais recheado. Falava sobre o cronograma e destacava o clima familiar, com muitas esposas viajando junto. Além disso, o Jornal do Brasil destacava a maneira como o Liverpool estaria “em vantagem” pelo fuso menor e por estar mais acostumado à temperatura. O gramado, que geraria reclamações dos ingleses, também era visto como desfavorável aos rubro-negros. Os jogadores começavam a traçar suas estratégias, enquanto Carpegiani falava em atuar pelas pontas e ressaltava como o rendimento dos atletas adversários era maior no clube, se comparado à seleção. Menção ainda a Anselmo, que agrediu Mario Soto na final da Libertadores e não poderia atuar, mas foi mantido no grupo a pedido dos companheiros.
9 de dezembro de 1981
O Flamengo realizava suas primeiras atividades em Los Angeles, mais leves, e os jogadores planejavam uma visita à Disney. Havia uma preocupação com as condições físicas de Raul. Além do mais, as dificuldades com o fuso horário continuavam como assunto. A diretoria rubro-negra tentava mudar o horário do pontapé inicial em Tóquio, antecipando a transmissão na TV brasileira para as 22h de sábado – o que não rolou. Por fim, vale destacar o especial preparado pelo histórico repórter Geraldo Romualdo Silva, do Jornal dos Sports, sobre o Liverpool.
10 de dezembro de 1981
Carpegiani comentava suas estratégias para encarar o Liverpool. Demonstrava conhecimento sobre os Reds e prometia uma postura ofensiva. No entanto, o treinador ganhava nova preocupação. Depois de Raul, o volante Andrade e o lateral Júnior também lidavam com problemas físicos. O time fazia treinos leves, antes de seguir a Tóquio. Já o Liverpool também pegava o seu voo rumo ao Japão, após derrotar o Arsenal. No Jornal dos Sports, Geraldo Romualdo Silva dava mais uma aula sobre o time, destrinchando a história e falando sobre cada um dos jogadores. E a organização do Mundial confirmava que os 62 mil ingressos estavam esgotados, enquanto a transmissão ao vivo seria feita a 35 países.
11 de dezembro de 1981
Mentores de ambos os clubes, Cláudio Coutinho e Bill Shankly eram relembrados, ambos falecidos naqueles últimos meses de 1981. A zaga do Flamengo discutia como lidaria com o forte jogo aéreo do Liverpool. A empolgação da torcida era assunto, no Rio e em Tóquio. Carpegiani contava com força máxima e cogitava usar números trocados para confundir os ingleses, o que acabou não fazendo. Nas páginas do Jornal dos Sports, Geraldo Romualdo Silva explicava a maneira como os Reds atuavam, enquanto João Saldanha falava sobre as expectativas da imprensa inglesa em sua coluna no Jornal do Brasil. Já a Placar lançada naquela data trazia um tom crítico sobre os problemas coletivos dos europeus, apesar da experiência e dos destaques individuais. Grobbelaar, que substituía o ídolo Ray Clemence, era o mais questionado.
12 de dezembro de 1981
Na véspera do dia oficial da partida, a imprensa brasileira fazia uma cobertura intensa, já que o pontapé inicial no Horário de Brasília aconteceria à meia-noite. O Flamengo vinha completo e exalava confiança em seu potencial. Carpegiani e Zico lideravam o motivado grupo. Adílio se juntara ao elenco após se casar, enquanto os jogadores que eram dúvida terminaram confirmados ao 11 inicial. Até mesmo a comemoração pós-título começava a ser discutida.
13 de dezembro de 1981
Como o jogo aconteceu no começo da madrugada, as edições matutinas dos jornais trouxeram apenas matérias mais frias, sem falar do resultado. Os relatos do jogo saíram apenas nas tiragens posteriores. A pressa fica visível por alguns erros básicos, incluindo na escalação do Liverpool. Entretanto, unânime era a maneira como o Flamengo dominou a partida durante o primeiro tempo. Zico deu seu show, Nunes marcou dois gols e Adílio também fez o seu. A manchetes ainda falavam sobre a loucura que tomou o Rio durante a madrugada.
14 de dezembro de 1981
A exaltação máxima. Os jornais repercutiam o sentimento dos jogadores e as grandes atuações. Zico, Nunes, Carpegiani, Raul: todos descreviam o que representava aquela vitória. O Liverpool, do outro lado, admitia os méritos do Flamengo. Os rubro-negros faziam um carnaval em Tóquio, enquanto os relatos do Brasil expandiam a loucura por várias cidades. Embora nem todos os jogadores fossem retornar diretamente ao Rio de Janeiro, alguns parando em Honolulu, prometia-se também uma recepção grandiosa. E ficava expressa a maneira como o Fla se valorizou com o triunfo incontestável, assim como deixou em evidência o futebol brasileiro.